O presidente do Egito, Hosni Mubarak, nomeou um vice-presidente neste sábado (29) pela primeira vez desde que assumiu o poder, há 30 anos, e também um novo primeiro-ministro, num possível passo para estabelecer um sucessor em meio ao maior desafio que já enfrentou em seu governo.
Mubarak escolheu para o cargo de vice-presidente seu chefe de inteligência e homem de confiança Omar Suleiman. Para primeiro-ministro, foi nomeado o ministro da Aviação Civil, Ahmed Shafiq. Enquanto isso, protestos em massa continuam a assolar o Egito, com milhares de manifestantes enfrentando policiais que tentavam invadir o prédio do Ministério do Interior, no centro do Cairo.
No entanto, o líder dissidente egípcio Mohamed El Baradei disse as nomeações não são suficientes para pôr fim à revolta contra o governo de Hosni Mubarak. Em entrevista à rede de televisão Al Jazeera, Baradei pediu a Mubarak que deixe o país assim que possível, pelo bem do Egito.
Sucessão
Acredita-se que Mubarak esteja cogitando apoiar seu filho Gamal para sucedê-lo, possivelmente já nas eleições presidenciais planejadas para o final deste ano. Há, no entanto, uma forte oposição popular a uma sucessão hereditária.
A escolha de Suleiman para vice-presidente responde uma das mais intrigantes e antigas questões políticas no Egito: quem vai suceder o presidente de 82 anos? Como Mubarak, Suleiman tem um histórico militar. As poderosas forças armadas do país deram ao Egito seus quatro presidentes desde que a monarquia foi derrubada, há 60 anos.
O exército egípcio, de 500 mil homens, há tempo tem o respeito dos cidadãos, que o consideram a instituição pública menos corrupta e mais eficiente do país, principalmente se comparada com as forças policiais, famosas por sua violência e corrupção. Os militares, por sua vez, consideram-se os garantidores da estabilidade nacional e acima de disputas políticas, além de leais tanto ao governo quanto ao que consideram ser os interesses da população em geral.
Ministros
Em outra tentativa de manter-ser no poder, Mubarak substituiu todos seus ministros. O presidente mandou soldados e tanques para a capital Cairo e para outras cidades e impôs toque de recolher, em uma tentativa de reprimir os protestos que abalaram a nação mais populosa do mundo árabe, um dos principais aliados dos EUA na região.
Apesar das dezenas de mortes ocorridas durante os confrontos de sexta-feira, o povo voltou às ruas no sábado, desafiando as forças de segurança, dizendo que vão continuar protestando, até que Mubarak saia.
"Não estamos exigindo uma mudança do gabinete. Queremos que todos saiam, Mubarak antes de qualquer um," disse Saad Mohammed, um soldador de 45 anos, que estava entre as cerca de 2.000 pessoas reunidas na praça Tahrir, no centro de Cairo.
Os destroços de um dia de protestos cobriram a capital do Egito na sexta-feira, quando centenas de milhares de pessoas pediram o fim do governo de Mubarak, um evento sem precedentes num país rigidamente controlado.
Os manifestantes, muitos deles jovens estudantes pobres, reclamam da repressão, corrupção e da falta de esperança para a economia sob o comando de Mubarak, que ocupa o poder desde o assassinato do Presidente Anwar Sadat por islamistas, em 1981.
Segundo cálculos da Reuters, ao menos 74 pessoas foram mortas nos protestos.
Mubarak prometeu atender às reclamações dos manifestantes, durante um pronunciamento na televisão na noite de sexta-feira. Ele dissolveu o seu ministério, mas deixou claro que pretende permanecer no poder e condenou a violência.
Mohamed ElBaradei, proeminente ativista e Prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho com a agência nuclear da ONU, retornou ao Egito, para se juntar aos protestos. Mas muitos egípcios acham que ele não passou tempo suficiente no país.
A Irmandade Muçulmana, um grupo de oposição islâmica, também ficou em segundo plano, apesar de diversos de seus principais membros terem sido convocados. O governo acusou o grupo de pretender explorar os protestos.
O envio de tropas do exército para ajudar a polícia mostrou que Mubarak ainda tem o apoio dos militares, a força mais poderosa do país. Porém, qualquer mudança de opinião dos generais poderá selar o seu destino.
No sábado, as forças armadas ordenaram que os egípcios não se reúnam em grupos e observem o toque de recolher, caso contrário poderão sofrer "sanções legais."
Tanques foram posicionados nas vias que levam à praça Tahrir, que estava cheia de entulho, pneus e madeira queimados, usados como barricadas durante a noite.
O número de manifestantes era bem menor do que nos dias anteriores, mas mesmo assim, eles eram bem ativos.
"Isso é inaceitável, Mubarak deve renunciar. A agitação pública não vai parar até que isso aconteça," disse Mohammed Essawy, um estudante de 26 anos.
Os manifestantes ridicularizaram Mubarak pela demissão de seu gabinete, considerando isso um gesto inútil.
Saques
Houve relatos de saques e habitantes de subúrbios ricos do Cairo relataram a chegada de veículos militares nestas localidades, com o objetivo de impedir novos ataques a propriedades.
Prédios do governo também foram alvos de tentativas de invasão, que deixaram dezenas de feridos.
Os militares disseram que vão agir "com firmeza" para restabelecer a ordem e impor o toque de recolher.
Em uma prisão no Cairo, os detentos armaram uma tentativa de fuga em massa, que foi contida. Oito presos morreram.
Revolução no ar
Mahmoud Mohammed Imam, um motorista de táxi de 26 anos disse: "Tudo que ele disse foram promessas vazias e mentiras. Ele nomeou um novo governo de ladrões, um ladrão vai e vem outro para saquear o país."
"Essa é a revolução das pessoas que estão com fome, essa é a revolução das pessoas que não têm dinheiro, contra aquelas que têm muito dinheiro."
A agitação que segue a derrubada do ditador tunisiano Zine al-Abidine Ben Ali, há duas semanas durante uma revolta popular, repercutiu no Oriente Médio, onde outros governantes autocráticos poderão enfrentar desafios semelhantes.
A gota d'água parece ter sido a perspectiva de eleições que deveriam acontecer em setembro. Até agora, poucos duvidavam que Mubarak permaneceria no controle ou traria um sucessor, como o seu filho Gamal, de 47 anos.
Isso também representa um dilema para os EUA. Mubarak, de 82 anos, tem sido um aliado próximo de Washington e beneficiário da ajuda dos EUA há décadas, justificando seu regime autocrático, em parte, citando o perigo da militância islâmica.
O Egito tem um papel importante no processo de paz do Oriente Médio e foi o primeiro país árabe a assinar um tratado de paz com Israel.
O presidente dos EUA, Barack Obama, disse que falou com Mubarak pouco depois do seu pronunciamento e pediu-lhe para cumprir suas promessas de reforma.
"Quero ser muito claro ao pedir as autoridades egípcias que se abstenham de qualquer violência contra os manifestantes pacíficos," disse Obama.
Autoridades dos EUA deixaram bem claro que a ajuda de US$ 1.5 bilhões estava em jogo.
Os mercados foram atingidos pela incerteza. O mercado de ações dos EUA sofreu a sua maior queda em quase seis meses, e os preços do petróleo, o dólar e os papéis da dívida do tesouro americano subiram, já que os investidores procuraram aplicações mais seguras.