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Ao assinar nesta sexta-feira (30) os decretos para a anexação das regiões ucranianas de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, abriu um novo capítulo no conflito iniciado com a invasão russa ao país vizinho, em 24 de fevereiro.
Conforme sinalizado pelo anúncio que Putin fez na semana passada de mobilização de 300 mil reservistas, ao considerar esses territórios agora parte da Federação Russa, o Kremlin lhes conferirá a chamada “proteção total”.
O termo foi usado pelo ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, no último fim de semana, quando ainda estavam sendo realizados os referendos para anexação dessas regiões.
“Todo o território do Estado russo que já foi ou pode ser adicionalmente formalizado na Constituição de nosso país certamente se beneficiará de proteção total”, afirmou Lavrov, durante entrevista coletiva em Nova York. “Como poderia ser diferente? Todas as leis, doutrinas, conceitos e estratégias da Federação Russa são aplicáveis em todo o seu território.”
No anúncio da mobilização dos reservistas, Putin já havia avisado que a Rússia estaria disposta a usar “todos os meios disponíveis”, o que inclui armamentos nucleares táticos, para defender o território russo.
Alexander Baunov, membro do think tank americano de política externa Carnegie Endowment, disse à CNN que o discurso de Putin se torna mais agressivo com as anexações, como se dissesse aos seus inimigos: “Vocês decidiram lutar conosco na Ucrânia, agora tentem lutar conosco na Rússia, ou, para ser mais preciso, no que chamamos de Rússia”.
Em 2020, Putin atualizou a doutrina nuclear da Rússia, ao prever que armas desse tipo podem ser utilizadas “no caso de agressão contra a Federação Russa com o uso de armas convencionais, quando a própria existência do Estado estiver ameaçada”.
O Ocidente e a Ucrânia, entretanto, refutam a tática de Putin e estão dobrando a aposta. Os aliados de Kyiv, que não reconhecem os referendos, considerados por eles fraudulentos e nos quais foi tomado 15% do território ucraniano (a maior incorporação por uso da força na Europa desde a Segunda Guerra Mundial), já estão intensificando as sanções contra Moscou e a ajuda militar ao governo de Volodymyr Zelensky, que reiterou que o país invadido seguirá lutando para recuperar essas regiões.
“Todo o território do nosso país será libertado desse inimigo”, disse o presidente. “A Rússia já sabe disso. Ela sentiu o nosso poder”, complementou, fazendo referência aos avanços das últimas semanas da contraofensiva ucraniana.
Outra questão que colabora para esse aumento das hostilidades é que a Rússia precisa consolidar seu domínio sobre as áreas incorporadas nesta sexta-feira. “É necessário, no mínimo, libertar todo o território da República Popular de Donetsk”, havia adiantado o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
A Rússia já controla praticamente todo o território de Luhansk e Kherson, mas ainda precisa tomar metade de Donetsk e Zaporizhzhia.
Outra consequência da assinatura dos decretos nesta sexta-feira é que Putin deve fazer grandes investimentos nas quatro regiões. Para emplacar a narrativa de que os russos são gestores melhores que os ucranianos, Putin desenvolveu grandes projetos de infraestrutura na Crimeia depois que, em 2014, a população da península ucraniana aprovou a adesão à Rússia num referendo também marcado por denúncias de irregularidades e sem reconhecimento da maioria da comunidade internacional.
Na última terça-feira (27), o embaixador russo nas Nações Unidas, Vasili Nebenzia, alegou que a população da Crimeia “tem vivido melhor desde então”. “Temos investido muito na região, e vamos fazer o mesmo em Donbas”, afirmou.
A dúvida é se a Rússia, com sua economia fortemente atingida pelas sanções do Ocidente, terá condições financeiras e práticas de fazer grandes obras em quatro regiões que são campos de batalha (Donetsk e Luhansk, desde 2014, quando separatistas pró-russos iniciaram uma guerra civil em Donbas). E se ficará em posse dessas regiões tempo o suficiente para isso.