Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou no fim da noite de sexta-feira nos EUA, para uma rápida - e inédita - visita à residência oficial do presidente George W. Bush em Camp David. Seu avião aterrissou na base de Andrews, em Maryland, por volta das 23h (Horário de Brasília) e Lula foi direto para Blair House, a casa de hóspedes presidencial americana. Lá, o presidente era aguardado por diversos repórteres brasileiros que fizeram uma série de perguntas sobre a greve dos controladores de vôo. Ao lado do ministro Celso Amorim, Lula limitou-se a responder: "Deixa eu chegar."
A agenda oficial de Lula nos EUA tem início por volta do meio-dia de sábado, quando o presidente brasileiro embarca, de uma base naval na Virgínia, em um helicóptero com destino a Camp David. Na casa de campo, Lula e Bush devem se reunir por cerca de uma hora. Em seguida, os presidentes se revezarão em pronunciamentos de dez minutos e responderão a perguntas de jornalistas americanos e brasileiros. Lula jantará com Bush antes de retornar a Washington, de onde partirá de volta para o Brasil (A agenda de Lula).
Lula é o primeiro líder latino-americano a ser recebido por George W. Bush em Camp David, e o primeiro líder latino-americano a participar de uma reunião de trabalho no retiro dos presidentes americanos desde 1991. O último foi o mexicano Carlos Salinas de Gortari. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi recebido em Camp David pelo ex-líder americano Bill Clinton, em 1998, mas aquela reunião foi descrita pelo governo americano como sendo uma ''reunião pessoal'' e não uma ''reunião de trabalho''
A agenda do encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush deverá ser abrangente, com temas que vão desde maneiras de destravar a Rodada de Doha, até a presença das tropas brasileiras no Haiti. Segundo analistas, no entanto, a visita deverá resultar em poucas conquistas econômicas. A expectativa é de que Lula volte ao Brasil com nada além de protocolos de intenções, declarações de estudos em conjunto sobre determinadas áreas ou promessas de formação de grupos técnicos para avaliar setores.
Em entrevista à BBC Brasil, o embaixador americano no país, Clifford Sobel, admitiu que o encontro servirá para "destravar" a relação entre Washington e Brasília, mas não falou em resultados efetivos.
O professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Geraldo Tadeu Monteiro diz que o objetivo principal dos Estados Unidos é restabelecer sua influência política na América Latina. Já o Brasil quer reforçar a posição de líder da região, aparando o poder do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, especialmente após a deflagração da crise do gás na Bolívia. Segundo Monteiro, com suas ações "escandalosas", Chávez vem exercendo maior influência sobre os presidentes da Bolívia, Evo Morales, do Equador, Rafael Correa, e, de alguma forma, sob Nestor Kirchner, da Argentina, expandindo sua política neopopulista.
Para ele, o Brasil não chegou a perder a liderança na região, mas deixou de ter iniciativas. A tentativa de Lula, agora, é de recuperar sua influência. Não é a toa que o presidente está sendo recebido em Camp David, geralmente reservada para representantes de países mais notórios.
- O Brasil continua sendo líder, naturalmente, em função do tamanho de sua economia e da competência de sua diplomacia. Mas Chávez tomou a dianteira na iniciativa política. Tem uma situação privilegiada, pois comanda um país muito menor, tem petrodólares à vontade e domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, as Forças Armadas e os governos provinciais. Isso lhe dá latitude de ação que nenhum outro governo tem - diz.
Para o especialista, Chávez pode tanto comprar armas da Rússia quanto vender petróleo subsidiado para os pobres americanos, ou dar dinheiro para a Bolívia e para a Nicarágua.
- Com isso, Chávez ganhou uma visibilidade que causa constrangimento ao governo brasileiro, na medida em que ele é líder e não pode fazer nada - avalia.Etanol e meio ambiente
O coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Dupas, concorda. Para ele, o Brasil funciona como "algodão entre cristais" em uma América Latina polarizada.
De um lado, estão países com regimes neopopulistas, como Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. Do outro, países alinhados com os Estados Unidos, como México, Uruguai e Colômbia. Entre os dois pólos, estariam Brasil e Chile, com lideranças de esquerda, porém com posturas moderadas em relação aos Estados Unidos.
Dupas também acredita que Bush usará a visita de Lula para compensar os anos de desprezo que os EUA tiveram por políticas ambientais. Especialmente depois que um dos principais rivais de Bush, o democrata Al Gore, ganhou visibilidade com o documentário "Uma Verdade Inconveniente", sobre aquecimento global.
- As discussões em torno do etanol, principal tema da vista de Bush ao Brasil um mês atrás, amenizam o desinteresse ecológico mostrado pelos Estados Unidos até então. É interessante notar que em discurso à nação dois meses atrás, Bush mencionou a intenção de substituir 10% do consumo da gasolina por biocombustível simultaneamente ao anúncio de que iria aumentar em 20 mil soldados o efetivo no Iraque. É como se uma coisa anulasse a outra - diz.
Mas, em termos comerciais, o especialista acha que as expectativas em relação à visita - tanto do ponto de vista da redução de subsídios quanto do ponto de vista do comércio do etanol - devem ser contidas.
- A trava central atualmente está na questão da abertura agrícola. Isso será solucionado apenas quando os dois principais atores, EUA e Europa, se resolverem entre si. Inclusive, é bom acompanhar de perto a questão dos biocombustíveis porque sua expansão pode afetar a lógica dos subsídios à produção de oleaginosas - diz.
Irã pode ser tema de conversa
Dupas também considera a possibilidade de Bush converar com Lula sobre o Irã, já que a Petrobras tem planos para explorar petróleo no país juntamente com a estatal iraniana NIOC. Segundo reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico nesta sexta-feira, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel, já teria pedido ao presidente da empresa brasileira que cancelasse seus planos de investimento no país.
- O imbróglio americano no Oriente médio é de grande complexibilidade e contaminou a agenda eleitoral. É praxe que visita de governantes acabem se estendendo para questões mais amplas, mas o Brasil não é um player importante na região. Duvido que mude sua prioridade no Oriente Médio por conta de pressão do governo Bush - afirma.
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