O presidente russo, Vladimir Putin, quebrou o silêncio e afirmou nesta quarta-feira (28) que as forças navais russas cumpriram seu dever militar ao apreender três navios ucranianos e deter sua tripulação no estreito de Kerch.
No domingo (25), a patrulha de fronteira da Rússia capturou dois navios pequenos de guerra e um rebocador ucranianos, que vinham do mar Negro e tentavam entrar no mar de Azov pelo estreito de Kerch – território compartilhado entre os dois países. Os 24 marinheiros que estavam nas embarcações foram detidos. Nesta terça (27), 15 deles foram sentenciados a dois meses de prisão. Os outros nove devem participar de audiência de acusação em Simferopol nesta quarta.
O episódio provocou uma escalada de tensão entre os dois países e levou a Ucrânia a decretar lei marcial nas regiões de fronteira com a Rússia e seus aliados.
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O Serviço Federal de Segurança (FSB, antiga KGB) da Rússia acusa os três navios de violar suas águas territoriais perto da Crimeia, de ignorar os alertas da Guarda Costeira russa para parar e de apontar suas armas contra as lanchas russas.
O presidente confirmou a versão do incidente dada pelo seu governo de que os navios ucranianos ignoraram alerta da Marinha russa para que não entrassem em águas da Crimeia, região anexada pela Rússia. Os ucranianos alegam que as embarcações operavam de acordo com as regras internacionais e avisaram com antecedência sobre o trajeto.
“Cumpriram com seu dever militar com perfeição e precisão”, disse Putin durante um fórum econômico em Moscou. “Eles [ucranianos] não responderam às demandas de nossa Guarda Costeira e entraram em nossas águas territoriais”.
O presidente russo chamou a ação ucraniana de provocação e acusou o ucraniano Petro Poroshenko de ter organizado o incidente para adiar as eleições de 2019.
“Poroshenko tem chances de não conseguir a reeleição. É por isso que tinha que fazer algo”, disse Putin, acrescentando que foi “um jogo para atiçar a tensão, um jogo interno desonesto para pressionar os opositores políticos”.
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Essa mesma acusação já havia sido feita por críticos de Poroshenko, que aparece atrás nas pesquisas de intenção de voto. Em discurso pela aprovação da lei marcial na segunda (26), o ucraniano disse que a mudança não inclui restrições a direitos dos cidadãos ucranianos e nem vai adiar as eleições. Os parlamentares ucranianos realizaram um segundo voto após a aprovação da lei marcial para confirmar a realização do pleito em 31 de março.
O líder russo afirmou ainda que vários barcos ucranianos passaram tranquilamente pelo estreito de Kerch em setembro.
O Kremlin disse ter recusado pedido de Poroshenko para conversar por telefone com Putin sobre o episódio.
Por sua parte, Kiev teme que os marinheiros possam ser condenados a vários anos de prisão, embora também ressalte que sua sorte dependerá de futuras consultas “ao mais alto nível” entre Putin e o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, que poderiam optar por uma troca.
Mísseis antiaéreos
Mais cedo na quarta, as Forças Militares da Rússia anunciaram o envio de mais mísseis antiaéreos à Península da Crimeia. “Em breve o novo sistema de mísseis entrará em serviço”, declarou à agência Interfax o coronel Vadim Astafiev, porta-voz da circunscrição militar sul.
Anteriormente, as autoridades russas tinham informado que três divisões de mísseis S-400 garantiam a segurança do espaço aéreo da península, anexada pela Rússia em 2014. Uma nova divisão desse tipo de míssil será instalada. Os sistemas de mísseis S-400 podem abater simultaneamente vários alvos a uma distância de até 400 quilômetros e a uma altura de até 30 quilômetros.
No lado ucraniano, Poroshenko fez uma visita a um centro militar na região de Chernihiv, na fronteira com a Rússia, uma das áreas afetadas pela lei marcial, e disse que não deixará o inimigo atacar a Ucrânia.
Reação de Kiev
Em resposta ao contexto de crescentes tensões com Moscou, o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, promulgou também nesta quarta-freira a lei marcial, anunciou seu porta-voz. “O presidente Poroshenko assinou a lei”, anunciou no Facebook Svyatoslav Tsegolko sobre a lei aprovada na segunda-feira (26) pelo Parlamento ucraniano e que deve valer por 30 dias em dez regiões fronteiriças e costeiras.
O texto adotado pelos deputados ratificou um decreto presidencial neste sentido assinado na segunda-feira. No entanto, ainda há dúvidas sobre a entrada em vigor da lei marcial, com algumas estruturas oficiais ucranianas mencionando esta quarta-feira e outras afirmando que ela entrou em vigor na segunda-feira. O porta-voz da presidência não estava disponível para esclarecer esta situação.
“Devemos todos estar prontos para repelir a agressão de nosso inimigo que, até pouco tempo, era apenas nosso vizinho”, declarou o chefe do governo ucraniano, Volodymyr Groisman, ao abrir o Conselho de ministros.
Este movimento levou a UEFA a anunciar na terça-feira a mudança da partida da Liga Europa entre o clube ucraniano FC Vorskla e o inglês Arsenal. Previsto para Poltava, que não será afetada peça lei marcial, a partida foi transferida para Kiev por “razões de segurança”.
As autoridades ucranianas asseguraram que a lei marcial, que torna possível mobilizar os cidadãos, controlar os meios de comunicação e limitar os encontros públicos, é essencialmente “preventiva”.
“O objetivo da lei marcial é mostrar que o inimigo vai pagar caro se decidir nos atacar. Esta será uma ducha fria que vai parar os loucos que pretendem atacar a Ucrânia”, disse na terça-feira à noite o presidente Poroshenko.
O ministério da Defesa deve explicar ainda nesta quarta-feira como a lei marcial será aplicada nas forças armadas.
Reação americana
O episódio levou a duras críticas aos russos dos EUA e de vários países do bloco europeu. Nesta terça (27), o presidente Donald Trump disse que poderia cancelar encontro previsto com Putin na Argentina, durante a cúpula do G20.
“Talvez eu não faça o encontro. Eu não gosto daquela agressão. Eu não quero esse tipo de agressão”, disse o americano, em sua crítica mais contundente a Moscou. O presidente afirmou que espera um relatório completo do caso de sua equipe de segurança antes de tomar a decisão.
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O governo russo, por sua vez, disse não ter recebido nenhum aviso da diplomacia americana cancelando o encontro e que, portanto, a reunião segue na agenda de Putin.
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