Manifestantes protestam contra Daniel Ortega e Rosario Murillo| Foto: MARVIN RECINOS/AFP

Os migrantes da América Central há muito estão no centro naquilo que os sucessivos governos dos EUA chamam de "crise" da imigração. Todos os anos, milhares de centro-americanos são pegos tentando cruzar ilegalmente a fronteira entre os Estados Unidos e o México. Segundo o Migration Policy Institute , a grande maioria dos requerentes de asilo são de Honduras, Guatemala e El Salvador, e fogem da brutal violência causada pelas gangues e do caos social na região. 

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Normalmente, apenas uma pequena fração de migrantes vai da Nicarágua para os Estados Unidos. Os números são tão pequenos que os nicaraguenses raramente são mencionados nos relatórios da Customs and Border Protection. 

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Mas a Nicarágua está em crise há meses,. Uma revolta contra o regime autoritário de Daniel Ortega e seu partido sandinista tornou-se mais sangrenta. Em meados de julho, três estudantes universitários foram mortos durante um confronto de 15 horas em uma igreja perto do campus da Universidade Nacional da Nicarágua , em Manágua, que havia sido ocupada por manifestantes anti-governo desde abril. 

Pelo menos 350 pessoas foram mortas até agora, a maioria nas mãos de forças pró-governo. Esta violência pode levar muitos nicaraguenses, em breve, a fugir de seu país também. 

"O país mais seguro" da América Central 

A Nicarágua, terra de aproximadamente 6,2 milhões de pessoas, é um dos países mais pobres do Hemisfério Ocidental. Mas conseguiu evitar amplamente a criminalidade generalizada e a instabilidade que, durante décadas, perseguiu este canto do mundo. A taxa de homicídios da Nicarágua em 2017, de 7 mortes por 100 mil habitantes, foi a mais baixa da América Central.  A taxa de homicídios na vizinha El Salvador foi de 60 por 100 mil, em 2017, e a de Honduras, 43 por 100 mil. 

E quando os nicaraguenses migram, normalmente procuram empregos com salários melhores. Em vez de viajar até os Estados Unidos, os migrantes se dirigem principalmente para a vizinha Costa Rica , o país mais estável e próspero da América Central. Estima-se que 500 mil nicaraguenses vivem e trabalham atualmente naquele país. 

Nicarágua em chamas 

Este padrão de migração pode mudar em breve. Minha pesquisa sobre a violência na América Central revela que as condições desestabilizadoras que historicamente levaram muitos guatemaltecos, salvadorenhos e hondurenhos a fugir agora estão se enraizando na Nicarágua. 

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Desde abril, o governo de Daniel Ortega vem tentando esmagar um movimento de protesto nacional que exige sua renúncia. 

Os protestos surgiram pela primeira vez na Nicarágua em 16 de abril de 2018, depois que o governo anunciou reformas na seguridade social que aumentariam custos para aposentados e trabalhadores. A polícia logo reprimiu os manifestantes. Estudantes foram às ruas. 

Em poucos dias, dezenas de milhares de nicaraguenses estavam protestando em cidades e vilas em todo o país. 

Em resposta, o regime enviou policiais vestidos com equipamento anti-motim, contratou capangas e grupos paramilitares patrocinados pelo Estado para reprimir os protestos. Até agora, estas forças pró-Ortega mataram centenas de pessoas e feriram mais de 2.100, segundo a organização sem fins lucrativos Human Rights Watch. 

Agentes patrulham a fronteira entre os Estados Unidos e o México 
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Terceirização da violência 

Na tentativa de suprimir a insurreição, o governo de Ortega tem reforçado suas forças policiais com grupos de partidários armados e esquadrões da morte. 

Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que esteve no país em maio, o regime terceirizou a repressão para grupos armados informais associados ao Estado. Estes grupos - os parapoliciais – são formados por cidadãos aliados ao Partido Sandinista de Ortega e trabalham em coordenação com a polícia. 

Terceirizar a violência do estado não é uma tática nova. Na Venezuela , o governo autoritário de Nicolás Maduro também armou militantes e apoiou gangues criminosas dispostas a defender o regime. 

Durante o período da guerra civil na América Central, na década de 1980, os governos da Guatemala, Honduras e El Salvador também usaram paramilitares e grupos de simpatizantes para reprimir protestos e punir a dissidência. 

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Na Guatemala, o exército mobilizou centenas de milhares de pessoas em patrulhas civis de autodefesa para combater os guerrilheiros que se opunham à ditadura militar do país. O governo de El Salvador construiu, em tempos de guerra, esquadrões da morte responsáveis por massacres sangrentos contra civis, ou qualquer um que tentasse apoiar a insurgência contra o regime. 

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Como as comissões de verdade e justiça do pós-guerra nos dois países mais tarde documentaram , muitas dessas facções armadas sobreviveram ao fim dos conflitos. 

No final da década de 1990, esquadrões da morte e paramilitares usavam suas conexões e expertise com o governo para atacar a população da América Central e se infiltrar nas novas instituições de justiça criminal destes países . 

As pessoas frequentemente associam o crime na América Central a gangues como o MS-13. Mas minha pesquisa mostra que as bases para a atual violência criminal da região foram estabelecidas décadas atrás, quando os governos da América Central armaram os bandidos e permitiram que atacassem seu próprio povo. 

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A terceirização da violência do Estado pode anular temporariamente o descontentamento popular. Mas cria as condições para mais violência, não apenas a política, mas também a criminal. 

Daniel Ortega, ao lado de Rosario Murillo, sua esposa, discursa para uma multidão 

Criando as condições para o crime desenfreado 

A Nicarágua conseguiu evitar o caos pós-guerra, em grande parte, por causa das reformas institucionais realizadas na década de 1990 após a Revolução Sandinista. 

Os rebeldes sandinistas derrubaram a ditadura de Somoza em 1979 e desmantelaram a brutal Guarda Nacional. No entanto, eles emergiram da revolução com o firme controle sobre a nova polícia e o exército. 

Depois que os sandinistas perderam o poder na eleição presidencial de 1990, o novo governo de Violeta Chamorro empreendeu um conjunto complexo de reformas que, entre outras mudanças, estabeleceram limites claros entre a aplicação da lei, o exército e os partidos políticos na Nicarágua. 

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Estas reformas fortaleceram o Estado nicaraguense, de modo que as forças não estatais não pudessem mais confrontar violentamente - ou substituir - as instituições governamentais. 

A separação entre a política e as forças de segurança começou a se desgastar quando Daniel Ortega, que já havia governado o país durante os anos revolucionários dos anos 80, foi reeleito em 2006. 

Como ele acumulou poder , em última análise, abolindo os limites de mandato para concorrer a um terceiro mandato, Ortega e o partido sandinista sistematicamente minaram as instituições independentes responsáveis pelo cumprimento da lei na Nicarágua. 

Desmantelando o forte estado da Nicarágua 

Estas instituições mantiveram os nicaraguenses relativamente seguros por mais de uma década. 

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Mesmo que organizações criminosas, esquadrões da morte e, cada vez mais, gangues de rua estejam alimentando níveis recordes de violência em outros lugares da América Central , a taxa de homicídios da Nicarágua no início da década foi similar à da Costa Rica. 

Evidências apontam que os grupos do crime organizado e os cartéis de drogas também estão operando na Nicarágua , aproveitando o caos em andamento para aprofundar e expandir suas redes. 

Isto também segue um padrão que já vi antes na região. Após o golpe de Honduras em 2009, a agitação política lançou as bases para o conluio entre o Estado e os grupos do crime organizado. 

Muitos jovens nicaraguenses começaram a migrar para a fronteira costa-riquenha, fugindo dos ataques dos paramilitares. 

Mas a Costa Rica quer, há muito tempo, fechar suas fronteiras aos migrantes econômicos nicaraguenses. À medida que a crise da Nicarágua se aprofunda, certamente irpa apertar a segurança nas fronteiras. 

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Em breve, é provável que muitos nicaragüenses se juntem a outros centro-americanos em sua longa jornada para o norte, buscando refúgio na fronteira dos EUA contra a violência implacável em casa.

*José Miguel Cruz é diretor de pesquisa da Florida International University   
©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.