O Donald Trump presidente conseguirá ignorar os interesses do Donald Trump empresário em cada decisão que tomar no Salão Oval da Casa Branca? A eleição sem precedentes de um bilionário com negócios em vários países abriu a possibilidade de inúmeros conflitos de interesse, que prometem levantar dúvidas sobre suas motivações e criar suspeitas que podem, em tese, levar a um pedido de impeachment.
Especialistas em direito constitucional acreditam que será impossível para Trump evitar que muitas das políticas que venha a adotar beneficiem sua intrincada teia de negócios ou as atividades de seus parceiros comerciais dentro e fora dos EUA.
Se o governo impuser regras que dificultem a atuação de sindicatos, por exemplo, isso será visto como favorável a seus hotéis, que têm uma relação contenciosa com organizações que representam seus empregados. A eventual redução das regulações sobre o sistema financeiro também pode ser lida como uma boa notícia para empresas de Trump que dependem de financiamento bancário.
Mesmo que a obtenção de vantagem pessoal não seja a motivação do futuro presidente, a mera aparência de que o conflito deveria ser razão suficiente para Trump realizar um divórcio radical de seus negócios antes de entrar na Casa Branca em 20 de janeiro, afirmam constitucionalistas e entidades que atuam no combate à corrupção e na defesa da transparência na administração pública.
Para eles, só existe um caminho capaz de evitar as inevitáveis suspeitas de impropriedade: a transferência de todos os negócios de Trump para administradores independentes e de identidade desconhecida, que teriam a responsabilidade de vender os ativos e aplicar os recursos obtidos em investimentos que não levantem a possibilidade de conflito de interesse.
Outro caminho sugerido é a venda da participação de Trump em seus negócios e a aplicação dos recursos em títulos do Tesouro americano ou fundos diversificados de investimentos.
“Entendemos que esse arranjo demandaria que você corte o relacionamento com os negócios que levam seu nome e no qual você investiu o trabalho de uma vida”, disse documento enviado a Trump na semana passada por vários signatários, entre os quais Norm Eisen e Richard Painter, responsáveis por questões éticas na Casa Branca nos governo de Barack Obama e George W. Bush, respectivamente. “Mas qualquer que seja o desconforto pessoal causado, não há alternativa aceitável e seus deveres com o povo americano agora têm de prevalecer sobre seus laços pessoais com os negócios da Organização Trump.”
Mas o presidente eleito deixou claro que não pretende adotar nenhuma dessas medidas. Para ele, a transferência da gestão dos negócios para seus filhos será suficiente. “Isso é totalmente inadequado, pois ele ainda saberá como suas decisões afetarão seus negócios”, disse ao Estado Michael Dorf, professor de Direito Constitucional da Universidade Cornell.
Em sua avaliação, o potencial conflito de interesses levanta a possibilidade de enriquecimento ilícito da família Trump, abre caminho para distorções de políticas governamentais e cria um ambiente propício para a corrupção. “Há muitas decisões que podem ser justificadas do ponto de vista do interesse público, mas que também têm consequência para os negócios privados.”
Dorf faz um paralelo com o caso de juízes que devem se declarar suspeitos quando têm interesses financeiros em uma das partes em disputa. “Ainda que haja bons argumentos para dar vitória ao lado no qual ele tem investimentos, não se deseja que ele esteja nessa posição, pois não sabemos qual é sua motivação.”
Os menos de 20 dias transcorridos desde a eleição deixaram evidente que as possibilidades de conflito são inúmeras. Pouco após a vitória de Trump, seu novo hotel em Washington realizou uma recepção para cerca de cem diplomatas de outros países, com o objetivo de promover o endereço como local de hospedagem de delegações estrangeiras.
“Por que eu não ficaria neste hotel a poucas quadras da Casa Branca, para poder dizer ao novo presidente eu adorei o seu novo hotel? Não seria rude vir à cidade e dizer eu estou hospedado em um de seus concorrentes?”, disse um diplomata asiático ao Washington Post.
O episódio levou especialistas a levantarem o espectro do impeachment com base em uma cláusula constitucional que proíbe o presidente de receber presentes de países estrangeiros. Segundo eles, Trump correrá o risco de desrespeitar a determinação se suas empresas receberem pagamentos superiores aos preços de mercado por seus serviços.
Em entrevista ao New York Times na terça-feira, o bilionário reduziu os riscos representados por seus negócios. “A lei está totalmente do meu lado. Um presidente não pode ter conflito de interesses”, afirmou. “Em teoria, eu poderia gerir meus negócios perfeitamente e administrar o país perfeitamente. Nunca houve um caso como este.”
A legislação americana exige que funcionários públicos se desfaçam de negócios que podem provocar conflitos com o exercício de seus cargos, mas o dispositivo não se aplica ao presidente. Ainda assim, especialistas ressaltam que o mandatário está sujeito às regras de combate à corrupção e às restrições de recebimento de presentes de estrangeiros.
“A possibilidade de que seus negócios sejam beneficiados por suas decisões é a própria definição de conflito de interesse”, observou Erwin Chemerinsky, professor de Direito Constitucional da Universidade da Califórnia em Irvine.
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