O sol se punha na capital da Venezuela, e Juan Guaidó, o engenheiro industrial de 36 anos que foi apontado no início deste ano como o salvador de uma nação conturbada, saltou de seu Ford Explorer em um bairro de edifícios de classe média.
"Viva Guaidó!" exclamou um dos mais fervorosos entre os cerca de 250 vizinhos que foram à rua para ouvi-lo falar. Os números passaram longe dos números das enormes marchas que ele comandava no início do ano. Vendedores em uma feira próxima, indiferentes, continuaram a vender seus produtos. Algumas pessoas na multidão tentaram iniciar um coro do slogan (emprestado) de Guaidó: "¡Sí, Se Puede!" "Sim, nós podemos!"
Mas o coro desfez-se rapidamente - assim como arrisca acontecer com o movimento histórico que Guaidó lançou no início do ano.
Em uma tarde de janeiro, Guaidó acendeu uma chama de esperança. Diante das massas em uma larga avenida de Caracas, o chefe da Assembleia Nacional da Venezuela controlada pela oposição declarou Nicolás Maduro um "usurpador" e invocou artigos da constituição que, segundo ele, o tornavam o líder legítimo do país. Ele prometeu libertar o povo da repressão policial do Estado e reverter o desastroso colapso econômico - e imediatamente ganhou o reconhecimento dos Estados Unidos, do Brasil e de dezenas de outros países.
No entanto, quase um ano depois, Maduro - muito mais astuto e resistente do que seus oponentes estimavam - ainda está confortavelmente instalado no palácio presidencial. E os venezuelanos que haviam sido inspirados por Guaidó estão perdendo a fé - na oposição que ele lidera, em seus apoiadores do governo Trump e, para alguns, no próprio Guaidó.
A crise de convicção ocorre no momento mais perigoso do quase milagroso arco político de Guaidó.
Sentindo a fraqueza do líder opositor, o governo socialista começou a apertar o cerco com o seu sinistro aparato de segurança - lançando mão de subornos, intimidação e repressão para acabar com o movimento dele. Forças de segurança invadiram a casa de uma deputada do partido de Guaidó na sexta-feira (13) e depois acusaram ela e três outros de planejar um golpe. Maduro anunciou mandados de prisão contra os quatro parlamentares no domingo.
Guaidó considerou as acusações como mais um ato de intimidação de Maduro e disse que a presença dele durante a invasão impediu que a deputada Yanet Fermín fosse detida.
Nesta sexta-feira (20), o regime de Maduro deteve o deputado Gilber Caro, dirigente do partido Voluntad Popular, de Guaidó. Caro foi "sequestrado" por agentes das Forças de Ações Especiais (Faes) e seu paradeiro é desconhecido, denunciam fontes da oposição.
E talvez o fato mais preocupante: Guaidó está enfrentando revelações de corrupção e de conspirações contra ele vindas de suas próprias fileiras, que estão manchando seu movimento e ameaçando desfazer a unidade que foi conquistada com dificuldade pela oposição.
As ameaças antes constantes dos Estados Unidos para derrubar Maduro - uma retórica que dividiu a frágil coalizão de Guaidó - praticamente desapareceram. Mas o governo Trump está avaliando novos passos - excluindo uma invasão militar - que podem prejudicar ainda mais a harmonia na coalizão. As opções, segundo duas pessoas familiarizadas com as deliberações dos EUA, incluem um possível bloqueio naval do petróleo venezuelano destinado a Cuba, uma fonte importante de receita para o governo de Maduro, que enfrenta fortes sanções.
Maduro, sucessor escolhido pelo falecido Hugo Chávez, o fundador do estado socialista da Venezuela, mantém o apoio da Rússia e da China, que cobiçam os recursos naturais e a posição estratégica do país na costa caribenha da América do Sul.
No entanto, o maior desafio de Guaidó está nos olhos exaustos dos venezuelanos comuns - como os apoiadores que se reuniram para ouvi-lo falar nesta noite incomumente quente de Caracas.
Ele falou ternamente ao grupo. "Eu sei", ele disse. "Eu sei que vocês estão cansados mentalmente." "Estamos perdendo a esperança", gritou uma mulher atrás dele.
Guerra psicológica
Mais cedo naquele dia, o Explorer cinza à prova de balas de Guaidó avançava pelo tráfego do leste de Caracas. Desde que acordou na madrugada no apartamento emprestado que ele compartilha com a esposa e a filha de dois anos, ele bebeu três canecas de café. No apartamento, em um quarteirão comum de prédios na capital, estão várias malas e 14 estátuas da Virgem Maria.
Ele estava a caminho de seu "palácio presidencial" improvisado - um andar de escritórios em um distrito comercial, repleto de lâmpadas queimadas. Um pódio de plástico com o selo oficial da Venezuela está guardado em um canto.
O governo sabe onde Guaidó vive e trabalha, mas até agora não quis correr o risco de uma reação internacional negativa à decisão de detê-lo. No entanto, à medida que sua popularidade diminui - algumas pesquisas agora o mostram com menos de 40% de aprovação, em comparação aos 65% alguns meses atrás - seus adversários estão ficando mais ousados.
Guaidó estava viajando pelo país com relativa liberdade. Mas durante uma parada durante a campanha na Isla Margarita, há dois meses, o governo fechou o hotel e apreendeu os carros que ele usava. Ele limitou suas viagens desde então.
Mais e mais histórias duras contra ele e sua família estão aparecendo nas mídias sociais e em sites pró-governo. Uma delas fala de supostas contas bancárias de seu irmão na Suíça. "Notícias falsas", disse Guaidó. "Eles lançaram uma guerra psicológica para criar uma opinião pública negativa".
Outras mensagens de Maduro são menos sutis. No mês passado, antes de um protesto nacional - o maior que Guaidó conseguiu convocar desde março - forças do governo invadiram os escritórios de seu partido político, o Voluntad Popular. Há uma semana, os "colectivos", apoiadores do regime que pilotam motocicletas, seguiram o carro de sua esposa enquanto ela deixava a filha na creche.
Guaidó disse que seu movimento é financiado por venezuelanos dentro e fora do país. Ele disse que reunir contribuições permanece "uma luta constante" que se tornou "mais difícil com o tempo".
Para os venezuelanos, o custo de apoiar Guaidó continua aumentando. Em um recente protesto na cidade costeira de Cumaná, ele disse, um manifestante foi detido e torturado.
"Eles o colocaram em uma caixa", disse Guaidó. "Então eles jogaram uma bomba de gás dentro da caixa. Ele pensou que morreria asfixiado."
Autoridades do regime venezuelano não responderam a pedidos de comentários.
Enquanto o motorista vira à esquerda, Guaidó está ao telefone com um apoiador. "Pa'lante!" diz ele ao interlocutor, usando a gíria venezuelana que significa "Vamos em frente!" Mas está ficando mais difícil seguir em frente, e ele sabe disso.
Em Caracas, o recente afrouxamento dos controles do governo de importação, preço e moeda criou a impressão de melhora econômica. Há mais itens nas prateleiras das lojas, mais decorações de Natal nas ruas. Isso levou alguns caraqueños a se sentirem menos ansiosos.
Mas a capital é uma bolha em uma nação caindo aos pedaços. Até o final de 2019, pelo menos 4,5 milhões de venezuelanos - 15% da população - terão fugido do país em apenas três anos. Este ano, muitas pessoas que foram às ruas também deixaram o país. Em uma economia rica em petróleo que já foi a mais rica per capita da América do Sul, o sistema de água e a rede elétrica estão falhando. Hospitais em ruínas e escassez de medicamentos básicos deixaram milhões de pessoas sem tratamento. Em todo o país, um número incontável de venezuelanos passa fome todos os dias.
"As pessoas estão cansadas de protestar e não conseguirem o que pedem", admite Guaidó. "Mas o país quer uma transição."
Denúncias de corrupção na oposição
Há um ano, a grande maioria dos venezuelanos nunca tinha ouvido falar de Guaidó, o engenheiro que se tornou político da cidade costeira de La Guaira. Em dezembro de 2018, ele chegou ao topo da Assembleia Nacional - amplamente vista como a última instituição democrática restante na Venezuela. Era a vez de seu partido liderar, mas o diretor do partido, Leopoldo López, estava detido. O número dois estava refugiado na Embaixada do Chile. O número três estava no exílio nos Estados Unidos.
Foi precisamente o status de outsider de Guaidó que lhe permitiu ficar longe das rivalidades pessoais entre os líderes do partido, unindo uma oposição há muito dividida para se opor a Maduro.
Por um tempo, Guaidó parecia estar pronto para se juntar a uma lista restrita de figuras globais que mudaram quase sozinhos a história de seu país. Em janeiro, depois que Maduro reivindicou a vitória em eleições fraudulentas, Guaidó ousou fazer o que os líderes anteriores da oposição em sua posição temeram: reivindicou publicamente a presidência.
No mês seguinte, ele atravessou a fronteira colombiana para se juntar à tentativa de levar ajuda humanitária à Venezuela que se tornou um confronto contra o bloqueio militar de Maduro. Ele esperava que os soldados desertassem e se unissem à causa, mas poucos o fizeram. A ação terminou com pelo menos sete mortos e 300 feridos, grande parte da ajuda queimada, e a oposição lutando para recuperar o entusiasmo.
Então, na madrugada de 30 de abril, Guaidó apareceu na base aérea de La Carlota, no leste de Caracas, com alguns soldados e apelou aos militares que se rebelassem contra Maduro. Venezuelanos saíram às ruas em um movimento que parecia ser um ponto de virada na luta da oposição. Mas as imagens de um triunfante Guaidó, aplaudido por seus apoiadores em Washington, logo deram lugar à notícia de que os co-conspiradores do círculo de Maduro e das forças armadas com quem ele contava se recusaram a seguir adiante com o plano - que foi cuidadosamente planejado, mas prematuramente posto em prática.
As forças de segurança reprimiram o levante, matando pelo menos quatro pessoas, deixando dezenas de feridos e forçando líderes da oposição a se esconder. O movimento tem fracassado desde então, iniciando negociações infrutíferas e agora paralisadas com o governo, e perdendo força.
"Acho que Guaidó cometeu erros, e não tenho certeza se é por falta de informações ou por maus conselhos", disse María Corina Machado, uma opositora linha-dura. "A oposição continua cometendo os mesmos erros repetidamente. E isso trouxe desconfiança."
Na manhã de 1º de dezembro, denúncias de corrupção dentro da oposição vieram à tona, agravando os problemas.
O site de jornalismo investigativo local Armando.Info publicou uma denúncia baseada em cartas que incriminavam nove parlamentares da oposição em um esquema vinculado a um executivo venezuelano que sofre sanções dos EUA e tem grandes negócios com o governo de Maduro.
Os parlamentares teriam assinado cartas em apoio ao executivo Alex Saab e um parceiro colombiano que foram enviadas ao governo colombiano, nações europeias e bancos internacionais, segundo Edgar Zambrano, nomeado por Guaidó para investigar o caso. Presumivelmente, as cartas visavam descongelar fundos estrangeiros pertencentes a Saab e seu parceiro.
Alguns dos parlamentares acusados negaram a autenticidade dessas cartas. Mas altos funcionários da oposição dizem que a maioria deles também está envolvida em um esforço do governo Maduro para subornar ou coagir seus pares a abandonar Guaidó.
O plano: impedir Guaidó de vencer a reeleição como presidente da Assembleia Nacional no próximo mês. Uma derrota o privaria da base legal de sua reivindicação à presidência, agora reconhecida por 59 nações.
Luis Stefanelli, um deputado oposicionista do partido de Guaidó, diz que um colega deputado o abordou no mês passado com uma oferta: US$ 50 mil adiantados e US$ 950 mil no próximo mês para trair Guaidó.
O suposto caso de corrupção provocou indignação entre os apoiadores da oposição.
"As pessoas terão que entender que de um grupo de 110 parlamentares, 10 maçãs podres não são o fim da oposição", disse Stefanelli. "Não estou justificando, mas isso não é surpreendente em um país onde a moralidade foi destruída".
A suposta sedição nas fileiras de Guaidó tem causas mais profundas do que os subornos. Nos últimos meses, seu embaixador na Colômbia, Humberto Calderón, realizou reuniões não autorizadas com emissários do ministro da Defesa de Maduro, Vladimir Padrino, e do chefe da suprema corte da Venezuela, Maikel Moreno, segundo três pessoas com conhecimento das negociações.
Padrino e Moreno, disseram autoridades dos EUA e da oposição, conspiraram contra Maduro no fracassado plano de 30 de abril mas depois desistiram (os dois negam a alegação). No acordo de Calderón, tanto Maduro quanto Guaidó teriam sido forçados a sair, segundo essas pessoas.
Guaidó demitiu Calderón no mês passado. Membros da oposição venezuelana na Colômbia dizem que a divergência existe pelo menos desde abril, quando agências de inteligência da Colômbia e dos EUA disseram a Calderón que oficiais da oposição próximos a Guaidó na Colômbia supostamente estavam usando as doações indevidamente. Calderón informou Guaidó sobre as acusações e, dois meses depois, em junho, os documentos de inteligência, incluindo evidências de refeições em restaurantes caros e a contratação de prostitutas, foram divulgados pelo site de notícias PanAm Post.
Oficiais da oposição próximos a Guaidó insinuaram que Calderón foi quem vazou os documentos. Calderón nega a acusação e nega ter mantido conversas secretas com emissários do círculo próximo de Maduro. Mas ele sugeriu que Guaidó precisava repensar sua estratégia e equipe.
"Guaidó precisa renovar seu círculo interno, porque as pessoas que ele tem ao seu redor não são as melhores", disse Calderón ao Washington Post. "Ele precisa de competência e transparência. Se você não der um bom exemplo, as pessoas não acreditarão em você."
Esperanças frustradas
Antes de Guaidó chegar ao comício da noite - uma reunião pequena de bairro, do tipo que suplantou as enormes marchas que ele mobilizava no passado - ondas de indignação e frustração tomavam conta da multidão. Com o ano chegando ao fim, ficou claro que Guaidó prometeu mais do que deveria.
Guaidó e seus aliados americanos subestimaram Maduro. As forças armadas, cujos líderes desfrutam de negócios lucrativos sob os acordos atuais, ainda apoiam o socialista de 57 anos.
Os canais permanecem abertos com funcionários do alto escalão do governo e das forças armadas, de acordo com pessoas familiarizadas com essas negociações. Mas um ponto de inflexão, dizem eles, não parece estar próximo. Alguns deles já estão chamando o plano de 30 de abril de Baía dos Porcos da Venezuela - uma oportunidade, agora perdida, que pode nunca mais aparecer.
A decisão de Guaidó de iniciar negociações com o governo intermediadas pela Noruega - ele ofereceu sua renúncia se Maduro também deixasse o cargo - conseguiu apenas fazer com que o governo ganhasse tempo para consolidar sua posição. Desde o fim das negociações em setembro, Maduro dividiu e conquistou, iniciando novas negociações - boicotadas por Guaidó - com pequenos partidos da oposição mais favoráveis à liderança de Maduro.
"Acho que subestimamos a ditadura e o dano que ela está disposta a causar", disse Guaidó ao Washington Post. "Temos que melhorar nosso relacionamento com as forças armadas".
Maduro conseguiu resistir às duras sanções dos EUA - incluindo um embargo ao petróleo venezuelano, a força vital de sua economia - levando ouro e pedras preciosas do sul do país para a Turquia e a Rússia em troca de dinheiro. A Rússia e, em menor grau, a China continuam sendo fortes benfeitores.
Autoridades dos EUA realizaram reuniões de alto nível na semana passada para reavaliar sua abordagem à Venezuela e analisar medidas mais provocadoras. Autoridades americanas identificaram este mês seis embarcações estatais que, segundo eles, estavam transportando petróleo para Cuba - e estão pesando em um bloqueio para impedir que elas cheguem à ilha.
"Opções mais duras estão sendo ponderadas e algumas serão postas em prática", disse um alto funcionário do governo, que falou sob condição de anonimato para discutir deliberações internas. "Não há debates sobre a política - apoiar Guaidó e pressionar por uma transição para a democracia - mas há discussões sobre como tornar a política mais eficaz. Então, medidas serão tomadas, provavelmente depois do Natal".
No entanto, alguns apoiadores da Guaidó o culpam pela política dos EUA que eles acreditam ter falhado. As sanções econômicas dos EUA, alguns argumentam, estão afetando uma economia que já está destruída. Outros reclamam que o presidente Donald Trump levantou suas esperanças ao ameaçar uma ação militar dos EUA que agora parece ter sido um blefe desde o início.
"Estou brava", disse Emperatriz Machado, uma veterinária de 41 anos que veio ouvir Guaidó. "Uma intervenção americana foi um sonho e nada mais".
Pesquisas mostram que Guaidó ainda é o líder mais popular do país - muito mais popular que Maduro. Mas analistas afirmam que ele corre o risco de perder essa liderança, principalmente por causa das acusações de corrupção na oposição.
"Eu costumava participar dos protestos fielmente", disse Guillermo Sosa, um estudante de engenharia industrial de 20 anos que veio ouvir o discurso de Guaidó.
"Estou aqui para obter uma explicação de por que o governo ainda está no poder, sobre por que existem deputados corruptos na oposição", disse ele. "Eu não sei mais em quem ou em que acreditar."
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