A primeira-ministra britânica, Theresa May, subiu ao palco na conferência anual do Partido Conservador nesta quarta-feira (3), dançando em seu estilo inimitável, reconhecido mundialmente após a sua viagem à África do Sul, o sucesso de 1976 do Abba, "Dancing Queen".
Esta foi a maneira que May encontrou para dizer que não deixará o cargo – pelo menos não para seu ex-secretário de Relações Exteriores, Boris Johnson, que criticou seu plano de saída do Brexit; nem para o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, a quem ela acusou de odiar a Grã-Bretanha; nem àqueles negociadores obstinados em Bruxelas que a chamam as propostas para deixar a União Europeia de impraticáveis.
Na sala de conferências em Birmingham, muitos conservadores disseram que, após o discurso de May, ficaram mais esperançosos de que ela tenha o que é preciso para unificar o partido – e evitar uma saída desastrosa do bloco europeu. "Sinto-me inspirado", disse Jayne Rear, membro do partido Conservador no conselho governamental local em Lancashire. "Theresa May está de volta em sua melhor forma".
Os movimentos de dança de May rapidamente se tornaram atração nas redes sociais. Algumas pessoas elogiaram a ministra de 62 anos por ter feito uma piada de si mesma, enquanto outros lamentaram que ela tenha arruinado o Abba para eles.
LEIA TAMBÉM: Seis questões para entender o impasse nas negociações sobre o Brexit
Muitos memes surgiram, alguns com paródias da música sobre o Brexit. Alguns dos críticos de May brincaram que o single "S.O.S" do Abba pode ter sido uma escolha melhor.
Muitos conservadores acham que May está trapaceando no Brexit. Rumores de tramas para substituí-la circulam diariamente.
Na terça-feira (2), Boris Johnson lamentou a abordagem dela em relação ao Brexit, que busca preservar o comércio com a Europa aliando a Grã-Bretanha às regras e regulamentos da União Europeia. Johnson a chamou de triste, fraca, perigosa e "trapaceira" dos milhões de ingleses que votaram pela saída do bloco.
Embora May não tenha mencionado o nome de Johnson em seu discurso na conferência do Partido Conservador, ela claramente o tinha em mente. "Se todos nós sairmos em direções diferentes em busca de nossas próprias visões do Brexit perfeito, corremos o risco de acabar sem nenhum Brexit", disse. E ainda advertiu: "Estamos entrando na fase mais difícil das negociações. O que estamos propondo é muito desafiador para a UE".
A primeira-ministra também preparou seu partido e o país para a possibilidade de a Grã-Bretanha deixar o bloco em março de 2019 sem acordo – um "cenário apocalíptico" para muitas empresas que dependem do comércio com o continente.
LEIA TAMBÉM: Brexit sem acordo com a UE pode afetar até oferta de esperma
"Ninguém quer um bom acordo mais do que eu", disse May, "mas isso nunca significou conseguir um acordo a qualquer custo. A Grã-Bretanha não tem medo de sair sem um acordo se for preciso. Mas precisamos ser honestos sobre isso. Saindo sem um acordo – introduzir tarifas e verificações dispendiosas na fronteira – seria um mau resultado para o Reino Unido e a UE".
Jon Tonge, um professor de política da Universidade de Liverpool, disse que o discurso dela merece nota 8, e que foi bem recebido pelos membros do Partido Conservador, que "não podem decidir-se entre ela e Boris Johnson".
O discurso de Johnson, um dia antes, foi visto por observadores como parte de uma proposta de liderança. Mas muitos agora acreditam que o de May – e sua dancinha – provavelmente a manterá no cargo pelos próximos meses.
Entretanto houve uma "grande omissão", disse o professor. "Não houve menção ao seu plano de saída do Brexit, uma enorme omissão, porque se ela não conseguir vender esse plano para seu partido, sua liderança e, na verdade, todo o acordo Brexit será questionado". "Se você está tentando vender um plano e realmente acredita nele, certamente o colocaria em seu discurso mais importante do ano", complementou.
Livre circulação de europeus
Europeus do continente não terão mais prioridade para entrar no Reino Unido após a concretização do Brexit. A diretriz faz parte da nova política imigratória anunciada nesta terça-feira pela primeira-ministra britânica, Theresa May. Pelo plano, a livre circulação de cidadãos do continente acabará após a saída de Londres do espaço Schengen.
May anunciou que os europeus serão tratados como qualquer outro imigrante antes mesmo do fim das negociações entre Reino Unido e UE. Hoje, os cidadãos europeus não enfrentam barreiras se quiserem viver e trabalhar no país. Essa situação permanecerá inalterada entre abril de 2019 e dezembro de 2020. Ao final do prazo de carência estabelecido entre Londres e Bruxelas, a nova legislação passará a ser aplicada. O objetivo do fim da área da livre circulação é "reduzir a imigração de pessoas pouco qualificadas", um dos focos de insatisfação da opinião pública britânica e um dos fatores decisivos no referendo de junho de 2016.
"Quando deixarmos a UE, adotaremos um sistema de imigração que colocará fim, de uma vez por todas, à livre circulação", informou o governo nesta terça em nota oficial. "Será um sistema com base na competência dos trabalhadores, não em suas origens. Esse novo sistema permitirá reduzir a imigração de pessoas pouco qualificadas."
ARTIGO: A agonia do multilateralismo: Trump, Brexit e o soberanismo
O principal critério de seleção será, se o plano for aprovado, a capacidade financeira para viver no Reino Unido sem necessitar ocupar postos de trabalho que poderiam ser pretendidos pelos trabalhadores britânicos. Segundo o governo, uma vez adotado, "o sistema colocará o Reino Unido no caminho da imigração reduzida a níveis estáveis, como prometido". Em seu programa de governo, May havia prometido reduzir o "saldo migratório" - a diferença entre chegadas e partidas - a menos de 100 mil pessoas por ano, frente a 273 mil em 2016.
O plano pretende reduzir a pressão da ala eurocética e ultraconservadora de seu partido, liderada pelo ex-ministro das Relações Exteriores Boris Johnson. Mas, ao endurecer o discurso sobre imigração e propor o fim de um dos quatro pilares da UE, a premiê criou um novo atrito com Bruxelas.
Impasse
Para o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, o Reino Unido não poderá escolher fazer parte do mercado de livre- comércio se não aceitar a livre circulação de pessoas. Juncker deu a entender que a cúpula de outubro da UE poderá ser decisiva para as negociações e o bloco vai se esforçar por um entendimento com Londres, apesar das dificuldades crescentes. Na prática, a decisão de May dá mais um indício de que as negociações do Brexit caminham para o agravamento do impasse atual. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Deixe sua opinião