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Protestos na Bélgica e na Hungria resumem a política europeia

Manifestação de membros e simpatizantes de vários sindicatos, partidos políticos e organizações civis em frente ao prédio do parlamento em protesto contra mudanças no código de trabalho, em Budapeste em 16 de dezembro | PETER KOHALMI/AFP
Manifestação de membros e simpatizantes de vários sindicatos, partidos políticos e organizações civis em frente ao prédio do parlamento em protesto contra mudanças no código de trabalho, em Budapeste em 16 de dezembro (Foto: PETER KOHALMI/AFP)

As manifestações em massa que abalaram duas capitais europeias no domingo (16) contaram uma história continental – um arco ilustrativo que começa com um sentimento populista anti-imigração e termina com a desilusão com um status quo cada vez mais autoritário. 

Em Bruxelas, na Bélgica, 5.000 manifestantes de direita se opuseram à decisão do governo de assinar um pacto de migração patrocinado pela ONU. Houve cenas de violência: a polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes que estavam atirando pedras, incluindo um grupo que tentou invadir os escritórios da Comissão Europeia. Quase 100 pessoas foram presas. 

Em Budapeste, na Hungria, estima-se que 15 mil pessoas tenham enfrentado o frio para protestar contra as novas leis promulgadas pelo governo iliberal do primeiro-ministro Viktor Orbán. Uma delas foi a criação de um tribunal paralelo que efetivamente dá o controle executivo sobre o Judiciário do país. O outro foi um projeto de lei que permite que os empregadores solicitem até 400 horas extras de seus funcionários a cada ano para aumentar a produtividade. Os críticos apelidaram o projeto de "lei do escravo". Os protestos contra o governo continuaram na capital húngara na segunda-feira (170, com manifestações voltadas para a emissora de TV pública do país, que é vista como porta-voz do partido no poder. 

Em um exemplo, você vê a fúria nacionalista que tanto tem influenciado a política europeia. No outro, você vê a inquietação crescente sobre um governo profundamente nacionalista – que usou a retórica populista para justificar políticas que minaram a democracia húngara. No Ocidente, o primeiro caso recebeu muita atenção nos últimos anos. Mas é a segunda situação que pode refletir uma batalha política mais verdadeira se formando no continente. 

Movimento anti-imigração na Bélgica

A agitação na Bélgica começou depois que o primeiro-ministro Charles Michel, que lidera uma coalizão governista de centro-direita, viajou para a cidade de Marrakesh, no Marrocos, para assinar o pacto de migração da Organização das Nações Unidas (ONU) ao lado de mais de 150 outros países. O pacto é um documento inócuo que visa incentivar uma maior cooperação internacional em migração estabelecendo 23 objetivos estruturados para que o mundo possa administrar melhor o fluxo de dezenas de milhões de migrantes. 

Não é um tratado formal e não é totalmente obrigatório. A ONU não está prestes a impor políticas de migração em países do mundo todo. No entanto, é precisamente assim que os partidos anti-imigrantes na Europa – para não mencionar a Casa Branca – tentaram enquadrar a medida. A administração Trump sinalizou no início do ano que não tinha interesse em aderir ao pacto; vários outros governos europeus, incluindo a Hungria e a coalizão populista na Itália, seguiram o exemplo. O Brasil assinou o documento, mas o futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou que o governo de Jair Bolsonaro deverá se desassociar do Pacto Global de Migração.

Na Bélgica, o partido nacionalista Nova Aliança Flamenga saiu da coalizão do governo na semana passada. Michel provavelmente vai mancar em uma minoria até as eleições do próximo ano. Analistas sugerem que a decisão do Nova Aliança Flamenga foi uma tentativa de obter apoio para a extrema direita antes de uma nova eleição. 

Isto pode ser eficaz. No sábado, a líder de extrema direita na França, Marine Le Pen, se juntou ao ex-assessor de Trump Steve Bannon em um evento em Bruxelas organizado pelo Vlaams Belang, um partido flamengo ultranacionalista. "O país que assina o pacto obviamente assina um pacto com o diabo", disse Le Pen. 

Mas se as cenas em Bruxelas mostraram a força do sentimento anti-migrante nos cantos da Europa, o que está acontecendo em Budapeste reforça a sensação de que a maioria dos europeus tem problemas mais imediatos em suas mentes. 

O abandono da democracia na Hungria 

Nenhum líder europeu tomou o fervor anti-imigrante tão veementemente quanto o húngaro Orbán, um homem saudado por Bannon e outros na extrema direita europeia. Orbán é primeiro-ministro há quase uma década e é visto como a figura à frente do grupo de nacionalistas ascendentes da Europa Oriental e Central. Como meu colega Griff Witte escreveu, ele fortaleceu firmemente as alavancas do poder, introduzindo o que os críticos descrevem como um autoritarismo rasteiro. Todo o tempo, ele travou uma virulenta guerra cultural, demonizando os imigrantes e atacando os liberais da Europa. 

"Supostamente instituições independentes – incluindo tribunais e promotores – se tornaram instrumentos de controle político", escreveu Witte. “Jornais e estações de televisão são comprados por executivos amigáveis que obedientemente pregam a linha do governo. As eleições ainda acontecem, mas são usadas como justificativa para a maioria impor sua vontade, em vez de uma chance para a minoria ter sua palavra”.

Os crescentes protestos contra o governo na semana passada são um sinal de que a oposição frustrada e amargurada ainda pode furar o balão nacionalista de Orbán. No domingo, manifestantes da classe trabalhadora expressaram sua ansiedade econômica com um governo majoritário que, segundo acreditam os críticos, está nutrindo uma cleptocracia. "Eles não negociam com ninguém. Eles apenas fazem o que querem. Eles roubam tudo. É intolerável. Não pode continuar", disse um funcionário de transportes identificado como Zoli à Agence France-Presse (AFP) no domingo. 

"Sentimos que esta é a última chance de parar a ditadura", disse Marton Bartha, 28, que manifestava diante da sede da imprensa estatal na noite de domingo, ao New York Times. "Talvez a ditadura seja uma palavra forte. Mas nossa liberdade está diminuindo". 

É claro que o governo de Orbán tentou evitar os protestos retornando a um tema comum. Um porta-voz do Fidesz, o partido no poder, classificou os manifestantes como ladrões da "rede Soros pró-imigração", uma referência ao financista judeu americano que Orban transformou em um conveniente bode expiatório para sua demagogia

Mas eles podem não ser capazes de dispensar casualmente a oposição para sempre. "Quanto tempo isso vai durar, nós realmente não sabemos", disse Peter Kreko, analista político em Budapeste, ao New York Times sobre os protestos. "Mas é uma massa significativa – no sentido de que parece haver uma oposição comprometida contra o governo, e eu acho que pode ser o ponto de partida de um movimento mais amplo". 

As principais preocupações dos europeus

Não está claro o que acontecerá a seguir. As eleições europeias do ano que vem serão vistas como um teste decisivo para toda uma série de questões – da imigração à satisfação com um projeto supranacional, como a União Europeia, às preocupações públicas sobre a erosão do Estado de Direito. Orbán e os populistas do Ocidente veem a União Europeia  e a ONU como cidadelas remotas de burocratas não eleitos, empenhadas em minar a soberania dos estados-nação. 

Mas podemos estar vendo os limites do que essa histeria populista pode alcançar politicamente. Para Orbán, um primeiro-ministro convencido de que a migração é um problema, a ironia é que, na verdade, ela poderia ser parte de uma solução para seu país. A reforma trabalhista húngara que provocou tal fúria é uma reação a uma crise demográfica mais ampla: a força de trabalho da Hungria, afetada pela emigração para nações mais ricas na Europa, está estagnada e muito pequena. Há um remédio óbvio para isso, mas provavelmente não será tomado pelo demagogo anti-imigração no poder.

*Ishaan Tharoor escreve sobre assuntos internacionais para o Washington Post. Ele já foi editor sênior e correspondente na revista Time, com sede em primeiro lugar em Hong Kong e depois em Nova York.

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