Intervenção
A pressão do governo inglês sobre o Guardian se estende há três meses:
No dia 5 de junho, o Guardian começa a publicar reportagens com base nas denúncias de Edward Snowden, ex-técnico da CIA que vazou documentos confidenciais. De acordo com as denúncias, os EUA coletaram dados de ligações telefônicas, acessaram e-mails de cidadãos e monitoraram governos.
Duas semanas depois, começa a pressão do governo britânico para que o Guardian interrompa a série de reportagens. No primeiro contato, um alto oficial pediu à direção do jornal a devolução ou destruição do material. Novos telefonemas e encontros se sucederam, nos quais o pedido era reforçado.
No dia 20 de julho, um editor e um especialista em computação destruíram discos rígidos e cartões de memória que continham cópias de arquivos secretos vazados por Snowden. A ação foi observada por técnicos da agência de espionagem britânica, mas, segundo a direção do jornal, havia cópias do material destruído.
Em 17 de agosto, o brasileiro David Miranda, companheiro de Glenn Greenwald, jornalista responsável pelas reportagens sobre a espionagem, é detido em Londres. A detenção se baseou na lei antiterrorismo do Reino Unido. Miranda estava transportando documentos confidenciais.
Controle
Reino Unido tem órgão regulador da imprensa contestado por jornais
Desde março deste ano o Reino Unido conta com um órgão regulador para a imprensa. A ideia de criar esse organismo surgiu em 2011, foi debatida entre governo, Parlamento e veículos de comunicação (jornais, revistas e internet), e aprovada em meio a reclamações da imprensa britânica. Uma proposta alternativa chegou a ser apresentada pelos jornais, mas não convenceu o governo.
A proposta de criar um órgão regulador foi motivada pelo escândalo que terminou com o fechamento do tabloide News of the World, de propriedade do empresário Rupert Murdoch. A publicação foi acusada de invadir a vida privada de pessoas comuns e celebridades com grampos clandestinos. Atendendo ao pedido do primeiro-ministro David Cameron, o juiz Brian Leveson fez um relatório sobre as práticas da imprensa britânica. Após a publicação do levantamento, o Parlamento chegou a um acordo e promoveu a regulamentação.
Fiscalização
A agência reguladora britânica tem poderes de um órgão fiscalizador, podendo aplicar multas de até um milhão de libras (cerca de R$ 3,5 milhões) ou de até 1% do faturamento das empresas. Entre suas funções também está adotar medidas de proteção dos cidadãos, podendo obrigar os veículos a publicar correções e pedidos de desculpas.
Em abril, um grupo de jornais apresentou uma proposta alternativa ao órgão regulador, alegando que o texto regulamentado pelo governo poderia acabar com a liberdade de imprensa. Entre as mudanças propostas estava o fim da exigência de correções e retratações, que seriam apenas sugeridas pelo órgão regulador. Assinaram o documento nove das 11 publicações nacionais do país. Os jornais The Guardian e The Independent não avalizaram o texto.
Na última semana, representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) fizeram um alerta ao governo britânico, argumentando que a necessidade de proteger segredos de Estado não pode servir de desculpa para intimidar a imprensa. A declaração é mais um desdobramento do caso Edward Snowden, ex-técnico da CIA que denunciou um esquema de espionagem comandado pelos Estados Unidos, suscitando questionamentos não apenas sobre os procedimentos do governo norte-americano para monitorar governos e cidadãos, mas também sobre a liberdade de imprensa.
A discussão ganhou corpo no final de agosto, quando ocorreu a detenção de David Miranda, namorado brasileiro de Glenn Greenwald, correspondente do jornal The Guardian no Rio de Janeiro e primeiro jornalista a divulgar o conteúdo dos documentos vazados por Snowden. Com base na lei antiterrorismo, Miranda foi interrogado por nove horas e teve equipamentos eletrônicos pessoais apreendidos. Segundo informações da inteligência britânica, ele estava transportando documentos confidenciais, que, de acordo com o governo, apresentavam risco à segurança nacional.
Antes disso, o Guardian já vinha sendo alvo de pressão por parte das autoridades inglesas, que fizeram a direção do jornal destruir material repassado por Snowden. A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) reagiu à intervenção e seu presidente, Jim Boumelha, se disse "chocado e profundamente preocupado" com os incidentes. "Esses incidentes representam uma derrocada dos direitos civis e da liberdade de imprensa. Jornalistas de todo o mundo estão sob crescente vigilância, sendo barrados nas fronteiras e sofrendo interferência em seus trabalhos. Esse tipo de ação é inaceitável", afirmou o dirigente, defendendo que o Parlamento britânico investigue as razões pelas quais os documentos do Guardian foram destruídos.
Disputa de poder
Para Andrea Torrente Leite, integrante do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da Universidade de São Paulo (USP), o embate entre o governo inglês e o jornal The Guardian nada mais é do que uma disputa de poder, da qual geralmente quem sairá vencedor é aquele que detiver maior poder. "Quem está no controle tem mais influência para ganhar a disputa", avalia a especialista, embora não arrisque um prognóstico sobre as consequências da pressão sobre o jornal.
Na opinião de Andrea, mesmo a Justiça não está preparada para lidar com casos dessa natureza, visto que há um conflito entre a liberdade de expressão e o direito do sigilo de informação. "Até onde vai o poder do Estado e o direito daquele que divulga a informação? Não há uma resposta pronta. Não existe lei que possa garantir razão a qualquer uma das partes", acredita.
Autoridades apontam risco à segurança
Enquanto entidades defendem a liberdade de expressão, o governo inglês argumenta que os documentos vazados por Edward Snowden e de posse do The Guardian continham informações pessoais que poderiam identificar funcionários da inteligência trabalhando no exterior e, com isso, colocar vidas em risco.
Segundo jornais ingleses, logo após a divulgação das primeiras reportagens sobre o esquema de espionagem norte-americano, o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, pediu para um de seus ministros advertir o Guardian. Após o contato, o diretor do jornal, Alan Rusbridger, permitiu que analistas do centro de escutas britânico GCHQ supervisionassem a destruição de materiais confidenciais entregues por Snowden. O procedimento foi adotado como forma de não devolver o material ao governo britânico.
Debate
"A intimidação de jornalistas e veículos de comunicação não contribui para o debate necessário sobre o assunto. Sob nenhuma hipótese, jornalistas ou membros de organismos de defesa dos direitos humanos devem ser submetidos à intimidação e subsequente punição", rebateu na semana passada Frank de La Rue, relator especial da ONU para a liberdade de expressão.
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