Na semana retrasada, o Parlamento Europeu se tornou o epicentro de um escândalo digno de uma república bananeira, com acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado.
As primeiras investigações apontam supostos pagamentos do Marrocos e do Catar em troca de influência nas posições e decisões do Legislativo da União Europeia, e 1,5 milhão de euros em espécie foram apreendidos durante buscas na Bélgica, Itália e Grécia.
Entre os presos, o nome de maior destaque foi o da grega Eva Kaili, então vice-presidente do Parlamento Europeu, afastada do cargo após o escândalo. Embora o Catar negue pagamento de propinas para parlamentares da UE, Kaili havia defendido em novembro a realização da Copa do Mundo no país árabe, condenada internacionalmente devido às mortes de operários estrangeiros nas obras e pelo histórico do governo local contra os direitos humanos.
A parlamentar grega alegou na ocasião que o Catar estava “introduzindo” direitos trabalhistas e uma política de salário mínimo “apesar dos desafios”.
“Eles se comprometeram com uma visão por escolha própria, eles se abriram para o mundo. Ainda assim, alguns aqui [no Ocidente] estão chamando a atenção para discriminá-los. Eles [acusadores] os intimidam e acusam todos, que falam ou se envolvem [com os cataris], de corrupção”, disparou.
O escândalo envolvendo o Catar mina a credibilidade do Parlamento e da própria União Europeia ao indicar dois problemas: a corrupção no bloco, da qual o esquema revelado este mês pode ser apenas a ponta do iceberg, e como suas instituições estão permeáveis à influência de regimes autocráticos.
Nicholas Aiossa, vice-diretor da Transparência Internacional União Europeia, afirmou em entrevista à CNN que o “Parlamento [Europeu] tolerou uma cultura de impunidade por anos”.
“Praticamente não há supervisão ou repercussões sobre a forma como os eurodeputados gastam seus subsídios e vimos esses fundos serem mal utilizados muitas vezes”, argumentou, citando que a própria natureza do funcionamento do Parlamento facilita a corrupção institucional.
“O Parlamento coletivamente tem muito poder sobre a direção de políticas que fornecem acesso a um mercado enorme, de mais de 400 milhões de cidadãos. Os próprios eurodeputados, no entanto, muitas vezes têm um perfil muito discreto fora da bolha de Bruxelas, o que provavelmente ajuda a evitar o escrutínio”, explicou Aiossa.
Na semana passada, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, disse que está coordenando “pessoalmente” um amplo pacote de reformas contra a corrupção no Legislativo, que deve ficar pronto e ser implantado em 2023.
“É assim que reagimos para recuperar a confiança [no Parlamento]. A confiança, como sabemos, leva anos para ser construída e minutos para ser destruída”, afirmou Metsola.
Influência da China
A presidente do Parlamento Europeu não deu maiores detalhes sobre quais seriam essas medidas, mas o consenso é que a fragilidade da UE diante de regimes autocráticos não está nítida apenas no Legislativo.
Em artigo recente publicado pelo site do think tank Carnegie Europe, a pesquisadora Allison Carragher citou o exemplo do megaprojeto da ponte Pelješac, um dos maiores projetos de infraestrutura recentes no continente. A obra, que custou 536 milhões de euros (a maioria financiada pela UE), foi realizada pela construtora chinesa CRBC e inaugurada em julho na Croácia.
Carragher mencionou que uma empresa austríaca preterida na escolha de quem construiria a ponte relatou que a CRBC ofereceu um preço 26 vezes menor para a remoção e disposição da terra dos pontos onde seriam afixadas as estacas de aço - uma quantia que a companhia da Áustria alegou “que não seria suficiente nem para pagar o custo do combustível para transportar os rejeitos para o aterro sanitário”.
“O setor privado da UE afirma que, como empresa estatal operando em um mercado enorme e altamente protegido, a CRBC se beneficia de subsídios diretos e indiretos não disponíveis para empresas europeias”, destacou a analista.
“A população croata comprou amplamente a imagem preferida que a China tem de si mesma como uma parceira econômica confiável e uma potência benigna, que não interfere em assuntos internos. Esta opinião diverge da política oficial da UE e encobre as evidências das práticas econômicas injustas da China, suas deficiências ambientais e trabalhistas e sua interferência nas democracias europeias”, alertou Carragher.
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