Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Estados Unidos

Por que os democratas estão falando em impeachment mais uma vez

trump barr impeachment
Presidente dos EUA, Donald Trump (E), e o procurador-geral, William Barr (Foto: NICHOLAS KAMM/AFP)

Ouça este conteúdo

Poucos dias depois da absolvição do presidente Donald Trump no Senado, a palavra impeachment voltou a ecoar em Washington. O alvo da vez, porém, é diferente: o procurador-geral dos Estados Unidos, William Barr, que vem sendo criticado por supostamente interferir na justiça para defender interesses de Trump e seus amigos. O caso arrasta a presidência do republicano para mais um escândalo e reforça a guerra de narrativas na polarizada nação americana.

Dois discursos

O alarme soou nesta terça-feira (11), quando Trump criticou, via Twitter, a recomendação de sentença dos promotores no processo contra Roger Stone, seu amigo e consultor político de sua campanha presidencial em 2016. "Esta é uma situação horrível e muito injusta", escreveu Trump.

Apenas horas depois, o Departamento de Justiça, comandado por Barr, sinalizou que pediria a anulação da recomendação dos promotores do caso e que sugeriria uma sentença mais branda para Stone. A medida não agradou os promotores, que, em protesto, abandonaram o caso - um até chegou a pedir demissão do cargo.

Prontamente levantaram-se suspeitas de abuso de poder e obstrução de justiça. Barr aparentemente teria sido pressionado por Trump para reduzir a pena do homem que ajudou a eleger o presidente.

Por outro lado, aliados do republicano passaram a dizer que a ação do Departamento de Justiça era uma maneira de corrigir uma recomendação de sentença envenenada pela parcialidade política dos promotores anti-Trump.

O amigo do presidente

Para entender essa nova crise envolvendo a Casa Branca é preciso antes saber, brevemente, quem é Roger Stone e por que ele foi condenado pela justiça americana.

Stone, 67, está na política americana há mais de 40 anos. Estava saindo da adolescência quando começou a sua carreira em 1972 na campanha de reeleição do ex-presidente Richard Nixon, cujo rosto está tatuado nas costas de Stone.

O consultor também participou da campanha presidencial que culminou na eleição de Trump em 2016. Ambos já se conheciam de uma frustrada empreitada eleitoral de Trump nos anos 2000 e do mundo dos negócios, já que Stone trabalhou como lobista para os cassinos do republicano. A parceria mais recente entre os dois não durou muito. Stone saiu da campanha ainda em 2015, aparentemente após uma briga com Trump. Porém, manteve seu apoio a Trump e defendeu o presidente publicamente em diversas ocasiões.

Em 2019, Stone foi condenado por falso testemunho e coação de testemunha durante a investigação do Congresso sobre a interferência russa nas eleições de 2016. Segundo o juri, Stone mentiu aos congressistas sobre sua ligação com o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que em 2016 publicou uma série de e-mails de Hillary Clinton que prejudicaram a campanha da democrata nas eleições daquele ano. Mais tarde, o escritório do procurador especial Robert Mueller concluiu que os e-mails haviam sido roubados por hacker russos. Stone também foi condenado por ter ameaçado uma testemunha a não depor diante o Congresso, que posteriormente revelou que não havia levado a sério a coação.

A sentença que ele receberá por essas condenações ainda está pendente. Os promotores criticados por Trump pediram de 7 a 9 anos de prisão. "Roger Stone obstruiu a investigação do Congresso sobre a interferência russa em 2016, ele mentiu sob juramento. E, quando seus crimes foram expostos, ele mostrou desprezo por esse tribunal e pelas regras da lei. Portanto, deve ser punido", escreveram os promotores na recomendação de sentença.

Na sequência, o Departamento de Justiça anulou o pedido dos promotores e recomendou uma sentença de prisão "bem menor" do que os 7 a 9 anos - pena que considerou excessiva e injustificada para um caso de obstrução.

Medida legal

A manobra do Departamento de Justiça não é ilegal e também não é incomum. Em entrevista à publicação The New Yorker, Mary McCord, professora na faculdade de Direito de Georgetown, explicou que em casos de repercussão nacional, como o de Stone, é normal que os promotores discutam a sentença com seus superiores do Departamento de Justiça (nos EUA os promotores obedecem ao procurador-geral, que também é o chefe do Departamento de Justiça). Para ela, a menos que os promotores tenham, após a decisão conjunta, alterado a recomendação, parece que o Departamento de Justiça cedeu à pressão exercida pelo presidente.

Ela explicou também que não é ilegal que o procurador-geral faça uma recomendação de sentença com base no que o presidente deseja, já que o Departamento de Justiça faz parte do Poder Executivo. "Ele [o procurador-geral] é indicado pelo presidente e espera-se que implemente as políticas do presidente", disse ela ao jornalista Isaac Chotiner. Porém, ela ressalta, há um reconhecimento histórico de que é importante que o Departamento de Justiça mantenha alguma distância da Casa Branca quando se trata de casos individuais, como o de Stone, para garantir a independência do departamento e fazer justiça.

Impeachment de Barr

Frustrados com a absolvição de Trump no processo de impeachment, democratas começaram a pedir que Barr renunciasse ou enfrentasse impeachment, após a aparente decisão do procurador-geral de anular a sentença de Roger Stone recomendada pelos promotores.

A senadora Elizabeth Warren, pré-candidata democrata à presidência dos EUA, defendeu a saída de Barr do Departamento de Justiça. "O Congresso deve agir imediatamente para conter o nosso procurador-geral fora-da-lei", escrever a senadora no Twitter. "Barr deve renunciar ou enfrentar o impeachment", completou.

Barr refutou Trump na quinta-feira (13), dizendo que os tuítes do presidente tornavam "impossível que eu faça o meu trabalho" e que ele não seria "intimidado ou influenciado" pelo presidente a respeito de decisões judiciais. Em entrevista à ABC News, Barr reconheceu que os seus comentários poderiam dar margem a reações negativas de Trump, mas afirmou que estava determinado a comandar o Departamento de Justiça sem interferência de forças externas, incluindo o presidente.

Apesar disso, Trump voltou a tuitar sobre o caso na manhã desta sexta-feira. Em resposta ao comentário de Barr, que disse que o presidente nunca pediu que ele interviesse em um caso criminal, Trump disse: "Isso não significa que eu não tenha, como presidente, o direito legal de fazer isso, eu tenho, mas até então escolhi não fazer isso!".

Sob escrutínio dos democratas - e também da imprensa americana e de setores da esquerda - Barr deve depor ao Comitê Judiciário da Câmara dos Deputados, controlada pelos democratas, no fim de março. No depoimento, ele deve responder às perguntas dos congressistas sobre o suposto "mau uso do sistema de justiça criminal".

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.