As vacinas chinesas estão impulsionando a imunização contra a Covid-19 em vários países em desenvolvimento ao redor do mundo. Isto é especialmente verdade na América do Sul. Para citar um exemplo, o Chile, considerado um caso de sucesso por ser um dos países do mundo com maior índice de população vacinada (30% até o último dia 19), está usando amplamente a Coronavac, com 7,7 milhões de doses de vacina da estatal chinesa Sinovac aplicadas, dentre as 8,4 milhões inoculadas em chilenos em todo o país.
Segundo o Ministério de Relações Exteriores da China, até o final de fevereiro, o país tinha exportado suas vacinas – da Sinovac e da Sinopharm, duas estatais chinesas – para 27 países, além de ter feito doações para 50 países. De acordo com o Duke Global Health Innovation Center nos Estados Unidos, os fabricantes de vacinas da China prometeram mais de meio bilhão de doses para governos no exterior, incluindo matérias-primas que podem ser usadas na produção de vacinas em outros países – o Brasil é um dos principais compradores. As autoridades da China acreditam que, com o tempo, mais governos devem se interessar em comprar as vacinas chinesas e, da mesma forma, a capacidade de produção do país deve se expandir.
“Os fabricantes chineses de vacinas ainda estão se expandindo e, com a liberação contínua da capacidade de produção, a produção aumentará gradualmente”, disse Tian Yulong, funcionário do Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação, em coletiva de imprensa na segunda-feira (15).
A grande exportação de vacinas da China contrasta com a postura de países desenvolvidos, cuja prioridade é imunizar a própria população. Nesta semana, uma briga entre a União Europeia e o Reino Unido chamou a atenção, quando o bloco ameaçou frear a exportação de doses produzidas nos países-membros para o Reino Unido e os Estados Unidos.
Essa diferença ocorre porque o Partido Comunista Chinês enxerga as vacinas como uma possibilidade de aprofundar a cooperação com outros países e – embora não admita – aumentar sua influência na comunidade internacional. Isso ficou claro no ano passado, quando o presidente chinês, Xi Jinping, disse que via os imunizantes como “um produto público global” e que era necessário promover ativamente a cooperação internacional em vacinas.
Mas enquanto a exportação e doação de vacinas chinesas vai de vento em popa, a imunização dos chineses caminha a passos lentos. Até meados de março, a China tinha aplicado 65 milhões de doses de quatro vacinas aprovadas no país. Isso representa 4,5 doses aplicadas a cada 100 pessoas, segundo o site Our World in Data. Um ritmo de vacinação mais lento do que o do Brasil e da Argentina, que estão comprando as vacinas chinesas, entre outras, para imunizar suas populações.
O próprio tamanho da população, 1,4 bilhão de pessoas, representa um grande desafio para a campanha de imunização. Mas há outros fatores em jogo.
O país pode estar priorizando as exportações em detrimento da imunização local, embora essa possibilidade seja rejeitada pelo governo chinês, que afirma publicamente que sua prioridade é alcançar imunidade de rebanho interna enquanto coopera com a comunidade internacional.
“A estratégia atual da China é promover o estabelecimento de uma barreira imunológica global em uma estrutura coordenada internacionalmente, como pela Covax ou pela Organização Mundial da Saúde [OMS]; enquanto isso, vamos garantir que nossa própria estratégia de vacinação seja gradualmente melhorada”, disse Zhang Wenhong, médico infectologista do Partido Comunista Chinês, no começo de março.
Mas o fato é que pouco se sabe sobre a atual capacidade de produção das fábricas chinesas. As autoridades de saúde têm evitado dar respostas objetivas sobre o assunto – embora a Sinovac tenha anunciado recentemente que vai expandir sua capacidade de produção anual para 2 bilhões de doses até o fim de junho. Portanto, se a intenção é conduzir simultaneamente uma campanha nacional e internacional de imunização, a capacidade reduzida de produção neste primeiro momento também é um fator que pode estar contribuindo para uma vacinação mais lenta em casa. Além disso, atrasos nas exportações também estão sendo relatados.
Poucos casos de Covid e desconfiança da população
Outra questão que pode explicar por que apenas 65 milhões de doses foram aplicadas no país até agora é o baixo número de casos de Covid-19. Embora haja muita desconfiança quanto aos números da pandemia apresentados pelo governo chinês – gerada pela discrepância dos dados em relação ao ocidente e pelas tentativas do governo chinês de esconder o surto inicial de Covid-19 – há meses não há relatos de novos focos da doença no país.
A vida no gigante asiático praticamente voltou ao normal. A principal preocupação das autoridades de saúde não é a transmissão comunitária, mas sim os casos importados de outros países, que podem se espalhar se não forem detectados. Portanto, não há o mesmo senso de urgência para vacinar a população local quando se compara a situação epidemiológica da China com a de outros países, em especial os ocidentais, que estão passando por um aumento de casos neste momento, com a ameaça de variantes mais transmissíveis do novo coronavírus.
Há ainda um terceiro fator que pode estar em jogo: a desconfiança da população em relação aos imunizantes produzidos no país, devido a escândalos de vacinas e medicamentos falsificados que ocorreram no passado. Em meados de fevereiro, uma pesquisa de opinião, publicada pelo South China Morning Post, mostrou que na província de Zhejiang menos da metade dos entrevistados estava disposta a receber uma dose de um dos produtos disponíveis para uso no país. E os chineses com maior nível educacional estão menos dispostos a tomar vacinas nacionais. A confiança da população pode aumentar se os laboratórios chineses submeterem seus testes clínicos a revisões independentes.
Apesar do ritmo lento até agora, a China promete acelerar a campanha e afirma que sua meta é vacinar 40% da sua população de 1,4 bilhão de pessoas (560 milhões) até o fim de junho, e mais 330 milhões até o fim do ano. Para alcançar esse objetivo, os fabricantes chineses terão que expandir sua capacidade produtiva consideravelmente. Uma das estratégias do regime chinês é apostar no desenvolvimento e aprovação de mais vacinas. Atualmente 17 estão em fase de testes clínicos no país, enquanto quatro foram aprovadas para uso.
Vacinação na China prioriza trabalhadores
Uma particularidade da vacinação na China é que as autoridades de saúde estão priorizando a vacinação da população em idade produtiva, ou seja, pessoas entre 18 e 59 anos – mais uma diferença em relação às campanhas de imunização no Ocidente, que, em geral, está optando por vacinar os idosos e grupos de risco antes do restante da população.
De acordo com Li Bin, vice-diretor da Comissão Nacional de Saúde da China, são prioritários na campanha de vacinação “pessoas com maiores riscos de exposição ocupacional, pessoas em risco de infecção no exterior e pessoas em posições-chave para a manutenção de operações sociais básicas, bem como pessoas com mais de 18 anos em condados fronteiriços, indústrias de serviços, indústrias de mão-de-obra intensiva e outras doenças”.
Além do baixo risco de transmissão comunitária, idosos e população de risco não estão sendo amplamente imunizados porque os “ensaios clínicos atuais não têm dados suficientes sobre a eficácia de proteção de tais populações”. “O trabalho de vacinação para essas populações deve ser organizado de acordo com o progresso do desenvolvimento das vacinas”, disse Li em coletiva de imprensa na segunda-feira (15). A vacina da Sinopharm, até o momento, não é recomendada para maiores de 60 anos.
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