Neste sábado (30), os Estados Unidos voltam a flertar com a possibilidade de uma paralisação do governo federal, situação que quase se tornou uma tradição das administrações divididas entre republicanos e democratas nos EUA. No entanto, este ano, a paralisação ocorreria em um momento delicado para a maior economia do mundo.
O financiamento federal para o ano fiscal de 2023 expira às 23h59 desse sábado, mas parece improvável que a Câmara e o Senado concordem em aprovar até mesmo um plano de financiamento de curto prazo para manter as agências federais funcionando enquanto elaboram os orçamentos de 2024.
A resistência está sendo encabeçada por um pequeno grupo de congressistas republicanos aliados do ex-presidente Donald Trump. Eles estariam descontentes com concessões ao governo de Joe Biden realizadas pelo presidente da Câmara, o deputado republicano pelo estado da Califórnia Kevin McCarthy.
Em maio, MacCarthy aprovou um projeto de lei que evitou que o país entrasse em concordata pela primeira vez na sua história. Naquele momento, as consequências de um calote na dívida pública teriam sido devastadoras para a economia dos EUA, prejudicando, inclusive, a nota internacional de crédito do país.
Por outro lado, analistas concordam que uma paralisação do governo, pelo menos de forma imediata, não teria um grande impacto neste momento.
O impacto nunca é trivial
O economista-chefe da AXA IM, Gilles Moëc, afirma que situações como a atual são bastante frequentes no país – ao todo, foram 14 desde 1980. Ele ainda disse que elas não coincidiram historicamente com contrações no Produto Interno Bruto (PIB).
Contudo, Moëc também alerta que o impacto nunca é trivial. Dados do Gabinete Orçamentário do Congresso demonstram que a última paralisação, que ocorreu entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019, e que durou 35 dias, custou à economia americana 0,1% do PIB no quarto trimestre de 2018 e 0,2% no primeiro trimestre de 2019.
O economista afirma que, contudo, esses cálculos não estão anualizados e que, portanto, o impacto é maior. “Em termos anuais – para escalá-lo à forma como o crescimento do PIB dos EUA é normalmente apresentado – o impacto parece muito mais significativo (0,4% no quarto trimestre de 2018 e 0,8% no primeiro trimestre de 2019)”, explicou.
Consequências inesperadas
Até o momento, ninguém parece ter uma ideia clara de quanto tempo a paralisação do governo dos EUA pode durar. O impasse ocorrido entre 2018 e 2019 foi o mais longo da história do país, já que, em grande parte, essas situações são resolvidas em poucos dias. No entanto, caso a situação atual se prolongue, pode trazer consequências inesperadas para os EUA.
Dentre os possíveis impactos estão, por exemplo, a pausa na produção dos principais indicadores econômicos do país, como inflação, PIB, desemprego. A falta dessas informações pode dificultar o trabalho do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que em novembro deverá decidir se aumenta ou não as taxas de juros.
Em um relatório para o grupo OANDA, o analista Edward Moya alertou que, "dado o risco crescente de vermos uma paralisação de uma ou duas semanas, existe uma possibilidade cada vez maior de que o Fed, que depende das informações, não tenha dados suficientes para considerar seriamente aumentar as taxas em novembro”.
Diante dessa possibilidade, Wall Street sentiu essa insegurança e fechou setembro com as maiores perdas acumuladas em seus índices S&P 500 e Nasdaq, enquanto o Dow Jones, seu principal indicador, também fechou o mês com perdas significativas.
Além disso, se os legisladores dos EUA não concordarem em aprovar um plano de financiamento ainda neste sábado, a maioria das agências governamentais, museus e parques nacionais fecharão, enquanto 1,3 milhões de militares e centenas de milhares de funcionários públicos deixarão de receber os seus salários.
Agências federais já elaboraram planos detalhados para estabelecer quais serviços devem continuar, como o rastreio nos aeroportos e as patrulhas fronteiriças, e quais podem ser pausados, como a pesquisa científica e a ajuda nutricional a famílias carentes.
Congressistas ainda buscam acordo
Alguns legisladores ainda têm esperanças de que o Congresso chegue a um acordo neste sábado. Diante deste tipo de impasse, também é costume aprovar projetos de lei provisórios para ganhar mais tempo e realizar as negociações detalhadas para o financiamento de programas federais.
McCarthy disse que a Câmara poderia buscar o apoio dos democratas para estabelecer um acordo como esse e que garantisse o financiamento governamental nos níveis atuais. Mas, se levada adiante, essa proposta poderia provocar um desafio à sua liderança na casa.
É esperado que o Senado realize uma votação processual às 13h deste sábado (14h horário de Brasília) para prolongar o financiamento do governo até o dia 17 de novembro. A proposta possui amplo apoio de republicanos e democratas, mas obstáculos na Câmara podem fazer com que a aprovação final seja adiada até a terça-feira (3 de outubro).
Ainda que a estratégia seja bem-sucedida, ambas as casas teriam que resolver suas diferenças antes de enviar a proposta final para a aprovação de Biden. Esse pode ser outro obstáculo, já que McCarthy se opõe aos US$ 6 bilhões (R$ 30,2 bilhões) em ajuda à Ucrânia, que estão incluídos no projeto de lei do Senado.
“Continuamos tentando encontrar uma saída para isso”, disse MacCarthy na sexta-feira (29).