O ministro da Justiça da Bolívia, Iván Lima, disse que o governo busca uma condenação de 30 anos de prisão para a ex-presidente interina Jeanine Áñez, detida preventivamente neste fim de semana sob acusação de “sedição, terrorismo e conspiração” nos acontecimentos que levaram à renúncia do então presidente Evo Morales em 2019.
“O que buscamos é uma pena de 30 anos, porque houve massacres sangrentos, mães que ficaram sem filhos em Senkata, em Sacaba, em Montero e na zona sul de La Paz", disse Lima à emissora estatal de televisão Bolívia TV, ao comentar a prisão preventiva de quatro meses decretada por um juiz neste domingo (14).
O que a oposição entende como uma perseguição à Áñez e seu gabinete, o atual governo do esquerdista Luis Arce vê como justiça para um suposto golpe de Estado que tirou Morales do poder e o forçou ao exílio na Argentina por um ano.
O processo que levou à prisão de Áñez começou em dezembro passado, dois meses depois que Arce, afilhado político de Morales, assumiu a presidência do país. Surgiu de uma denúncia feita pela deputada Lidia Patty, do Movimento ao Socialismo (MAS), que envolve a ex-presidente em um conluio com Luis Fernando Camacho, que foi candidato a presidente na última eleição e ganhou visibilidade por suas críticas a Morales durante os protestos de 2019.
A promotoria aceitou a denúncia e instaurou um processo. Também foram presos preventivamente os ex-ministros Rodrigo Guzmán e Álvaro Coimbra e há ordens de prisão contra mais três membros do alto escalão do governo de Áñez.
Nesta segunda-feira, segundo Lima, o governo vai apresentar quatro processos de responsabilidade contra Áñez e seus ex-ministros, além de uma ação penal pelas 36 mortes de apoiadores do MAS pelas forças de segurança durante protestos em Sacaba y Senkata. Durante seu governo, Áñez concedeu imunidade aos policiais envolvidos nas mortes.
Duas narrativas
Da prisão, a ex-presidente interina assegura que é vítima de perseguição e que o sistema judicial da Bolívia obedece a Evo Morales.
“Como denunciamos, o MAS decide e o sistema judicial obedece: me mandam 4 meses presa para aguardar o julgamento por um ‘golpe’ que nunca ocorreu. Daqui convido a Bolívia a ter fé e esperança. Um dia, juntos, construiremos uma Bolívia melhor”, disse a ex-presidente em sua conta no Twitter.
A oposição defende que não houve golpe em 2019, porque foi Evo Morales quem renunciou e porque Áñez assumiu o governo em um momento de crise institucional e política, agravado por um vácuo na linha sucessória da presidência, depois que muitos políticos do MAS renunciaram a seus cargos no Executivo e Legislativo.
A crise institucional e política foi desencadeada pela vitória de Morales na eleição presidencial em outubro de 2019. Atraso na divulgação dos resultados, suspeitas de fraude e a inconstitucionalidade da quarta candidatura de Morales à presidência desencadearam protestos violentos em todo o país. O ex-presidente estava sendo pressionado a renunciar. Chegou a propor novas eleições, mas a escalada de violência era tanta que até mesmo antigos aliados viraram as costas para Morales: a polícia, sindicatos de trabalhadores, produtores de coca e as Forças Armadas, cujo comandante da época, Williams Kaliman, pediu a renúncia do então presidente para “pacificar o país”.
Para Morales e seus seguidores, foi justamente esse posicionamento dos militares que indica que houve um golpe de Estado no país, que Morales foi obrigado a renunciar e fugir do país por pressão das Forças Armadas. A questão, porém, está longe de ser consenso entre analistas políticos e historiadores, já que setores da oposição defendem que a renúncia de Morales foi consequência de um levante popular.
Áñez assumiu a presidência dias depois da fuga de Morales e, em geral, foi bem-recebida pela comunidade internacional. Ela era a segunda vice-presidente do Senado e assumiu o poder porque os demais membros da linha sucessória da presidência haviam renunciado. Contudo, a sessão em que ela se declarou presidente da Bolívia foi boicotada por congressistas do MAS e não teve quórum suficiente – motivo pelo qual a legitimidade de seu governo foi questionada dentro e fora da Bolívia.
A líder conservadora prometeu realizar eleições o mais rápido possível, mas ficou no poder por um ano por causa da pandemia de Covid-19.
No período em que ocupou o Palácio Quemado, ela desfez alianças internacionais com tradicionais aliados do MAS no Irã e na Venezuela, acusou Morales de “sedição e terrorismo” – cujo processo foi arquivado em outubro passado – e viu seu ex-ministro da Saúde ser preso por compra superfaturada de respiradores durante a pandemia. Áñez também se candidatou à presidência no ano passado, mas devido à baixa popularidade, desistiu de concorrer ao pleito – que acabou devolvendo o poder Executivo ao MAS, com a eleição de Luis Arce.
Perseguição
Agora presa, Áñez pede que organizações internacionais acompanhem de perto a tramitação do processo contra ela, alegando “violação sistemática dos direitos humanos na Bolívia por meio de perseguições políticas aberrantes".
As Nações Unidas e a União Europeia já demonstraram preocupação com a detenção da ex-presidente. O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que os políticos da Bolívia consolidem a paz no país e respeitem o devido processo legal. O apelo foi reforçado pelo representante da União Europeia para assuntos exteriores, Josep Borrell, que pediu "diálogo e reconciliação" e que "as acusações pelo ocorrido em 2019” sejam “resolvidas com uma justiça transparente e sem pressões políticas".
A preocupação com a falta de independência do judiciário boliviano não vem de hoje. O caso mais emblemático da subordinação do sistema judicial ao MAS foi a decisão da Suprema Corte, no fim de 2018, de permitir que Morales se candidatasse à presidência do país pela quarta vez. A Constituição da Bolívia permite apenas dois mandatos consecutivos, mas os magistrados defenderam que a limitação era uma forma de violação dos direitos políticos do então presidente. Em 2016, os bolivianos negaram uma mudança constitucional, proposta em referendo, que permitiria a reeleição de Morales.
Organizações não governamentais também expressaram preocupação com a prisão de Áñez. O diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco, disse no Twitter que os mandados de prisão contra a ex-presidente e seus ministros não contêm nenhuma prova de que eles tenham cometido crime de terrorismo. "Por isso, geram dúvidas fundadas de que se trata de um processo baseado em motivos políticos", avaliou.
Ele ponderou que durante o governo de Áñez houve "graves violações" aos direitos humanos, "incluindo dois massacres aberrantes", que devem ser investigados com "pleno respeito ao devido processo", mas salientou que isto não foi citado na ordem de detenção da ex-presidente.
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