Os eventos deste mês em uma pequena cidade a noroeste de Moscou mostram que há uma grande raiva que borbulha abaixo da superfície da paciência aparentemente sem fim dos russos com o governo autocrático. Mas eles não voltam essa raiva contra o presidente Vladimir Putin, nem mesmo quando seus amigos bilionários são diretamente responsáveis pelas suas desgraças.
Volokolamsk é uma cidade de 20 mil habitantes no entorno da Região de Moscou, a área ao redor da vasta cidade da capital russa. Próximo a ela está o aterro de Yadrovo, um dos 37 da região que absorve quase 10 mil toneladas (nove toneladas métricas) de lixo de Moscou diariamente. Os aterros estão lotados e até mesmo alguns que estão oficialmente fechados recebem caminhos cheios de lixo sólido.
Eles são parte de um problema nacional que Putin conhece bem.
Em 2016, ele reclamou que apenas metade do lixo da Rússia estava sendo processado, enquanto o resto é simplesmente sendo enterrado ou deixado para apodrecer, incluindo milhares de aterros ilegais. Em novembro de 2016, ele obrigou o governador da Região de Moscou, Andrei Vorobyov, a fechar um aterro localizado muito próximo a uma área residencial onde os moradores mal conseguiam respirar.
Ao mesmo tempo, os amigos de Putin tem interesse nos negócios de lixo da capital. Gleb Frank, genro de Gennady Timchenko, amigo próximo de Putin que está sob sanção dos EUA, é beneficiário de uma das maiores operadoras de remoção de lixo de Moscou, de acordo com a Fundação Anticorrupção liderada pelo líder da oposição, Alexei Navalny. Outros líderes do mercado são supostamente controlados por Igor Chaika, filho do promotor geral de Putin, e pelo bilionário aliado ao Kremlin, Roman Abramovich. Essas operadoras são responsáveis pelo modo caótico com que o lixo de Moscou está sendo tratado.
Para Volokolamsk, o aterro de Yadrovo se tornou recentemente um grande problema. Desde fevereiro, a cidade tem constantemente cheirado mal e os moradores começaram a protestar.
Em 3 de março, um quarto da população se juntou a uma manifestação exigindo que o aterro fosse fechado. Em 8 de março, alguns ativistas locais bloquearam a rodovia que leva a Yadrovo e foram presos. Dois dias depois, Vorobyov ordenou que seus subalternos resolvessem o problema em até três meses, enquanto os serviços ambientais da região tentaram convencer a população local de que não havia riscos para a saúde e que as substâncias nocivas no ar estavam dentro das normas.
Sintomas de envenenamento agudo
Nas eleições realizadas na semana passada, 70,27% dos votos em Volokolamsk foram para Putin. Essa eleição foi profundamente manipulada, é claro, mas espectadores independentes não receberam nenhum relato de manipulação explícita de votos de Volokolamsk.
Dois dias depois, um tribunal local decidiu manter o aterro aberto, com uma multa de cerca de US$ 2,6 mil para o dono – um ex-membro do governo local – por violar regras sanitárias. E na quarta-feira, dezenas de crianças em todo o município foram hospitalizadas com sintomas de envenenamento agudo, como tontura e vômito. O governo continuou a insistir que não havia risco para a saúde das pessoas, mas moradores locais se reuniram no entorno do hospital para exigir a verdade, e Vorobyov e o chefe do distrito de Volokolamsk foram obrigados a comparecer. O chefe do distrito foi empurrado e ameaçado. Algumas bolas de neve bem duras foram jogadas no governador enquanto ele entrava no carro para fugir.
Vídeos do protesto se espalharam nas redes sociais; Tatyana Lozova, de 10 anos, foi filmada apontando para o governador e fazendo um gesto de corte no pescoço e se tornou uma heroína instantaneamente. Ela disse em uma entrevista que queria que o aterro fechasse porque não quer mais usar uma máscara respiratória no caminho para a escola.
Panelinha de Putin
Para aqueles que estão se perguntando sobre a popularidade duradoura de Putin na Rússia ou acreditando que os resultados das eleições foram totalmente falsificados, Volokolamsk oferece alguns insights valiosos.
O que está acontecendo na cidade é uma consequência direta do jeito que a panelinha de Putin comanda o país. O futuro existe apenas nos discursos, enquanto os negócios são feitos hoje e para hoje, sem considerar consequências.
Os oficiais do governo mentem até mesmo quando a verdade é óbvia para todo mundo, e os tribunais não protegem os cidadãos comuns nem mesmo quando o caso a ser protegido é tão claro que basta sentir o cheiro do ar venenoso para enxergá-lo. Os russos comuns são tratados como o lixo despejado ao lado das suas casas por empreiteiros com boas conexões com o governo.
Efeito teflon
E, ainda assim, a raiva inevitável não é direcionada a Putin. Ksenia Sobchak, a candidata auto-intitulada liberal que concorreu com Putin (no que muitos enxergam como uma cota aprovada pelo Kremlin para criar a aparência de pluralismo), apareceu em Volokolamsk antes das eleições e prometeu ajuda para fechar o aterro; ela conseguiu 3,65% dos votos de Volokolamsk – mais que o 1,68% que conseguiu em todo o país, mas, ainda assim, o número não pode ser considerado um apoio.
Putin, o símbolo da ressurreição internacional da Rússia é a camada externa quando se trata dos problemas que seu sistema espalhou pela Rússia. Aliados de Putin, como Vorobyov, um ex-funcionário do partido United Russia, podem servir como para-raios para a revolta popular, mas criticar o líder nacional não levará a lugar nenhum. Autoridades regionais agora estão prometendo parar de despejar lixo em Yadrovo até o final da semana; se o fedor desaparecer, a revolta diminuirá. A vida continuará.
Bershidsky é colunista no Bloomberg View. Foi o editor fundador do jornal diário de negócios russoo Vedomosti e criou o site de opinião Slon.ru.
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