A onda de protestos repentinos e violentos da América Latina perturbou os investidores e surpreendeu os especialistas, mas vale a pena notar que nas três maiores economias da região as ruas permaneceram relativamente calmas.
Não que Brasil, Argentina e México estejam imunes às queixas em evidência no Chile, Colômbia, Bolívia e Equador. Eles também enfrentam pressões sobre subsídios, crescimento estagnado, aposentadorias e falta de oportunidades, e suas respectivas autoridades expressaram preocupação de que os protestos poderiam cruzar suas fronteiras.
Então, a revolta popular deve atingir também os gigantes regionais?
Bom, de uma certa maneira os três países já passaram por isso recentemente. As eleições de 2018 no Brasil e no México e de 2019 na Argentina trouxeram promessas de mudanças radicais. Os eleitores expressaram sua indignação nas urnas e aguardam resultados. Se não perceberem mudanças positivas, há chances de que eles levem suas queixas e insatisfações para as ruas em 2020.
"Esses caras estão dizendo que seus países vão crescer 4% e que não serão tão desiguais como antes", disse Shannon O'Neil, membro sênior do Conselho de Relações Exteriores de Nova York, em referência aos líderes recém-eleitos. "Algum dos três pode cumprir isso? A resposta curta é não e teremos que ver quanto tempo eles poderão usufruir do benefício da dúvida".
Os mercados financeiros argentinos já estão em turbulência, com o peso em níveis alarmantes e o governo prestes a se tornar inadimplente mais uma vez. Mas qualquer conflito social futuro poderá atingir o Brasil e o México com mais força, provocando uma fuga de capitais nesses países, como visto em grande parte da região neste ano.
O que tem sido notável nos protestos na América Latina é a variedade de ideologias que os motivam. A Bolívia foi um paraíso de esquerda por 14 anos e os protestos foram iniciados amplamente pela direita. No Chile, a economia mais favorável ao mercado e mais bem sucedida da região, a multidão enfurecida veio da esquerda. O componente em comum é a revolta com o status quo.
Argentina, Brasil e México também passam por isso.
Trocas de poder entre esquerda e direita
O presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, é um homem de esquerda que foi eleito após desilusão dos mexicanos com seu antecessor conservador. Ele permanece amplamente popular após um ano de mandato, apesar da economia ter entrado em recessão e a geração de empregos andar em marcha lenta.
As chances de protestos "são menores no México, porque Lopez Obrador e seu triunfo eleitoral foram a válvula de escape da grande insatisfação do público", disse Alejandro Moreno, diretor de pesquisas de opinião do El Financiero. "A aprovação não é necessariamente um indicador de desempenho".
Porém, há uma pitada de inquietação por lá. A Cidade do México viu, nas últimas semanas, alguns protestos violentos contra insegurança pública e feminicídio. Estações de ônibus e monumentos públicos foram vandalizados e janelas foram quebradas. Mas são apenas centenas de manifestantes, no máximo, poucos milhares.
O antecessor de Lopez Obrador, Enrique Peña Nieto, encerrou seu mandato de seis anos com aprovação de apenas 26% e foi visto como parte de um sistema que se perpetuava no poder nos últimos anos com o conservador Partido de Ação Nacional, que se desestruturou com a eleição de Lopez Obrador.
Na Argentina, os eleitores tiveram muitos motivos para se revoltar nos últimos anos. As políticas do presidente Mauricio Macri voltadas à reforma para reinserir o país nos mercados globais ficaram aquém, provocando um aumento na pobreza, desemprego, preços ao consumidor e mais recessão do que crescimento durante seu mandato de quatro anos. Nesta sexta-feira (6), Macri admitiu, em rede nacional, que seu governo falhou no desafio de superar a crise.
"Lamento que os resultados das nossas reformas econômicas não tenham chegado a tempo e por não conseguirmos nos recuperar da crise", disse Macri, relevando sua "frustração".
Alberto Fernández, que desafiou muitas previsões e derrotou Macri, fez uma campanha apelando ao já conhecido populismo esquerdista argentino, prometendo restaurar o poder de compra do povo, derrubar a inflação por meio de um pacto social com sindicatos e empresas, e favorecer a indústria local.
No Brasil, a esquerda governou o país por mais de uma década, até que a insatisfação popular manifestada nas urnas deu lugar a um presidente de direita, Jair Bolsonaro, que promove uma agenda anticrime e anticorrupção apoiada por economistas de livre mercado.
Chances de protestos
Nos três países, os eleitores parecem estar dando uma chance aos seus novos líderes. Mas a perspectiva de inquietação paira.
No Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu que a onda de protestos na América Latina colocou um freio na agenda de reformas que o governo Bolsonaro quer fazer. Em entrevista ao jornal O Globo, publicada na semana passada, ele disse que colocar em pauta a reforma administrativa seria o equivalente a "dar um pretexto pro sujeito fazer quebra-quebra na rua".
O ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, no mesmo dia em que foi solto da prisão, em 9 de novembro, disse para seus militantes "seguirem o exemplo" dos chilenos. "A gente tem que atacar, não apenas se defender", disse o líder populista.
"O Brasil está passando por uma polarização muito forte. Por isso há uma probabilidade muito maior de manifestações a favor ou contra o governo do que um grande protesto antissistema", disse Mauricio Moura, pesquisador da Universidade George Washington e fundador da Ideia Big Data.
Os brasileiros ainda estão esperando para ver se as medidas econômicas implementadas pelo governo Bolsonaro melhoram suas vidas, segundo Moura. Se não houver progresso lá, isso poderá alimentar um novo ciclo de protesto.
Outros líderes regionais estão "muito preocupados com o potencial de desenvolvimento de amplos protestos sociais", disse Cynthia Arnson, diretora do programa latino-americano do Centro Internacional para Estudiosos Woodrow Wilson, em Washington. "Mas também preocupados com seus recursos limitados para evitar isso".
Na Argentina, Fernández precisa firmar um acordo com os credores, incluindo o Fundo Monetário Internacional, de mais de US$ 100 bilhões, e terá que tentar controlar o déficit fiscal para evitar outra grande crise.
"O processo eleitoral ajudou a impedir essa onda de protestos na região", disse Juan Cruz Diaz, diretor da consultoria política Cefeidas Group, de Buenos Aires. Segundo ele, os três países já registraram grandes protestos no passado, que podem facilmente ocorrer novamente, "especialmente devido ao nível de estresse que estamos vendo na economia".
Conteúdo editado por: Isabella Mayer de Moura