Andreas Hollstein (CDU), prefeito de Altena| Foto: Reprodução

Momentos antes de tentar matar o prefeito de uma cidade pequena e pitoresca no oeste da Alemanha, o criminoso lhe disse seus motivos. Ele estava com sede, disse, enquanto pressionava uma faca na garganta do prefeito. Mas, ao invés de ajudar a seus compatriotas alemães, disse o criminoso, o prefeito tinha aceitado a vinda de centenas de refugiados para a cidade.

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Duas semanas depois, o corte na garganta do prefeito Andreas Hollstein está quase curado. Mas o sentimento de choque profundo permanece na pequena comunidade. E o debate só aumentou: será que a cidade com economia precária deve ser um modelo de aceitação e integração daqueles que buscam asilo? 

Desde o ataque, Hollstein – que acredita só estar vivo por conta da ação rápida da família de imigrantes que gerencia o restaurante de kebab onde estava quando foi atacado – está sendo provocado. 

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Algumas pessoas podem não gostar de sua abordagem humanitária, ele afirmou em seu escritório, que tem vista para um castelo do século 12, e alguns da extrema direita podem ficar tão irritados a ponto de tentar matá-lo. 

Mas Hollstein afirma que não se arrepende de ter aceitado 450 refugiados, 100 a mais do que era exigido pela regulamentação alemã para distribuir o fluxo de entrada de mais de um milhão de pessoas entre 2015 e 2016. 

"Era a coisa certa a ser feita", disse o prefeito de 54 anos, com uma cicatriz se formando logo abaixo da sua orelha esquerda, onde a faca entrou. "Eu faria a mesma coisa amanhã". 

Retrocesso e ataques

Com essa crença, Hollstein, membro da União Democrata-Cristã, partido de centro-direita ao qual pertence também a Chanceler Angela Merkel, fica em uma posição estranha perante o momento político europeu. 

Em todo continente, políticos desconfiados de um retrocesso dos eleitores contra os refugiados começam a ter mais atenção, fortalecendo seus discursos e políticas. Nessa semana, o Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, propôs desistir de obrigar os países a aceitarem refugiados depois de dois anos de tentativas fracassadas. 

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Mas se Hollstein está fora do compasso do clima político, o ataque que sofreu é bastante condizente com os tempos vividos na Europa. 

Há dois anos, a candidata principal à prefeitura da cidade de Colônia, também no oeste da Alemanha, Henriette Reker, também foi esfaqueada no pescoço enquanto fazia sua campanha para a eleição que ganharia alguns dias depois, enquanto ainda se recuperava no hospital. A polícia disse que o agressor tinha motivações políticas e que se opunha à política favorável da candidata a refugiados. 

No ano passado, na Grã-Bretanha, Jo Cox, parlamentar de 41 anos e defensora dos direitos dos refugiados sírios, foi baleada e esfaqueada até a morte em um distrito no norte da Inglaterra. Um extremista de extrema direita que gritou "Grã-Bretanha em primeiro lugar" durante o ataque foi culpado do crime. 

Na terça-feira, promotores federais alemães acusaram um soldado de tentar planejar assassinatos de políticos de alto escalão, incluindo o ministro da justiça, e tentar culpar refugiados pelos crimes. 

Medidas extremas

A crescente tendência a violência surge no meio de um discurso público que se tornou mais venenoso e mais propenso a medidas extremas contra refugiados e aqueles que os defendem, disse Dierk Borstel, um especialista na extrema direita da Univesidade de Ciências e Artes Aplicadas de Dortmund. 

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"É um problema grande para serviços de segurança. A polícia costumava saber quais pessoas poderiam ser violentas. E as observavam", disse Borstel, cuja universidade é próxima da cidade de Altena. "Mas agora esse círculo é muito maior, e as pessoas que normalmente não eram suspeitas estão cometendo esses crimes. É muito difícil de controlar isso". 

A polícia disse pouco sobre o homem acusado de tentar matar o prefeito Hollstein. Sabe-se que seu primeiro nome é Werner. Moradores de Altena o descreveram como um recluso morador de meia idade que passava por momentos difíceis. 

Na noite do ataque, Hollstein tinha parado para jantar no City Doener, um restaurante onde alemães, imigrantes turcos, refugiados árabes e outras pessoas comem kebabs, os sanduíches típicos com carne, vegetais e molhos picantes. 

Ele tinha acabado de fazer o pedido quando um homem se aproximou e perguntou se ele era o prefeito. 

"Sim, eu sou", respondeu Hollstein. "Por quê"? 

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O homem então puxou a faca, acusando o prefeito de ter aceito estrangeiros. 

Rapidamente, Ahmet Demir, de 27 anos, saiu do balcão onde fazia kebabs e tentou afastar a briga. 

"Eu estava em choque", disse Demir, que mora na região desde que seus pais trocaram a Turquia pela Alemanha quando ele tinha dois anos de idade e que trabalha há anos no restaurante da família. "Nunca vi nada assim em Altena. Nunca vi crimes, brigas. Aqui é calmo, é seguro". 

O pai de Demir, Abdullah, se aproximou em alguns segundos. Sua mãe, Hayriye, correu para o posto policial, que fica na mesma quadra do restaurante. Mesmo depois da chegada da polícia, foram necessários alguns minutos até que o criminoso soltasse a faca e liberasse o prefeito. 

"Eu sabia que era uma situação de vida ou morte", contou Hollstein. "Tive sorte de contar com a ajuda da família Demir. Sem eles, eu não teria chances". 

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Na manhã seguinte, com o pescoço coberto por curativos, Hollstein já estava na prefeitura, insistindo que não seria intimidado. Ele continuaria com seu trabalho sem proteção policial, ele disse, e continuaria buscando uma forma de integrar os refugiados na sociedade – as ações do prefeito já renderam a cidade um prêmio nacional. 

Centenas de moradores se reuniram para uma caminhada à luz de velas naquela noite. Merkel condenou o ataque e ligou para Hollstein para expressar seus votos de uma pronta recuperação. Cartões e emails chegaram de milhares de pessoas ao redor do mundo, incluindo dos prefeitos de Barcelona, Milão e Nova York. 

Mas junto dessa correspondência haviam 100 cartas de um tipo que Hollstein tem se acostumado a receber nos últimos anos. "Eu sinto muito que esse homem não tenha conseguido te matar", dizia uma delas. "Agora nós iremos te matar". 

Klaus Laatsch, porta-voz do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha, disse que o ataque a Hollstein era terrível. Mas que entendia a raiva que o morador sentia. "Se você dirigir por Altena, verá que é um lugar triste", disse Laatsch, cujo partido se tornou o primeiro de extrema direita a entrar no Parlamento Alemão em 25 anos. "E o prefeito é o responsável por muitos dos problemas". 

Oportunidade

Ahmet Demir, 27 anos, dono de kebab onde, com seus pais, ajudou Andreas Hollstein, prefeito de Altena, na Alemanha.  
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Como muitas das cidades pequenas e industriais da Alemanha, Atena sofreu com a saída de várias fábricas. A população de 32 mil se reduziu a 17 mil em algumas décadas. 

Quando refugiados do Oriente Médio, África e Ásia começaram a entrar na Europa em números consideráveis há alguns anos, Hollstein viu uma oportunidade: a cidade tinha casas sobrando que seriam derrubadas e escolas prestes a serem fechadas por falta de alunos. Além disso, empregadores estavam dispostos a treinar mão-de-obra inexperiente. 

Hollstein, cuja avó encontrou abrigo em Altena quando as tropas soviéticas avançaram pela sua casa em Kaliningrado durante a Segunda Guerra Mundial, disse que acreditava que a cidade tinha um imperativo humanitário a seguir. "Não podemos resolver o problema de todo mundo aqui na Europa", ele disse. "Mas podemos fazer o que podemos fazer. E ficou claro para mim que podíamos fazer mais". 

Além de aceitar um número maior de refugiados do que era exigido, Altena se destacou pelas iniciativas de integrar os recém chegados. Na prefeitura, um time de quatro pessoas ajudou os refugiados e encontrarem empregos e a entender a burocracia alemã, além de coordenar o trabalho de um número impressionante de voluntários. 

Mas os refugiados já tem menos ajuda do que costumavam ter. 

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"Eles são independentes e autossuficientes", disse Esther Szafranski, uma moradora de 50 anos de Altena e voluntária. "As crianças já falam alemão muito bem, e os adultos estão dando conta". 

Entre os refugiados está Nazeer Mohseni, um afegão de 29 anos que fugiu de uma zona de conflito há dois anos e viajou seis meses antes de chegar na Alemanha. Ele já fala alemão, tem uma namorada alemã e anda pelas ruas da cidade entregando cartas como trainee do serviço de correio. 

"Quando eu saio às 9h para meu turno entregando cartas e pacotes, todos me comprimentam com um sorriso e dizem 'Guten Morgen'", disse Mohseni, com cicatrizes aparentes de um ataque à bomba ao qual sobreviveu já cinco anos. "Eu me sinto muito bem aqui. É seguro. Mas quando vi o que aconteceu ao prefeito, pensei: 'como isso pode acontecer na Alemanha?'".