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Presidente russo, Vladimir Putin| Foto: Alexey DRUZHININ / SPUTNIK / AFP

Parecia que a pandemia do novo coronavírus não atingiria a Rússia da maneira como havia arrasado outros países europeus. O presidente Vladimir Putin dizia que a situação estava sob controle e até iniciou uma campanha para mandar máscaras e equipamentos de saúde para o exterior. A ajuda, que foi enviada principalmente à Itália, um dos países mais atingidos pela Covid-19, veio da operação "Da Rússia com amor".

Mas as ilusões de invulnerabilidade da Rússia frente à epidemia se dissiparam no decorrer de março. Agora, com mais de 100 mil casos da doença, inclusive em regiões remotas do Ártico, ficou claro que o país não havia controlado a propagação do novo vírus, ele só demorou mais tempo para se instalar, em comparação com os vizinhos da Europa e da Ásia.

Com um cenário mais desafiador, o Kremlin mudou o tom e no fim de março o legislativo autorizou que o primeiro-ministro, Mikhail Mishustin, declarasse estado de emergência, que prevê multas para quem viola a quarentena e espalha desinformação. Putin também declarou feriados nacionais para que as pessoas não precisassem sair de casa para trabalhar. As medidas de isolamento, anunciou o presidente recentemente, foram prorrogadas até 11 de maio.

Apesar da campanha para envio de ajuda ao exterior, a Rússia se viu sem material médico suficiente para atender à sua própria demanda. Putin admitiu, na terça-feira (28), que há escassez de kits de proteção.

“Comparado com antes, [estamos produzindo] muito. Mas comparado ao que precisamos, ainda não é suficiente", disse ele durante uma entrevista na televisão, referindo-se ao aumento da produção e da importação de itens médicos.

Uma reportagem do Moscow Times mostra que faltam respiradores mecânicos e que os existentes estão mal distribuídos pelo país. Alguns hospitais receberam respiradores que não funcionam há mais de 15 anos. Também há reclamações de pessoal médico sobre a censura dentro dos hospitais, como registrou o jornal Washington Post. Uma médica intensivista de um hospital de Moscou foi convocada pela polícia por ter falado sobre a falta de equipamentos de proteção para os médicos. Ela contou ao jornal americano que as autoridades policiais ameaçaram que poderiam acusá-la de espalhar "notícias falsas", um crime que pode levar até cinco anos de prisão.

Popularidade de Putin

Essa situação levou a uma crise de confiança no Kremlin. Em março, uma pesquisa de opinião mostrou que 59% dos russos não acreditava, ou acreditava parcialmente, nas informações oficiais sobre a Covid-19, e 48% considerava que o sistema de saúde não estava preparado para lidar com a pandemia. Um pesquisa de abril mostrou que apenas 8% dos russos confiam plenamente no que as autoridades dizem sobre o coronavírus.

A imagem de Putin também começou a se desgastar. Mesmo sendo considerado o “homem forte da Rússia”, o presidente estava afastado da gestão do novo coronavírus, uma tarefa que foi capitaneada no princípio pelo recém empossado primeiro-ministro, e pelo prefeito de Moscou, Sergey Sobyanin - já que Moscou é o epicentro da epidemia na Rússia. A popularidade de Putin caiu consideravelmente na terceira semana de março, quando começaram a circular informações de que ele estaria em isolamento fora da capital, em sua residência em Valday.

Mesmo os dados do instituto de pesquisa VTsIOM, pró-Kremlin, mostraram uma queda histórica na aprovação de Putin, que estava em 60% em 22 de março, quando normalmente gira em torno de 70%.

A partir daí, Putin começou a aparecer mais na imprensa, mas nunca dando notícias ruins. Uma reportagem do site de jornalismo investigativo russo Proekt mostrou como o governo passou a coordenar esforços junto à mídia estatal e pró-Kremlin para impulsionar a popularidade do presidente.

Em 27 de março, Putin apareceu em público para declarar uma semana de “feriado” em todo o país para que as pessoas não saíssem de casa para trabalhar, evitando o termo “quarentena”. Dias depois, ele apareceu novamente para prorrogar o feriado até 30 de abril - recentemente estendido até 11 de maio. Em seu segundo discurso, Putin adotou um tom mais severo, exortando os russos a seguir os conselhos dos médicos e a respeitar as diretrizes de distanciamento social.

A imprensa passou a citar o nome e as ações de Putin com mais frequência. Segundo o Proekt, as ações locais passaram a ser atribuídas ao presidente e uma emissora de TV chegou a transmitir uma entrevista que havia sido gravada no ano passado, mas que ainda não tinha ido ao ar. Também foi o líder que anunciou medidas econômicas para ajudar cidadãos e empresas em meados de abril, que inicialmente seriam anunciadas pelo primeiro-ministro.

A estratégia funcionou, mas não por muito tempo. Depois de registrar 68 pontos de popularidade, o índice voltou a cair para cerca de 64% em meados de abril.

Poder

Manter uma ótima aprovação popular é especialmente importante para Putin neste momento. Ele propôs um referendo nacional que, entre outras coisas, perguntará à população se ele poderá continuar concorrendo à presidência mesmo após o fim do seu segundo mandato, em 2024. O voto estava marcado para 22 de abril, mas o Kremlin, relutantemente, teve que adiá-lo devido à pandemia e ainda não há uma nova data.

Conforme explicou Ben Noble, pesquisador da University College London (UCL), o referendo não é tecnicamente necessário para que as alterações constitucionais sejam aprovadas, mas o presidente propôs a votação em todo o país na tentativa de aumentar a legitimidade das mudanças. “Isso significava que era essencial garantir uma forte participação”, afirmou em artigo para o site The Conversation. Com o adiamento da votação, a pandemia e queda dos preços do petróleo, “pode ser ainda mais difícil mobilizar os russos a votar nas mudanças de Putin quando uma data posterior for estabelecida”, explicou Noble.

Outro contratempo para Putin veio com o adiamento do desfile de armas na Praça Vermelha, que ocorre anualmente na Rússia, em maio. Em 2020 seria comemorado o aniversário de 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, mas em vez disso, o Ministério da Defesa da Rússia teve que colocar em quarentena soldados que estavam ensaiando para o desfile depois que vários deles foram infectados pelo novo coronavírus.

Brian Whitmore, diretor do programa da Rússia no Centro de Análise de Política Europeia, disse que este foi mais um grande revés para o presidente. “O evento não era apenas uma comemoração militar, mas também um ritual de legitimação do regime, que se baseia fortemente no heroísmo da guerra para alimentar o sentimento patriótico atual”, explicou.

Internacional

No campo das relações internacionais, a ajuda da Rússia foi amplamente percebida como uma tentativa do Kremlin de melhorar sua imagem no Ocidente, o que reduziu o potencial de influência que o país poderia ter com a campanha “Com amor, da Rússia”. O Kremlin também tentou aproveitar a pandemia para aliviar o peso das sanções contra o país, instauradas por Estados Unidos e aliados após a anexação da Crimeia, em 2014.

Desde que a pandemia começou, por duas ocasiões, a Rússia tentou aprovar resoluções junto à Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) para que os países membros da organização abandonassem guerras comerciais e medidas protecionistas. Em uma dessas resoluções, a Rússia pedia que sanções unilaterais não fossem aplicadas sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, da qual o país faz parte e tem direito a veto. União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos e outros países bloquearam as resoluções. As investidas de desinformação sobre o coronavírus por parte de agentes russos em outros países também não passou despercebida pela imprensa ocidental.

Problemas econômicos à vista

Nas últimas semanas, as consequências econômicas de dias e dias de feriado, ou seja, de economia fechada, também estão pesando contra Putin. Além disso, a crise causada pelo coronavírus vem acompanhada de um colapso nos preços do petróleo e da instabilidade nos mercados financeiros.

Diante deste cenário, a Rússia viu que era necessário aumentar o apoio a trabalhadores e empresas, que inicialmente havia sido apático e bastante criticado. A revolta da população com a perda de empregos levou 2 mil pessoas às ruas na cidade de Vladikavkaz, em 20 de abril, para protestar contra o governo. A polícia de choque dispersou violentamente a multidão e deteve dezenas de pessoas, segundo a imprensa local.

As críticas levaram o governo a aumentar a ajuda. O Kremlin, segundo o Fundo Monetário Internacional, lançou um pacote fiscal que, entre outras ações, inclui seguro-desemprego por três meses no valor do salário mínimo e corte de impostos sobre a importação de suprimentos e equipamentos médicos e farmacêuticos. O custo estimado destas medidas, segundo o FMI, é de 2,1% do PIB russo.

Porém, há relatos de que empresas e trabalhadores não estão conseguindo ter acesso aos benefícios. Segundo o Moscow Times, várias empresas estão tendo dificuldades em conseguir empréstimos com os bancos para pagar salários dos empregados, mesmo com subsídio federal que garante o empréstimo a juro zero. Desempregados e pensionistas que têm direito a benefícios do governo também não estão conseguindo acessá-los.

Apesar de a epidemia ainda não ter atingido o pico no país, Putin anunciou nesta semana que seu governo está começando a planejar a reabertura da economia para depois de 11 de maio. O anúncio veio no momento em que o "czar dos negócios" do presidente, Boris Titov, pediu ao governo que acabe com o bloqueio econômico e reabra a economia.

Um inimigo diferente

“As consequências políticas de uma resposta inadequada são muito maiores para um regime altamente centralizado e profundamente personalizado”, afirmou Whitmore, que considera que todos os contratempos políticos e as crises de saúde e econômica mancham a aura de invencibilidade do regime e minam a legitimidade de Putin.

“Nada disso significa que o regime de Putin esteja à beira do colapso”, conclui Whitmore em uma análise publicada no Centro de Análise de Política Europeia. Mas essas coisas sugerem que “cortinas de fumaça” e até o "uso coerção para preservar e santificar seu direito de governar é cada vez menos eficaz”.

“O regime agora enfrenta um oponente que não se importa com propaganda e não pode ser comprado, subornado ou intimidado”.

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