Um dia após as polêmicas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo respeito às decisões da Justiça cubana e criticando o uso da greve de fome como ferramenta para exigir a soltura de presos políticos da ilha, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que não é papel do Brasil apoiar "tudo que é dissidente pelo mundo.
"Tem muita gente que quer o apoio do governo brasileiro. Uma coisa é você defender, como nós defendemos, a democracia e os direitos humanos, outra coisa é você sair dando apoio a tudo que é dissidente de todo o mundo, isso não é papel (do Brasil), disse Amorim.
O ministro também afirmou não estar constrangido com as declarações de Lula, que ele considera terem sido apenas uma autocrítica à greve de fome que o próprio presidente fez no passado.
Lula visitou Cuba em fevereiro, no dia seguinte à morte do preso político Orlando Zapata Tamayo, após 85 dias de greve de fome em protesto contra as torturas sofridas e as más condições do cárcere cubano.
Na terça, Lula afirmou em entrevista que não poderia questionar as detenções de opositores ao governo castrista e classificou como "insanidade a alternativa encontrada por Zapata e outros dissidentes para protestarem na prisão. Para o presidente, "a greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Ele também defendeu o respeito às decisões da Justiça cubana.
Críticas
As declarações de Lula receberam uma enxurrada de críticas, num momento em que o governo brasileiro luta para manter a liderança na América Latina. As palavras do presidente indignaram dirigentes de entidades de defesa dos direitos humanos e a Ordem dos Advogados (OAB), além de ter provocado a revolta de diversos dissidentes cubanos (veja mais ao lado) .
Pesquisador da Human Rights Watch (HRW), Nik Steinberg acredita que o silêncio das autoridades pode aliviar as pressões sobre o regime castrista e dificultar a mudança de posicionamento das autoridades cubanas em relação aos dissidentes da ilha. "Acredito que qualquer país que falhe em criticar a repressão a direitos civis e políticos não está fazendo pressão sobre Cuba. O silêncio diante destes abusos ou a comparação entre presos políticos e bandidos não vai exercer pressão sobre o governo cubano para mudar essa realidade."
Para Steinberg, que passou duas semanas em Cuba no ano passado para elaborar um relatório, a comparação feita por Lula durante a entrevista foi infeliz e desanimadora para os que lutam pelo fim do isolamento do país.
"É muito decepcionante que o presidente Lula tenha comparado esses presos políticos a bandidos. Nós estamos falando de pessoas que foram impedidas de exercer seus direitos básicos de se expressar."
A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecilia Coimbra, classificou a posição de Lula como "extremamente infeliz", e afirmou que o presidente se contradiz ao defender o governo cubano ao mesmo tempo em que prega a política de não intervenção e respeito às decisões de outros países.
"Quando ele critica a greve de fome (como instrumento político) e defende as decisões do governo cubano sobre o assunto ele está, sim, se metendo. Está defendendo um país que está longe de ser uma democracia e um governo que precisa ser questionado", afirmou, lembrando que, durante a ditadura brasileira, os desaparecidos políticos também eram chamados de bandidos.
Já o diretor para a América Latina da Anistia Internacional, Javier Zuñiga, criticou o sistema judicial cubano, justificando a greve de fome dos dissidentes, ameaçados pelo descaso às suas condições físicas. "Nós não somos a favor ou contra a greve de fome. Infelizmente o sistema judicial cubano não é independente. Os julgamentos de dissidentes não são respeitados e esse é um dos maiores problemas naquele país."
* * * * * *
Interatividade
Qual é a sua opinião sobre a fala de Lula em que ele diz que a determinação da Justiça cubana deve ser respeitada?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.