Refugiados são suspeitos de cometer abusos sexuais na Europa. A foto mostra um protesto realizado na Alemanha, no último sábado, depois de ataques contra mulheres realizados nas festas de ano-novo| Foto: ROBERTO PFEIL/AFP

Quando chegou à Europa, vindo da África, o muçulmano Abdu Osman Kelifa ficou chocado ao ver mulheres de roupas curtas, tomando bebidas alcoólicas e beijando em público. Conta que, em seu país, só as prostitutas fazem isso e, nos filmes nacionais, os casais “só se abraçam, mas jamais se beijam”.

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Confuso, ele se ofereceu para fazer parte, como voluntário, de um programa pioneiro e, para muitos, controverso, que quer prevenir a violência, inclusive sexual, ajudando os homens saídos de sociedades altamente segregadoras — nas quais as mulheres não podem mostrar o corpo, nem afeição em público —, a se adaptarem às comunidades europeias, mais abertas.

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Com medo de estigmatizar os imigrantes como estupradores em potencial e corroborar a manipulação dos políticos contrários à abertura multicultural, a maioria dos países europeus evita abordar a questão de que os homens originários de sociedades mais conservadoras podem ter ideias erradas ao se mudarem para lugares onde a impressão é a de que vale tudo. Porém, com a chegada prevista de um milhão de estrangeiros na Europa durante o ano de 2015, é cada vez maior o número de legisladores e ativistas a favor do ensino das normas sexuais e códigos sociais europeus.

Kelifa, 33 anos, natural da Eritreia, participou do programa educativo oferecido em um centro para estrangeiros de sua cidade, perto de Stavanger, no Oeste da Noruega. Como iniciativas semelhantes oferecidas em Lunde e outras regiões do país, o programa é voluntário e inclui discussões em grupo a respeito do estupro e outras formas de violência.

“O objetivo é que os participantes pelo menos saibam a diferença do que é certo e errado”, explica Nina Machibya, gerente do centro da cidade de Sandnes.

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O manual estabelece uma regra simples que todo imigrante precisa aprender e seguir: “Forçar alguém a fazer sexo não é permitido na Noruega, mesmo que você seja casado com a pessoa em questão.” E evita abordar as diferenças religiosas, observando que, embora a Noruega seja um país basicamente cristão, “não é a religião que estabelece as regras” e que, qualquer que seja a fé da pessoa, “é imperativo que se obedeçam às regras e leis”.

Na Dinamarca, os políticos querem que a educação sexual faça parte do curso obrigatório de aprendizado da língua para os refugiados. A região da Baviera, principal ponto de entrada dos imigrantes na Alemanha, já testa o curso em um abrigo para imigrantes adolescentes em Passau.

A Noruega, porém, é pioneira na questão. O Departamento de Imigração do país começou a exigir que tais programas fossem estabelecidos em toda a nação em 2013 — o governo chegou a contratar uma ONG, a Alternative to Violence, para treinar e ensinar os funcionários dos centros de imigração a prepararem e oferecerem aulas sobre as várias formas de violência, inclusive sexual. O governo, que ofereceu verba para custear intérpretes para as aulas durante dois anos, agora está analisando os resultados para saber se estenderá esse apoio ou não.

“O maior perigo para todos é o silêncio”, constata o psicólogo clínico Per Isdal, que trabalha para a fundação em Stavanger que desenvolveu o programa frequentado por Kelifa em Sandnes. “Muitos vêm de sociedades não igualitárias, onde os homens são donos das mulheres. É preciso ajudá-los a se adaptarem à nova cultura.”

O primeiro programa para ensinar os imigrantes sobre as normas locais e como evitar interpretar mal os sinais sociais foi implantado em Stavanger, centro da indústria petroleira e verdadeiro ímã para estrangeiros, depois de uma série de estupros ocorridos entre 2009 e 2011.

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Henry Ove Berg, que era delegado durante o auge das ocorrências na cidade, é a favor da medida.

“Em certas partes do mundo, os caras nunca viram uma menina de minissaia: só de burca. Aí, quando chegam aqui, a cabeça deles funde. Há ligação, sim, embora não muito clara, entre os casos de estupro e a comunidade de imigrantes da cidade”, revela o delegado.

De acordo com o canal estatal de TV, o NRK, que examinou os documentos processuais, apenas três dos 20 homens condenados eram noruegueses — todos os outros eram estrangeiros. A alegação de que os refugiados e imigrantes em geral estão propensos a cometer estupros se tornou a objeção mais forte nas campanhas anti-imigração por todo o continente, com cada caso de violência sexual cometido pelos recém-chegados apresentado como prova de um problema “importado”.

Hege Storhaug, ex-jornalista norueguesa que administra a Human Rights Service, organização explicitamente crítica ao Islamismo, aproveitou a questão para manifestar publicamente sua oposição à admissão dos refugiados, afirmando no site do grupo que a chanceler alemã Angela Merkel tinha aberto a porta para uma “epidemia de estupros” ao receber os imigrantes de braços abertos.

A Noruega, como a maioria dos países europeus, não especifica as estatísticas criminais por etnia ou religião. Um relatório de 2011 do Departamento de Imigração observou “a participação maciça dos imigrantes na criminalidade”, mas sugeriu que isso não se devia às diferenças culturais, mas sim ao fato de a maioria ser composta de homens jovens. “Não deveria ser surpresa o fato de, nos grupos nos quais a presença de jovens é maciça, a criminalidade é maior do que em outros, que incluem muito mais mulheres idosas, por exemplo”, conclui a análise.

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Kelifa ainda admite ter dificuldade para aceitar que a mulher pode acusar o marido de violência sexual, mas explica que já aprendeu a identificar sinais, que antes o confundiam, de mulheres que usam saia curta, sorriem ou andam sozinhas à noite sem companhia.

“Os homens têm essa fraqueza e quando veem uma mulher sorrindo não conseguem se controlar”, afirma ele, explicando que em sua terra natal, se o sujeito quiser uma mulher, basta pegá-la que não será punido, pelo menos não pela polícia.

Porém, Kelifa já tem a consciência de que na Noruega elas são tratadas de forma bem diferente:

“Elas podem assumir qualquer função, serem desde caminhoneiras até primeiras-ministras e têm o direito de se divertirem num bar e andarem na rua sem serem incomodadas.”