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Os recentes protestos em Cuba evidenciaram o descontentamento da população com as condições de vida no país. Os cubanos saíram às ruas pedir por liberdades básicas e também movidos pela insatisfação com a crise, agravada pela pandemia, que deixou muitos sem acesso a medicamentos e serviços médicos.
O sistema de saúde em Cuba é reconhecido na comunidade internacional como um caso de sucesso. Entre os dados mais celebrados estão a baixa mortalidade infantil e a alta expectativa de vida na ilha caribenha, taxas que são comparáveis às de países desenvolvidos.
Segundo as cifras oficiais, Cuba tem uma das menores taxas de mortalidade infantil do mundo, com cerca de 4,2 mortes por mil nascidos vivos. A expectativa de vida de um cubano é de 78,98 anos, maior do que a de brasileiros e similar à de nascidos nos Estados Unidos.
Porém, os dados de um regime autoritário como a ditadura cubana devem ser vistos com cautela, e há evidências de que essas estatísticas não retratem fielmente a realidade.
Dados manipulados
Há estudos que argumentam que as conquistas da saúde cubana são alcançadas com manipulação de dados e por métodos repressivos do regime. Uma pesquisa de 2018 relata que médicos em Cuba falsificam estatísticas de mortalidade infantil para manter essas taxas artificialmente baixas.
"Médicos cubanos estavam recategorizando mortes neonatais como mortes fetais tardias com o objetivo de alcançar as metas do governo para mortalidade infantil", dizem os autores.
Além disso, médicos pressionam mulheres a fazer um aborto – ou mesmo realizam abortos sem o claro consentimento das mães – quando são detectadas anomalias fetais, que poderiam resultar em um aumento da taxa de mortalidade infantil, relata outro estudo anterior. Reduzir artificialmente os números de mortes infantis tem ainda o efeito de aumentar a taxa nominal de expectativa de vida.
Acesso desigual
Em Cuba existem hospitais de excelência, que atraem estrangeiros em busca de cuidados médicos por preços mais acessíveis do que em seus países de origem. Mas o sistema ao qual tem acesso o cidadão cubano comum é bem diferente, conforme numerosos relatos na imprensa, testemunhos e documentações.
Jaime Suchlicki, diretor do Instituto para Estudos Cubanos da Universidade de Miami (EUA), explicou a divisão do sistema de saúde na ilha.
Existem três sistemas de saúde em Cuba: o primeiro é o de serviços oferecidos para estrangeiros, parte do chamado turismo médico, que traz uma importante fonte de renda para o regime e cria a fama de superioridade do sistema de saúde do país. Os turistas pagam em dólares e são tratados em hospitais bem-equipados e comparáveis aos de "primeiro mundo". Esses locais oferecem também tratamentos estéticos e cirurgias plásticas.
A segunda camada é a das elites cubanas: autoridades do Partido, militares, intelectuais, entre outros, recebem atendimento de excelência como o oferecido aos turistas.
Em terceiro está o sistema disponível para a população comum, que sofre com a escassez de itens básicos.
Uma reportagem da Efe em junho mostrou a situação da saúde pública no país, onde quem adoece não tem remédio para se tratar. As despensas de farmácias e hospitais da ilha estão praticamente vazias, deixando a população ainda mais vulnerável a doenças que são tratáveis.
Sem medicamentos, os cubanos contam com a solidariedade de vizinhos, que compartilham o que podem, com redes para distribuição de medicamentos com a ajuda de quem vive em outros países, e com o mercado negro – analgésicos, antibióticos, anticoagulantes e outros são encontrados por um preço até dez vezes mais alto do que o original em grupos online de venda.
A Covid-19 agravou ainda mais a situação. Cuba enfrenta o seu pior momento da pandemia, com números recordes de casos diários registrados nessa semana.
Mayi Del Valle, uma bibliotecária moradora de Ceballos, na província central de Ciego de Ávila, disse à Associated Press na quarta-feira (4) que há "cada dia mais doentes, mais mortos, um familiar, um amigo, um vizinho".
Ela disse que há escassez de medicamentos de todo tipo e que a infraestrutura sanitária está sendo superada pela quantidade de pessoas que não encontram leitos ou não são atendidas com rapidez. "Há pessoas que estão passando pela Covid em casa a base de ervas", lamentou.
Entrevistados disseram nesta semana à Radio Televisión Martí, uma emissora financiada pelo governo dos EUA que transmite notícias em espanhol para Cuba, que a crise aumentou o mercado negro de medicamentos e causa a superlotação de hospitais, que não têm leitos e oxigênio suficientes.
O jornal Diário de Cuba também relata a situação precária dos locais que servem para o isolamento de pessoas com suspeita de Covid-19 em Havana. São escolas e outros locais que foram convertidos em centros de isolamento e que enfrentam falta de medicamentos, equipamentos e pessoal de saúde.
Segundo a reportagem, a "péssima situação nos centros de isolamento e a falta de medicamentos está contribuindo para que cada vez mais cubanos com sintomas de Covid-19 os ocultem e façam o autoisolamento em casa, para passar a enfermidade com o apoio da família, usando medicamentos alternativos e tratando de encontrar medicamentos paliativos em grupos de vendas na internet".
Ainda no contexto da pandemia, Cuba foi reverenciada por ser o primeiro país da América Latina a desenvolver imunizantes contra a Covid-19. São cinco vacinas, duas das quais – Soberana 02 e Abdala – estão sendo amplamente usadas na campanha de imunização da ilha. Apesar do feito científico, há muitas dúvidas sobre eficácia e segurança do fármaco.
A ditadura afirma que a Soberana 02 tem eficácia de 62% após a aplicação de duas doses, e que a Abdala – exportada para a Venezuela – tem eficácia de 92% após a aplicação de três doses. Esses dados, porém, não foram verificados por nenhuma agência reguladora renomada ou pela Organização Mundial da Saúde. Também não foram publicados em nenhuma revista científica.
Denúncia de abandono
Ativistas cubanos e jornalistas independentes denunciaram recentemente o caso de Jacqueline Borrego Cuesta, uma integrante do Movimento Opositores por uma Nova República que morreu em 10 de maio, em Havana. De acordo com essas denúncias, a mulher de 50 anos não estava recebendo atenção médica especializada por causa de seu posicionamento político e morreu desnutrida, após meses acamada em casa.
Segundo reportagem do jornalista Héctor Luis Valdés Cocho, repórter do ADN Cuba, a ativista deu entrada em hospital em 2018 após acidente vascular cerebral múltiplo que afetou grande parte de seu corpo, e fazia mais de um ano que não recebia os cuidados que a sua condição de saúde exigia. A família de Jacqueline disse ao jornalista que considera que o abandono ocorreu "porque ela era ativista".
Segundo Valdés Cocho, sempre que o marido da ativista ia buscar ajuda na unidade de saúde de seu bairro, ouvia as mesmas "desculpas": o pessoal do departamento de neurologia de sua localidade estava em missão ou estava atendendo pacientes de Covid-19 em outros lugares.
"Ela faleceu no próprio hospital onde supostamente deveriam prestar-lhe todos os cuidados para combater a doença que sofreu. Eles pretendem seriamente continuar a nos vender o discurso de potência médica? Pensam seriamente em continuar nos enganando?", questionou o jornalista. "Não me cansarei jamais de desmentir o absurdo discurso de potência médica que tanto predica internacionalmente o regime cubano".
Um outro caso similar foi denunciado em abril por ativistas cubanos. A ativista de direitos humanos Lisset Naranjo Girón, de 36 anos, morreu por insuficiência renal, "em meio ao abandono e à precariedade", segundo a denúncia.