Legislação
Constituição censura opiniões divergentes
Folhapress
Organizações de direitos humanos há anos questionam o sistema legal de Cuba, defendida pelo presidente Lula na terça-feira, cuja Constituição diz, em seu artigo 62º, que "nenhuma das liberdades reconhecidas (no texto) pode ser exercida (...) contra a existência e os fins do Estado socialista nem contra a decisão do povo cubano de construir o socialismo e comunismo.
Esse trecho torna ilegal, portanto, organização política ou manifestação política que busque modificar o sistema de governo e é vago o suficiente para englobar desde passeatas até os dissidentes que recebem verba dos EUA para manter suas atividades esses últimos podem ser encaixados em outros artigos do Código Penal da ilha.
Um dia após as polêmicas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo respeito às decisões da Justiça cubana e criticando o uso da greve de fome como ferramenta para exigir a soltura de presos políticos da ilha, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que não é papel do Brasil apoiar "tudo que é dissidente pelo mundo.
"Tem muita gente que quer o apoio do governo brasileiro. Uma coisa é você defender, como nós defendemos, a democracia e os direitos humanos, outra coisa é você sair dando apoio a tudo que é dissidente de todo o mundo, isso não é papel (do Brasil), disse Amorim.
O ministro também afirmou não estar constrangido com as declarações de Lula, que ele considera terem sido apenas uma autocrítica à greve de fome que o próprio presidente fez no passado.
Lula visitou Cuba em fevereiro, no dia seguinte à morte do preso político Orlando Zapata Tamayo, após 85 dias de greve de fome em protesto contra as torturas sofridas e as más condições do cárcere cubano.
Na terça, Lula afirmou em entrevista que não poderia questionar as detenções de opositores ao governo castrista e classificou como "insanidade a alternativa encontrada por Zapata e outros dissidentes para protestarem na prisão. Para o presidente, "a greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Ele também defendeu o respeito às decisões da Justiça cubana.
Críticas
As declarações de Lula receberam uma enxurrada de críticas, num momento em que o governo brasileiro luta para manter a liderança na América Latina. As palavras do presidente indignaram dirigentes de entidades de defesa dos direitos humanos e a Ordem dos Advogados (OAB), além de ter provocado a revolta de diversos dissidentes cubanos (veja mais ao lado) .
Pesquisador da Human Rights Watch (HRW), Nik Steinberg acredita que o silêncio das autoridades pode aliviar as pressões sobre o regime castrista e dificultar a mudança de posicionamento das autoridades cubanas em relação aos dissidentes da ilha. "Acredito que qualquer país que falhe em criticar a repressão a direitos civis e políticos não está fazendo pressão sobre Cuba. O silêncio diante destes abusos ou a comparação entre presos políticos e bandidos não vai exercer pressão sobre o governo cubano para mudar essa realidade."
Para Steinberg, que passou duas semanas em Cuba no ano passado para elaborar um relatório, a comparação feita por Lula durante a entrevista foi infeliz e desanimadora para os que lutam pelo fim do isolamento do país.
"É muito decepcionante que o presidente Lula tenha comparado esses presos políticos a bandidos. Nós estamos falando de pessoas que foram impedidas de exercer seus direitos básicos de se expressar."
A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecilia Coimbra, classificou a posição de Lula como "extremamente infeliz", e afirmou que o presidente se contradiz ao defender o governo cubano ao mesmo tempo em que prega a política de não intervenção e respeito às decisões de outros países.
"Quando ele critica a greve de fome (como instrumento político) e defende as decisões do governo cubano sobre o assunto ele está, sim, se metendo. Está defendendo um país que está longe de ser uma democracia e um governo que precisa ser questionado", afirmou, lembrando que, durante a ditadura brasileira, os desaparecidos políticos também eram chamados de bandidos.
Já o diretor para a América Latina da Anistia Internacional, Javier Zuñiga, criticou o sistema judicial cubano, justificando a greve de fome dos dissidentes, ameaçados pelo descaso às suas condições físicas. "Nós não somos a favor ou contra a greve de fome. Infelizmente o sistema judicial cubano não é independente. Os julgamentos de dissidentes não são respeitados e esse é um dos maiores problemas naquele país."
* * * * * *
Interatividade
Qual é a sua opinião sobre a fala de Lula em que ele diz que a determinação da Justiça cubana deve ser respeitada?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
Impopularidade e perda de apoios históricos explicam guinada à esquerda de Lula
STF altera regra e decide que políticos seguirão sendo julgados após fim do mandato. Acompanhe o Sem Rodeios
Quais empresas do Brasil perdem com as tarifas de Trump – e qual pode sair ganhando
Dirceu antecipa a tônica internacional da campanha pela reeleição de Lula em 2026