A nova chanceler boliviana, Karen Longaric, anunciou ontem que trocará todos os embaixadores que não venham da carreira diplomática e tenham sido nomeados por razões políticas pelo ex-presidente Evo Morales. Segundo Longaric, a intenção do governo é reaproximar de EUA e Chile, países com os quais a Bolívia manteve relações conturbadas durante a presidência de Evo Morales.
A ofensiva diplomática é o segundo passo da presidente interina, Jeanine Áñez, para se consolidar no poder. Na véspera, ela havia dado posse ao novo comando militar, fincando o primeiro alicerce do novo governo. Jeanine foi proclamada presidente interina com a missão de conduzir a Bolívia a novas eleições em 90 dias, em uma sessão esvaziada do Congresso, dois dias após a renúncia de Evo, acusado de fraudar as eleições de 20 de outubro.
Ontem, 14, ela marcou importantes pontos diplomáticos ao obter o reconhecimento de seu governo por parte da Rússia e da Alemanha. O reconhecimento tem poucas implicações práticas, mas forte simbolismo político. No caso da Rússia, o aceno foi visto como inesperado em razão das relações do Kremlin com o governo de Evo.
Ao tomar posse ontem como chanceler, Longaric, ela mesma diplomata de carreira, prometeu sanear a chancelaria das indicações partidárias e adotar uma política externa sem rompantes "histriônicos". "Aquelas pessoas que não são de carreira e entraram no serviço diplomático por cotas políticas serão trocadas."
Ainda ontem, o secretário-geral da ONU, António Guterres, decidiu enviar o diplomata Jean Arnault, que tem serviços prestados na Colômbia, Afeganistão e Guatemala, para mediar a crise boliviana e garantir eleições transparentes. A medida foi elogiada por Evo nas redes sociais.
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No front político, Áñez prometeu dialogar com as forças do Congresso. O ministro interino da presidência, Jerjes Justiniano afirmou ao jornal Página Siete que abriu conversações com o Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Evo.
Além de manejar os protestos em defesa do ex-presidente, o MAS tem amplo domínio sobre o Parlamento - com 88 das 130 cadeiras da Câmara e 25 das 36 vagas do Senado -, capacidade para aprovar mudanças na Constituição e inviabilizar o governo interino.
Justiniano disse que o MAS colocou como condições para suspender os protestos garantias de que não haverá perseguição política e de que Evo possa voltar à Bolívia. O ex-presidente está exilado no México desde terça-feira, 12.
Ontem, várias ruas de La Paz continuavam bloqueadas por manifestantes de ambos os lados, dificultando o acesso a locais importantes como o aeroporto. Em várias partes do país, foram registrados confrontos. Segundo o diretor do Instituto de Investigações Forenses, Andrés Flores, 12 pessoas morreram nos últimos 25 dias, desde o início da crise.
Eleição sem Evo
A presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, garantiu ontem que o ex-presidente Evo Morales não poderá participar das próximas eleições bolivianas. "Ele não está habilitado para disputar um quarto mandato. Eu sugiro ao Movimento ao Socialismo (partido de Evo) que procure novos candidatos", afirmou Jeanine, que planeja anunciar a data da votação quando terminar de formar seu gabinete.
Jeanine criticou o fato de Evo continuar fazendo declarações políticas e "incitando" a população. Ela anunciou que a chancelaria fará uma reclamação oficial ao México, onde o ex-presidente está asilado. "Evo está violando todos os protocolos, porque não deveria fazer declarações públicas. O México deveria exigir que ele cumpra os protocolos de asilo. É vergonhoso o que está acontecendo."
Representante indígena
A presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, nomeou ontem seus primeiros 13 ministros, de um total de 20, um dia após assumir o cargo. No gabinete, mais uma diferença marcante com o governo de Evo Morales: apenas um representante indígena, a ministra de Culturas Martha Yurja. Cerca de 85% da população boliviana é de mestiços ou de origem indígena - apenas 15% dos bolivianos são brancos.
Na nova equipe se destaca o senador conservador Arturo Murillo, como ministro do Interior. Em seu primeiro discurso como integrante do governo, Murillo partiu para o confronto contra aliados de Evo. "Vamos à caça de Juan Ramón Quintana (ex-ministro da Presidência de Evo), porque ele é um animal que se alimenta de sangue", afirmou Murillo durante a posse.
Quintana é acusado de ser o "cérebro" das ações contra a oposição boliviana. O discurso agressivo do novo ministro do Interior contrasta com a mensagem de Jeanine, que passou os últimos dias dizendo que seu trabalho principal será "restabelecer a paz social" na Bolívia.
Jeanine também incluiu entre os ministros alguns senadores do seu partido, Unidade Democrata, que faz oposição à maioria representada pelo Movimento ao Socialismo (MAS), do ex-presidente.
Para o posto de ministra das Relações Exteriores, Jeanine designou a professora e diplomata de carreira Karen Longaric (mais informações nesta página). O advogado Jerjes Justiniano será o ministro da Presidência - espécie de chefe de gabinete. Já o Ministério da Defesa será comandado por Luis Fernando López.
O Ministério das Comunicações ficará a cargo da jornalista Roxana Lizárraga, o do Meio Ambiente será comandado pela ex-parlamentar María Elba Pinckert, e o da Justiça terá como ministro Álvaro Coimbra. José Luis Parada será o novo ministro da Economia. O ex-senador Yerko Núñez liderará a pasta de Obras Públicas. Samuel Ordóñez ficará responsável pelo Ministério do Desenvolvimento Rural, enquanto Álvaro Guzmán tocará o de Energia.
Ao tomar posse, os novos ministros juraram por "Deus, pela pátria, pela Constituição e pela sagrada memória dos mártires da Bolívia". Na mesa, sempre presentes, um crucifixo, velas e a Bíblia - um ritual bem diferente do adotado pelo governo de Evo, que mantinha a religião distante do Estado.
A presidente interina deixou pendentes outras pastas como as de Hidrocarbonetos, Planejamento, Educação, Saúde e Trabalho. Os cargos deverão ser preenchidos nos próximos dias. Na terça-feira Jeanine já havia trocado o alto comando militar.
Cocaleiros em defesa de ex-presidente
A união de seis sindicatos de cocaleiros de Chapare, no Departamento de Cochabamba, principal região produtora de coca da Bolívia, anunciou uma mobilização nacional para recolocar o ex-presidente Evo Morales no poder. A organização sempre apoiou o governo de Evo.
Andrónico Rodríguez, líder do movimento, disse que a presidência interina de Jeanine Áñez é "inconstitucional" e resta um mandato ao ex-presidente, que deve ser cumprido até o fim e termina em 22 de janeiro de 2020.
"Estaremos nas ruas até que nosso irmão Evo Morales retorne à presidência, porque ele ainda tem um mandato a cumprir até o dia 22 de janeiro de 2020", disse Rodríguez, um jovem líder sindical de 29 anos. "Convocamos todas as organizações de Cochabamba e da Bolívia a defender a ordem constitucional."
Segundina Orellana, outra líder dos cocaleiros de Chapare, disse que a mobilização é contra Jeanine, que "tem um coração racista" segundo ela. "Estamos diante de uma ditadura desumana, sem consideração com as famílias. É hora de nos unirmos e lutarmos pela democracia", disse.
De acordo com Rodríguez, a mobilização começou ontem com marchas e bloqueios de estradas e ruas em Cochabamba. Os protestos continuarão hoje, amanhã e domingo em La Paz, onde várias organizações sociais de 20 províncias estarão mobilizadas "em defesa da democracia". "Nosso objetivo é que Evo possa retornar a partir de Segunda-feira (18)", disse o líder sindical, que já foi considerado possível sucessor político de Evo.
Rodríguez foi quem ficou com Ringo, o cachorro vira-lata de pelo dourado e nariz cor-de-rosa adotado pelo ex-presidente da Bolívia. O animal não pôde embarcar no avião da Força Aérea Mexicana que levou Evo para o exílio. O jovem líder sindical postou ontem fotos ao lado cão nas redes sociais.
Economia ilegal
As autoridades bolivianas calculam que existam cerca de 43 mil plantadores de coca na Bolívia, a maioria em Chapare. O cultivo é legal, porém limitado. A coca é usada para infusões e rituais religiosos, mas a maior parte acaba nas mãos de traficantes e é convertida em cocaína e seus subprodutos. Estima-se que mais de 90% da coca de Chapare seja usada na produção da cocaína.