O medo de ser esquecido, e não o de ser morto, foi a principal motivação para o presidente deposto Manuel Zelaya se abrigar na Embaixada do Brasil em Honduras, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Ao voltar ao país e adotar a representação brasileira como quartel-general, Zelaya reacendeu a discussão sobre o golpe que o tirou do poder e ganhou sobrevida na política local.
Para Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a atitude de Zelaya pode ser politicamente interpretada como um lance do tipo arrisca-tudo. "A questão estava em banho-maria, então ele decidiu agir ousadamente, pois não tinha mais nada a perder", afirma.
Gonçalves acredita que o governo provisório de Micheletti, por ser imune às manifestações dos hondurenhos, cederá somente por pressão externa. "A volta do presidente deposto chama a atenção para o caso, e obriga Micheletti a tomar a iniciativa pela resolução do conflito", analisa.
Neste cenário, segundo Gonçalves, a opção pela embaixada brasileira foi estratégica. "Zelaya sabia que o Brasil não iria se negar a recebê-lo porque o Brasil protestou contra a sua deposição desde o começo. O país é um palco privilegiado para ele reclamar a devolução do poder".
Mediador
Virgílio Arraes, professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB), entende o posicionamento brasileiro, pró-Zelaya, como uma questão humanitária. "O Brasil, assim como qualquer país civilizado, não poderia deixar de dar abrigo a alguém que corre risco de morte", afirma.
Segundo o acadêmico, o uso da embaixada para protestos, entrevistas e demais atividades políticas é de responsabilidade exclusiva do hondurenho. "As críticas em relação a este mau-uso da embaixada deveriam ser direcionadas a Zelaya. O Brasil também está constrangido com o fato."
Arraes diz acreditar que o país tem condições de realizar uma mediação isenta e sair enaltecido do episódio. "Não é o Brasil sozinho que rejeita a legitimidade do governo provisório, e sim a comunidade internacional. Caso se chegue a um encaminhamento satisfatório para a questão, o Brasil passa a ostentar a imagem de um país comprometido com a democracia", prevê.
Entretanto para Maristela Basso, doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), os princípios diplomáticos do Brasil não estão totalmente refletidos em suas ações. "O Brasil afirma não reconhecer o governo provisório. Deveria, então, fechar totalmente a embaixada. Ao substituir o embaixador por outro representante, manteve as relações diplomáticas intocáveis. O discurso do governo ficou inconsistente", analisa.
Maristela não crê que as manifestações em favor de Zelaya, ainda que catapultadas pela intervenção brasileira, possam sensibilizar a comunidade internacional. "A ONU, através de seu Conselho de Segurança, só se envolve quando há ameaça para a paz e a segurança internacional. As questões internas de Honduras pouco importam, pois o país é política e economicamente irrelevante. O não reconhecimento de Micheletti pela OEA também é apenas retórico, sem implicações práticas", afirma.
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Dúvidas
A definição da situação de Manuel Zelaya depende de negociação entre os governos do Brasil e provisório de Honduras
O que acontece se Honduras romper relações diplomáticas com o Brasil?
O governo de fato de Honduras declara o Brasil "persona non grata" e rompe todo tipo de relação bilateral. O Brasil terá um prazo para retirar sua missão diplomática do país. Zelaya poderá ser escoltado até a embaixada de outro país que aceite recebê-lo.
E se o Brasil der asilo político a Zelaya?
O presidente deposto precisa fazer um pedido ao ministro da Justiça. Após aceito, Zelaya é retirado da embaixada em Honduras e passa a ter o direito de viver no Brasil.
Honduras pode invadir a embaixada brasileira para capturar Zelaya?
Atacar uma embaixada estrangeira é considerado uma falta grave pela Convenção de Viena. Se o exército hondurenho invadir a embaixada brasileira, o Brasil pode exigir sanções na Corte Internacional de Justiça da ONU.
As eleições do dia 29 de novembro serão válidas se a situação continuar indefinida?
Tudo depende de acordo entre governo e oposição. Caso suspeitem que possa ocorrer fraudes, os partidários de Zelaya podem pedir a presença de observadores internacionais.
Fonte: Especialistas em direito internacional e Ministério das Relações Exteriores.
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Interatividade
O Brasil deve entregar Zelaya, mantê-lo na embaixada ou tirá-lo de Honduras?
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