Um novo projeto de Vladimir Putin, em parceria com a ditadura chinesa, busca ligar pelo fundo do mar a região ucraniana anexada da Crimeia à Rússia, na tentativa de estabelecer uma nova rota de transporte que seria protegida dos ataques de Kiev. As informações foram divulgadas pelo governo da Ucrânia, a partir da interceptação de conversas entre executivos russos e chineses com ligações governamentais.
O plano surge em meio à crescente preocupação de Moscou sobre a segurança da ponte de 17 quilômetros sobre o Estreito de Kerch, estratégica na logística do Exército russo, mas que já foi alvo de bombardeios da Ucrânia em duas ocasiões.
A nova parceria entre os países mostra a disposição de Putin em manter o controle da península, a qual anexou ilegalmente em 2014, no entanto, coloca Pequim em uma situação vulnerável, visto que o país nunca reconheceu oficialmente a anexação do território ucraniano e uma cooperação nesse sentido traria riscos políticos e financeiros para o governo de Xi Jinping, que pode sofrer sanções dos EUA em suas empresas estatais.
Segundo o jornal americano The Washington Post, que recebeu com exclusividade e-mails trocados entre os envolvidos, uma das maiores empresas de construção da China deu "sinal verde" para participar do empreendimento.
A autenticidade das mensagens foi confirmada por meio de outras informações obtidas separadamente pelo jornal, incluindo ficheiros de registo empresarial que mostram a criação de um consórcio sino-russo envolvendo indivíduos mencionados nas mensagens sobre a Crimeia.
O plano de construção do túnel também ocorre num momento em que a Rússia avança com outros projetos de infraestrutura em territórios ocupados desde 2014 ou "confiscados" desde a invasão do ano passado. Imagens recentes de satélite mostraram novas linhas ferroviárias ao longo da costa do Mar de Azov, parte de uma rota terrestre ocupada que também liga a Rússia à península.
A últimas construções envolvem empresas associadas a Arkady Rotenberg, um oligarca russo aliado de Putin, que já foi patrocinado diversas vezes pelo Kremlin, como na promoção dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sóchi. O empresário, de 71 anos, adquiriu extensas propriedades na Crimeia desde a anexação ilegal e sua empreiteira foi a principal no planejamento e levantamento da ponte Kerch.
Segundo o Post, a troca de mensagens também revela os esforços da China em manter o projeto em sigilo. Um dos e-mails cita que a Chinesa Railway Construction Corporation (CRCC), empresa estatal chinesa, participará do empreendimento apenas sob “estrita disposição de total confidencialidade” e com a substituição do nome do negócio nos contratos.
A comunicação interceptada ainda menciona um banco chinês, que estaria disposto a converter seus fundos em dólares para rublos para transferência à Crimeia, a fim de financiar o consórcio.
A CRCC já possui acordos importantes com a Rússia por meio de projetos que incluem uma extensão do sistema de metrô de Moscou, concluído em 2021.
A especialista em Rússia e sanções ocidentais no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, Maria Shagina, explicou ao The Post que "um túnel ligando a Crimeia à Moscou seria uma extensão física da narrativa que Putin defende".
Especialistas consultados pelo jornal americano afirmaram que a construção de um túnel sob o Estreito de Kerch é "tecnicamente viável" e a China é um dos países com mais experiência e equipamentos necessários para a empreitada. Apesar disso, não seria uma tarefa fácil, rápida e barata de se construir.
Outro obstáculo ao projeto, devido ao risco de ataques ucranianos, seria a utilização de tecnologia tradicional de perfuração de túneis, em vez de métodos de construção mais atualizados que envolvem navios gigantes de dragagem na superfície da água.
Um engenheiro com vasta experiência em elaboração de projetos de túneis afirmou que essa seria uma "operação de alto risco” para Putin e Xi Jinping.
"A construção de um túnel através do Estreito de Kerch custaria pelo menos US$ 5 bilhões [R$ 24,6 bilhões] e exigiria que as tropas russas protegessem não apenas o estreito, mas também os locais de produção de que necessita em terra", explicou o especialista.
A Crimeia continua no topo de interesse do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que prometeu repetidamente recuperar a península. Os ataques mais recentes de Kiev tiveram como objetivo cortar as principais rotas logísticas utilizadas para abastecer as tropas russas a partir da região ocupada.