A verdade está oficialmente morta. Os fatos estão fora de moda. E esse sentimento – carinha sorrindo – já vem desde o ano passado. O dicionário Oxford selecionou “pós-verdade” (em inglês, “post-truth”) como a palavra internacional do ano de 2016, após o polêmico referendo do “Brexit” na Inglaterra e a eleição presidencial igualmente divisiva dos EUA causarem uma explosão no uso dessa palavra, segundo a sua editora, Oxford University Press.
O dicionário define “pós-verdade” como “o que se relaciona a ou denota circunstâncias em que fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que os apelos à emoção ou crença pessoal”.
Nesse caso, o prefixo “pós-” não significa “posterior à” verdade tanto quanto implica uma atmosfera em que a noção é irrelevante – mas, de novo, ninguém diz que você precisa acreditar em nós, não é?
Ao longo de uma campanha política massacrante em que correram livremente acusações, de todos os lados, de que o outro candidato estava mentindo ou vivia numa realidade paralela, centenas de relatórios de verificação de fatos foram publicados sobre as declarações de ambos os candidatos, Hillary Clinton e Donald Trump.
Dúzias de organizações da mídia descobriram que a relação de Trump com a verdade era, digamos, complicada. “Nós concedemos que todos os políticos mentem”, escreveu a colunista conservadora Jennifer Rubin em setembro. “Mas, ainda assim, Donald Trump está numa categoria só dele”.
Ela citou David Frum, do The Atlantic, que em maio descreveu a desonestidade de Trump como “qualitativamente diferente de qualquer coisa já vista de um candidato de um grande partido”. Nada disso pareceu ter a menor importância para os seus apoiadores.
“Não há dúvida de que, mesmo com todo o exercício quadrienal de forçação da verdade que acontece nas campanhas presidenciais, Trump foi recordista de invenções”, escreveu Chris Cillizza, do The Washington Post, dias antes da eleição.
E, no entanto, como Cillizza apontou, Trump foi visto como mais honesto do que Clinton por uma margem de oito pontos, segundo a enquete do Washington Post-ABC News publicada em 2 de novembro.
A palavra “pós-verdade” foi selecionada depois que os editores do dicionário Oxford perceberam um aumento de 2000% em seu uso depois de 2015 – o termo começou a aparecer com uma frequência muito maior em artigos de jornal e nas redes sociais, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos.
O primeiro pico veio em junho, embalado pela retórica que levou ao referendo sobre a saída da Inglaterra da União Europeia, como comentou o presidente do dicionário Oxford, Casper Grathwohl, em declaração.
Houve um outro pico para “pós-verdade” em julho, quando Trump conquistou a candidatura presidencial do Partido Republicano. “Não surpreende que a nossa escolha seja reflexo de um discurso político e social altamente carregado”, disse Grathwohl. “Alimentada pela ascensão das redes sociais como fontes de notícias e sua desconfiança crescente quanto aos fatos oferecidos pelo establishment, a pós-verdade como conceito vem conquistando espaço linguístico há algum tempo já”.
“Pós-verdade” foi selecionada como palavra do ano para 2016 antes de os resultados da eleição serem revelados, disse Katherine Martin, chefe da divisão norte-americana dos dicionários da Oxford University Press. “Nós escolhemos as palavras que irão dar destaque à interação entre nossas palavras e nossa cultura”, disse Martin. A palavra final do ano deve ser uma palavra que capture o “ethos, o humor e as preocupações daquele ano em particular e que terá um potencial duradouro como uma palavra de significância cultural”.