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Belarus pode receber nas próximas semanas até 25 mil soldados desmobilizados do grupo mercenário russo Wagner, mas que podem reconstituir suas estruturas em um novo lar juntamente com o líder Yevgeny Prigozhin, exilado no país como parte do acordo para o fim do motim da milícia ocorrido no último fim de semana.
Segundo informações postadas em canais de Telegram russos, soldados do Wagner já começam a cruzar a fronteira para Belarus, deixando armas e equipamento para trás. “Estão em andamento os preparativos para a transferência de equipamento militar pesado da empresa militar privada Wagner para unidades das forças armadas russas”, disse o Ministério da Defesa russo através de um comunicado oficial na última terça-feira (27).
Para Alexander Lukashenko, ditador do país, esta foi a oportunidade de transformar o prelúdio de uma guerra civil em um trunfo de relações públicas. Em meio à confusão generalizada, ele surgiu como figura mediadora entre as partes conflitantes. Enquanto Dmitry Peskov, porta-voz do presidente russo, agradecia a ele, o comentarista político-militar russo Vladislav Shurygin foi ainda mais efusivo, dizendo que Lukashenko “merecia um monumento na Praça Vermelha” por seu papel nas negociações.
Porém, nem tudo são louros para o regime de Lukashenko, pois, embora os mercenários em tese cruzem desarmados a fronteira entre os países, não é sempre que ocorre um êxodo de dezenas de milhares de soldados daquilo que Prigozhin descreveu como “a formação mais experiente e pronta para o combate na Rússia, e possivelmente no mundo todo”.
De acordo com uma análise publicada pelo analista bielorrusso Artyom Shraibman no portal de notícias Zerkalo (O espelho), o Wagner não conseguirá se estabelecer no país da mesma forma que conseguiu na Rússia. Para ele, Belarus é “moldado pela forma como o regime russo se desenvolve [...], e o regime russo sofreu o golpe político mais severo das últimas décadas. A extensão de sua fragilidade, hostilidade interna e caos foi exposta”, disse o analista.
Ainda segundo ele, outro logro político de Lukashenko com a situação é que isto o faz parecer novamente um interlocutor digno na região. No dia seguinte ao motim, Oleksiy Danilov, secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, escreveu que, se houvesse negociações entre a Ucrânia e a Rússia, ele não “descartaria” que Lukashenko pudesse desempenhar um papel importante papel nelas.
O que tem a perder Lukashenko
O que pode ser um grande trunfo para Lukashenko pode também representar risco para seu futuro. Embora ele seja momentaneamente mostrado na mídia russa como um apaziguador, não se sabe quais serão as consequências de suas ações a médio e longo prazo em face à posição de Putin na Rússia, que neste momento aparece enfraquecido e humilhado, tendo que recorrer a um terceiro para lidar com “problemas domésticos”.
Putin teve que deixar impune o homem que criou a mais grave crise política enfrentada por ele em todos os seus anos de poder. “Ele teve que envolver seu satélite para isto, seu irmão mais novo, Lukashenko. Putin pode ficar com ciúmes de Lukashenko por ele ter extraído todo o sumo no quesito de relações públicas desta história, como um pacificador ativo e determinado, ao mesmo tempo em que Putin parecia bastante lento. Mesmo na Duma absolutamente pró-Putin, a primeira reunião após a rebelião começou com os deputados aplaudindo ambos os políticos”, explicou Shraibman.
Ao mesmo tempo em que Lukashenko aproveita os louros, ele também vê um grande risco de médio prazo nas relações entre Minsk e Moscou. Politicamente, é muito benéfico para ele ser útil para Putin, principalmente depois dos protestos de 2020-2021, que ameaçaram seu poder, mas cruzar a tênue linha onde seus “méritos” representam a fraqueza de seu maior e infinitamente mais poderoso aliado torna-se um risco demasiadamente perigoso.
“Creio que é por isso que no dia 27 de junho, em discurso aos militares e propagandistas [...], ele pediu que ninguém fosse feito herói desta história, inclusive ele mesmo”, concluiu o analista.
Um aliado condicional
No passado, Lukashenko jogou habilmente a posição geopolítica de Belarus como um “Estado-tampão” entre o Ocidente e a Rússia para manter-se no poder, não sendo engolido pela Rússia, apesar da alta dependência econômica do país em relação a seu vizinho.
Nos anos 2010, a política externa de Belarus oscilou ora entre a Rússia, ora entre parceiros alternativos. Entre os anos de 2015 e 2020, houve até mesmo uma breve reaproximação com a União Europeia, em parte devido à sua recusa em reconhecer a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, sua oposição à ideia da introdução de uma moeda comum entre os dois países e a recusa ao estabelecimento de uma base aérea russa em 2015, logo após os acontecimentos da Praça Maidan, quando os ucranianos depuseram um governo pró-Kremlin, e do início da guerra no Donbass, no leste da Ucrânia.
Segundo Yauheni Preiherman, diretor do think tank Minsk Dialogue Council on International Relations, “o relacionamento entre eles sempre foi bastante turbulento e passou por muitos altos e baixos” e, por conta disso, o interesse de Lukashenko em prevenir uma grande crise na Rússia seria eminentemente pragmático, pois a maior preocupação do governo de Minsk é que a guerra na Ucrânia se estenda a Belarus.
Em face aos recentes acontecimentos, Preiherman concluiu que estes podem fortalecer a influência de Lukashenko na Rússia. “Ele terá um papel maior na política interna e externa da Rússia. E não creio que muitas pessoas em Moscou e no Kremlin vão gostar disso”, finalizou.