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No início da semana, a Suprema Corte americana abriu mais um capítulo da extensa disputa entre o governo Biden e o estado do Texas pelo controle das fronteiras, enquanto milhares de imigrantes continuam a entrar todos os meses, provocando um agravamento da crise migratória que assola o país.
Na decisão, o tribunal autorizou a gestão do democrata a remover o arame farpado que as autoridades texanas colocaram em um trecho da fronteira em Eagle Pass para deter os estrangeiros que tentavam entrar em solo americano de forma clandestina.
No passado, o governador do Texas, Greg Abbott, ajuizou uma ação para impedir o corte dos fios colocados no local onde é considerado o epicentro da crise migratória, justificando seu pedido pelo risco que a falta de proteção gera à segurança do estado. Desde então, a administração de Joe Biden e do republicano trocam farpas sobre o tema.
Como resposta à decisão da Suprema Corte, o governador republicano e seu Departamento de Segurança Pública afirmaram que irão redobrar o uso de barreiras erguidas na fronteira. “Isso não acabou. O arame farpado do Texas é um impedimento eficaz para as travessias ilegais que Biden incentiva. Continuarei a defender a autoridade constitucional do Estado para proteger a fronteira e evitar que o administrador Biden destrua a nossa propriedade”, afirmou na rede social X.
Já o porta-voz do Departamento de Segurança Pública, tenente Chris Olivarez, disse que manterá sua postura atual de dissuadir travessias ilegais de fronteira, utilizando medidas eficazes de segurança de fronteira. “O Texas é o único estado que usa todas as estratégias e recursos para proteger sua soberania, combater a atividade criminosa e desencorajar a imigração ilegal”, afirmou.
O posicionamento do governador republicano foi apoiado por outros 25 estados do país, que divulgaram uma declaração conjunta em solidariedade a Abbott. No documento, eles destacam a firmeza do governante em "proteger seus cidadãos contra níveis históricos de imigrantes ilegais, drogas e terroristas que entram pelas fronteiras".
Na semana passada, as autoridades do Texas prenderam imigrantes em Shelby Park e os acusaram de invasão criminosa, marcando as primeiras prisões de estrangeiros irregulares desde que o estado assumiu o controle da área na fronteira entre os EUA e o México neste mês, quando entrou em vigor uma nova lei estadual que considera a entrada ilegal pela fronteira um crime.
Biden mantém discurso pró-imigrantes para rivalizar com Trump
O projeto de Joe Biden para desfazer as rígidas políticas migratórias inseridas por Trump teve início ainda durante sua campanha, em 2020. E desde que assumiu a Casa Branca, no ano seguinte, o democrata derrubou diversas medidas nesse sentido, dando origem a uma nova crise interna no país, com um discurso mais "humanizado" em relação aos estrangeiros que desejam residir em solo americano.
Seu grande projeto dentro do tema foi a Lei de Cidadania, que incluía um caminho de oito anos para os cerca de 11 milhões de imigrantes irregulares obterem o título de residentes legais. A medida também reforçava os sistemas de refúgio e asilo do país para receber essas pessoas e apresentava algumas ações para conter o acesso de estrangeiros pelas fronteiras, questão que, na verdade, foi pouco elaborada em seu "plano piloto".
Os republicanos receberam a tentativa de alteração do sistema migratório como uma anistia aos que chegam ao país na ilegalidade e criaram barreiras para a aprovação da mudança legislativa. Esse posicionamento é, inclusive, usado de justificativa pelo democratas para culpar a atual crise, uma vez que afirmam que a aprovação da lei de cidadania resolveria a situação das fronteiras. A administração de Biden diz ser necessário um maior financiamento do Congresso e uma reforma abrangente da imigração para corrigir o que considera um sistema “quebrado”, em menção às políticas de Trump.
No entanto, à época da apresentação do projeto, os democratas controlavam tanto a Câmara quanto o Senado e, mesmo assim, o plano nunca sequer foi votado, o que mostra um desconfiança da própria legenda pelo assunto.
O principal ponto que leva Biden ainda a manter sua postura, mesmo diante do agravamento da crise, é seu discurso antagônico ao ex-presidente republicano, que segue firme em se posicionar contra a imigração ilegal, tendo como destaque de sua gestão a ideia de construção do muro entre o país e o México. Essa firmeza no discurso de Trump provou ser eficaz nas primárias de Iowa e New Hampshire, nas últimas semanas, visto que ele saiu vitorioso entre os eleitores com a imigração entre os temas mais importantes para garantir seus votos.
Em sua gestão, Trump não construiu realmente um muro, mas usou ordens executivas e a diplomacia para travar a crise fronteiriça já presente. A intensificação da fiscalização nos EUA e no México, combinada com a retórica combativa do próprio presidente, fez o trabalho de dissuadir potenciais migrantes ilegais de fazerem a viagem clandestina.
Biden também é pressionado por democratas para solucionar crise
A crise enfrentada pelo país tem sido um dos principais desafios para o mandatário da Casa Branca, que vê tanto republicanos quanto democratas, que historicamente discordam em pautas de migração, criticando em uníssono sua gestão em relação ao tema e demandando uma reforma no sistema de entrada de estrangeiros.
Segundo o jornal The New York Times, gestores públicos ligados ao Partido Democrata em estados como Boston, Denver, Chicago e Nova York afirmam experimentar crises crescentes em suas cidades e têm pressionado quase diariamente o Gabinete de Assuntos Intergovernamentais da Casa Branca e outros funcionários da administração a apresentarem soluções para o problema.
No Colorado, mais de 36 mil migrantes chegaram nos últimos meses, com 4.100 ainda em abrigos da cidade de Denver. Em Nova Iorque, mais de 164 mil migrantes foram alocados em abrigos desde abril do ano passado, sendo que muitos ainda residem em hotéis e escritórios transformados em abrigos temporários ou acampamentos montados para os acomodar.
A prefeitura de Nova York, administrada pelo democrata Erick Adams, ingressou com uma ação contra 17 empresas de ônibus fretados que foram contratadas pelo governador do Texas, Greg Abbott, para levar imigrantes ilegais para a maior cidade dos Estados Unidos. Segundo informações da CBS News, o prefeito quer que as empresas de ônibus paguem US$ 708 milhões (R$ 3,4 trilhões), valor equivalente ao que a prefeitura gastou para abrigar imigrantes ilegais emergencialmente.
Na Califórnia, as cidades estão lotadas de tendas e pessoas em situação de rua. O mesmo acontece com os hotéis sobrecarregados de Manhattan, abarrotados de migrantes de todo o mundo.
A crise migratória também tem sido motivo de intensos conflitos entre republicanos e democratas no Congresso americano, onde os conservadores exigem um endurecimento da política para conter a migração em troca de um novo pacote de ajuda à Ucrânia e Israel, países que têm se apoiado na parceria com a gestão de Biden para manter sua defesa contra Moscou e o Hamas, respectivamente.
Apesar de concordarem sobre a aprovação de maiores restrições à entrada de imigrantes e financiamento para a segurança das fronteiras, os legisladores de ambos os partidos ainda não conseguiram chegar a um acordo sobre valores e formas de dedicar recursos para a questão.
A pressão sobre Biden aumenta conforme a corrida para as eleições de novembro se aproxima, ocasião na qual o atual mandatário deve concorrer à reeleição.
Mesmo sem um diálogo consolidado com o Partido Republicano sobre a crise, funcionários da Casa Branca já sinalizam que estão abertos a medidas que tornariam mais difícil a requisição de asilo no país. Segundo o The New York Times, negociadores democratas, incluindo o secretário da Segurança Interna, Alejandro N. Mayorkas, parecem dispostos a discutir novas regras que podem levar a deportações mais rápidas de migrantes que vivem ilegalmente em cidades americanas.
O possível acordo político mudaria o posicionamento que Biden mostrou até o momento à frente da Casa Branca, período no qual beneficiou milhares de imigrantes no país.
Dados divulgados por fontes oficiais do governo americano estimam que mais de 300 mil imigrantes foram contados ao longo da fronteira sudoeste do país somente em dezembro, o maior registro mensal já observado pelas autoridades.