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Imigrante venezuelano deslocado do Texas para Martha’s Vineyard, em Massachusetts, carrega mantimentos doados por uma igreja local
Imigrante venezuelano deslocado do Texas para Martha’s Vineyard, em Massachusetts, carrega mantimentos doados por uma igreja local| Foto: EFE/EPA/CJ GUNTHER

Após meses em que o aborto foi o principal assunto na polarização política dos Estados Unidos, desde a semana passada o tema predominante nos debates mudou: agora, são os imigrantes ilegais.

Isso acontece porque governadores republicanos de estados sulistas (Texas, Arizona e Flórida) estão enviando imigrantes para regiões que votam historicamente no Partido Democrata e que são chamadas de “cidades santuários”, por terem políticas mais lenientes em relação a estrangeiros indocumentados.

Dois casos repercutiram nacional e internacionalmente na semana passada: a chegada de dois ônibus de imigrantes das Américas Central e do Sul enviados pelo governo do Texas à região da residência da vice-presidente Kamala Harris na capital federal, Washington; e de cerca de 50 imigrantes levados de avião do Texas para a ilha de Martha's Vineyard (conhecido ponto de veraneio de milionários no estado de Massachusetts) pelo governo da Flórida.

Os republicanos alegam que a falta de políticas migratórias do governo do democrata Joe Biden está gerando uma crise humanitária na fronteira sul dos Estados Unidos. Os agentes de fronteira americanos já atingiram no ano fiscal de 2022 (iniciado em 1º de outubro do ano passado e que chega ao fim em 30 de setembro) um recorde de pouco mais de 2 milhões de prisões de imigrantes tentando entrar ilegalmente em território americano.

Segundo relatório divulgado nesta segunda-feira (19) pelo Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, a pressão na fronteira tem sido gerada pelo aumento do número de imigrantes que tentam fugir do desastre humanitário e econômico das ditaduras de Cuba, Nicarágua e Venezuela.

Do total de imigrantes detidos no mês passado, 55.333 eram desses três países; eles representaram 35% das pessoas presas em agosto e um contingente 175% maior em relação ao registrado no mesmo mês em 2021.

Por outro lado, o número de imigrantes do México e do norte da América Central presos caiu pelo terceiro mês consecutivo: eles somaram 36% dos detidos (56.979 pessoas) e 43% a menos na comparação com agosto do ano passado.

Os Estados Unidos deportam automaticamente muitos imigrantes indocumentados que chegam à sua fronteira sul, sem lhes dar a oportunidade de solicitar asilo, com base numa medida sanitária adotada durante a pandemia, na gestão Donald Trump. O governo Biden tentou revogar a medida, mas a Justiça determinou que permanecesse em vigor.

Porém, muitos cubanos, nicaraguenses e venezuelanos ilegais flagrados na fronteira não retornam aos seus países porque os governos ditatoriais dessas nações estão dificultando a chegada de voos de deportação partindo do território americano. Pelo mesmo motivo, o México não tem aceitado receber imigrantes desses países a serem expulsos dos Estados Unidos.

A Flórida reservou US$ 12 milhões no seu orçamento para remover “estrangeiros desautorizados”. O governador Ron DeSantis alega que não governa um estado santuário e que pode realizar remoções de imigrantes ilegais de outros estados (como fez no Texas) porque muitos que chegam pela fronteira sul acabam se deslocando para a Flórida.

O republicano classificou como hipocrisia as reclamações dos democratas do norte do país sobre as remoções realizadas por governos republicanos.

“Muita gente em Washington e Nova York batia no peito quando Trump era presidente, dizendo como estavam orgulhosos de serem jurisdições santuários”, afirmou DeSantis na semana passada. “No minuto em que uma pequena fração do que as cidades fronteiriças têm que enfrentar todos os dias é trazida à porta da casa deles, eles enlouquecem.”

Atritos no governo Biden

A NBC News apurou que o DHS quer que o governo federal inicie imediatamente um plano para transferir de forma estruturada imigrantes ilegais para outras regiões americanas. O problema é que o fluxo de imigrantes no sul está em cerca de 8 mil pessoas por dia, e a Casa Branca havia estipulado que só deveria autorizar essas medidas quando o patamar chegasse a 9 mil por dia.

Oficialmente, entretanto, o DHS nega que haja atritos sobre essa questão dentro da gestão democrata.

“Os rumores sobre atritos são falsos. O aumento significativo do número de imigrantes cubanos e venezuelanos flagrados na fronteira gera desafios únicos e complexos, e este governo está unido no compromisso de enfrentá-los de maneira segura, ordenada e humana. A manipulação dos governadores do Texas e da Flórida e a forma como os imigrantes cubanos e venezuelanos estão sendo enganados, segundo relatos, são dignas de condenação”, comunicou o departamento.

Ricardo Bruno Boff, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), afirmou à Gazeta do Povo que o impasse pode ajudar os republicanos nas eleições de meio de mandato, em novembro.

“Há uma tendência, quando a migração aumenta e o problema se torna mais visível, que os republicanos ganhem uma certa vantagem e façam sua militância trabalhar de uma forma mais enérgica, para atrair os votos dos que se opõem a esse estado de coisas e cobram uma solução rápida. É mais um elemento dentre tantos, mas que pode ser decisivo numa eleição muito acirrada”, destacou o especialista.

“Não há solução de curto prazo. Os Estados Unidos não vão resolver isso [crise migratória] sozinhos. Uma solução a longo prazo seria uma cooperação para desenvolvimento das nações ao sul, para que tenham economias mais complexas e mais possibilidades para as pessoas continuarem nos seus países.”

Boff apontou que Estados Unidos e México têm avançado nas conversas sobre o tema migração, com o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, propondo que o país se torne algo próximo do que a Turquia é para a União Europeia, ao “amortecer” a chegada de imigrantes. Entretanto, a resistência mexicana em receber cubanos, venezuelanos e nicaraguenses indica que esse diálogo tem limites.

“O México tem seus próprios problemas, o tráfico de drogas, os índices de violência muito altos, questões sociais históricas, um problema energético sério”, argumentou o professor.

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