Governo reconhece legitimidade dos protestos, mas condena violência
O vice-primeiro-ministro da Turquia, Bulent Arinç, disse nesta terça-feira (4) que os protestos contra a demolição de um parque em Istambul são "legítimos e justos", mas condenou o uso da violência.
Em entrevista coletiva concedida em Ancara após uma reunião com o presidente turco, Abdullah Gul, o número dois do governo islamita moderado reconheceu que "a violência exagerada da polícia no começo dos incidentes no parque provocou uma reação".
"Estamos abertos a todas as reações mas não deve haver violência. A reação do povo no parque foi legítima e justa, mas esta reação legítima foi utilizada com abuso por grupos marginais ilegais", afirmou o vice-primeiro-ministro turco.
Os violentos protestos que vem ocorrendo na Turquia desde sexta-feira passada já deixaram duas pessoas mortas. Além disso, centenas ficaram feridas e foram detidas temporariamente durante os enfrentamentos com as forças da ordem.
A violência começou quando a polícia tentou retirar à força milhares de manifestantes do parque Gezi, em Istambul, onde as autoridades planejam construir um centro comercial.
"Peço desculpas para aqueles (manifestantes) com sensibilidade ambiental pela violência policial usada no começo. Mas não temos desculpas para os violentos", disse Arinç.
Por outro lado, o vice-primeiro-ministro, que atua também como porta-voz do governo, acusou a imprensa estrangeira de comparar "intencionalmente" o sucedido com a Primavera Árabe.
"Por que não o comparam com a ocupação de Wall Street? Como se comportou a polícia ali? Estas coisas se passaram na Espanha, Grécia, Reino Unido e Itália, onde a polícia atuou de forma similar", criticou Arinç.
O vice-primeiro-ministro argumentou que a reações da imprensa estrangeira se devem ao mal-estar que sentem com o governo do Partido de Desenvolvimento e Justiça (AKP).
"Os países estrangeiros fazem isso para debilitar o poder da Turquia e seu êxito econômico", assegurou, seguindo a mesma tese defendida ontem pelo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan.
Arinç disse que muitos manifestantes "recebem ordens" através de plataformas como o Twitter nos Estados Unidos.
"Eles são responsáveis disto. Através das redes sociais da internet se expandem mentiras, como a de que a polícia está usando gás laranja ou gás sarin", concluiu Arinç.
O quinto dia dos protestos começou em calma, com uma greve de 48 horas do principal sindicato de funcionários públicos, que por enquanto não está afetando o dia a dia da população.
No entanto, estão programadas novas manifestações contra o governo para esta tarde nas principais cidades do país.
Um jovem de 22 anos é a segunda vítima dos maciços protestos antigovernamentais que se estendem pela Turquia pelo quinto dia consecutivo, anunciaram nesta terça-feira (4) fontes oficiais.
A foi baleada na cabeça, por uma pessoa não identificada, durante um protesto iniciada nas últimas horas de ontem na província de Hatay, informou o site do escritório do governador da região.
O jornal local "BirGün", por sua vez, informou que a vítima, identificada como Abdullah Comert, era militante do Partido Republicano do Povo (CHP), o principal de oposição, e que o disparo saiu de um blindado policial.
Em sua última mensagem no Facebook, o jovem contava que tinha dormido apenas cinco horas nos últimos três dias e que estava disposto a morrer para salvar seu país.
A outra vítima registrada durante as manifestações ocorreu na madrugada da última segunda-feira, quando foi atropelado por um veículo particular em Istambul.
Além disso, outro manifestante, que teria recebido um tiro na cabeça, se encontra em estado grave, enquanto uma mulher, que recebeu o impacto de uma bomba de gás na cabeça, segue em coma profundo.
Embora os violentos confrontos entre policiais e manifestantes só tenham deixado 160 agentes e 60 civis feridos, segundo as autoridades, o Colégio de Médicos situou o número de feridos em 2,5 mil somente em Istambul e Ancara, os dois epicentros dos protestos que se estendem por outras regiões do país.
Os confrontos, que começaram na última sexta-feira em Istambul, continuaram intensos durante a última madrugada e deixaram novos feridos e detidos.
Em Ancara, os agentes tamparam os números de identificação exibidos em seus capacetes, enquanto grupos de pessoas vestidas com roupas de civis atacaram alguns manifestantes em apoio à polícia.
Já em Istambul, com a chegada de um enorme contingente de antidistúrbios, inúmeros confrontos violentos foram registrados no bairro de Besiktas, mas, pouco depois da meia-noite, manifestantes e agentes negociaram uma trégua e milhares de jovens marcharam em direção à Praça de Taksim, onde o ambiente de paz reinou até o fim da madrugada.
No entanto, a polícia voltou a cortar brevemente a comunicação entre os dois bairros, espalhando gás lacrimogêneo de helicópteros, sendo que, ao amanhecer, a polícia voltou a usar a força para desperdiçar os manifestantes.
O presidente turco, Abdullah Gül, convocou o vice-primeiro-ministro Bulent Arinc para discutir a situação dos protestos. Posteriormente, o mesmo deve se apresentar diante da imprensa local.
O primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, que estará em viagem oficial pelo Magrebe até a próxima quinta-feira, segue insistindo que os protestos são motivados ideologicamente, convocados pela oposição, e assegurou que tudo se acalmará nos próximos dias.
Vários sindicatos convocaram uma greve para hoje com intenção de denunciar o "Estado de terror" vivido no país e, por isso, pediram a seus filiados comparecerem a seus postos de trabalho vestindo roupas negras, mas sem trabalhar.
Os protestos começaram depois do despejo forçado de um acampamento pacífico no parque Gezi de Istambul, que protestava contra a transformação dessa área verde em uma galeria comercial, e se estenderam pelo país em denúncia ao caráter autoritário de Erdogan. EFE
Parte do arsenal de gás lacrimogêneo utilizado pela Polícia na Turquia para conter os protestos traz, em seu verso, um selo de "Made in Brazil". Foram encontradas nas ruas do país latas vendidas pela empresa brasileira Condor, de tecnologia não letal, com sede no Rio. São do tipo GL-310, identificado como "granada lacrimogênea bailarina" pela característica de movimentar-se no solo, cobrindo assim área extensa."A GL-310 é um produto Condor, mas a Polícia turca compra de diversos fornecedores, entre eles americanos e coreanos", afirmou a empresa à Folha em nota. "Portanto, não é certo afirmar que o gás lacrimogêneo turco é fabricado pela Condor".A reportagem entrou em contato com moradores locais, que afirmaram ter coletado também latas de gás lacrimogêneo vindas dos EUA.A firma brasileira não divulga dados específicos do contrato, devido a cláusulas de confidencialidade previstas no acordo com o cliente."Os produtos não letais são projetados especificamente para incapacitar temporariamente as pessoas, sem causar danos irreparáveis ou morte. A posição da Condor é de que o material não pode ser empregado fora desse propósito", afirmou a empresa em comunicado.Procurado pela reportagem, o departamento turco de segurança responsável por conter as manifestações não comentou essa questão.O uso de gás lacrimogêneo pela Polícia na Turquia tem sido criticado por manifestantes, que acusam o governo pela violência registrada na repressão. Centenas foram feridos desde o início dos protestos, há cinco dias.
John Kerry, secretário de Estado americano, afirmou anteontem que os EUA estão "preocupados com os relatos de uso excessivo de força" por parte das autoridades.