As agências de inteligência dos Estados Unidos e da Ucrânia identificaram nas últimas semanas que a Coreia do Norte está enviando tropas para ajudar a Rússia na resposta à contraofensiva ucraniana no sudoeste russo, auxílio que aparentemente o ditador Vladimir Putin busca disfarçar com uma estratégia que remete a outro tirano do país, o líder soviético Josef Stalin.
Em outubro, o jornal Pravda da Ucrânia apurou junto a fontes nos serviços especiais ucranianos que a Rússia montou o chamado “batalhão especial Buriate”, composto por tropas norte-coreanas, mas que tentariam se passar por integrantes de uma etnia da Sibéria de origem mongólica: os buriates. Tal confusão proposital se deve ao fato de haver grande semelhança física com os norte-coreanos.
Segundo a apuração do Pravda da Ucrânia, estima-se que haja até 3 mil norte-coreanos no “batalhão Buriate”, embora já haja registros de deserções. Outros órgãos de imprensa relataram que o treinamento dessas forças da Coreia do Norte estaria ocorrendo numa base militar em Ulan-Ude, na própria Buriácia, uma república russa siberiana na fronteira com a Mongólia, para “aprimorar” o disfarce.
Em artigo publicado este mês no jornal The Moscow Times, Maria Vyushkova, pesquisadora e ativista buriate, citou um estudo recente da Universidade de Cambridge sobre a atuação de buriates e integrantes de outros povos asiáticos soviéticos na Guerra da Coreia (1950-1953), quando, disfarçados de voluntários chineses, apoiaram os norte-coreanos – Stalin não admitia a participação direta da União Soviética no conflito.
Ou seja, com uma configuração diferente (agora, norte-coreanos se passam por russos), Putin repete uma fórmula do ditador soviético.
É um tema extremamente sensível para os buriates, cotidianamente vítimas de preconceito e descaso da Rússia “europeia”, mas a quem Moscou recorre (pela sua imagem e sua força militar) em momentos de guerra.
“Putin concordou que os norte-coreanos lutassem na Ucrânia sob o disfarce de buriates, escreve a imprensa. Outra confirmação de que qualquer pessoa pode ser considerada buriate. ‘Buriates’, infelizmente, no contexto da guerra, é uma imagem coletiva”, escreveu no Facebook a jornalista Alexandra Garmazhapova, presidente da Fundação Buriácia Livre.
Buriates: presença na guerra acima da sua proporção na população russa
Vyushkova relembrou no seu artigo que jovens buriates são empurrados para o serviço militar porque é uma das poucas alternativas para escapar da pobreza da sua região de origem, e haviam ingressado nas forças “separatistas” na guerra do Donbass, no leste da Ucrânia, iniciada em 2014, com o objetivo de disfarçar o envolvimento direto da Rússia no conflito.
Na atual guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, buriates participaram do conflito, em proporções inclusive acima da sua porcentagem na sociedade russa.
“A análise dos obituários das baixas do lado russo mostra que os buriates étnicos estão significativamente super-representados entre as baixas do lado russo na invasão russa em larga escala da Ucrânia”, argumentou a ativista.
“Isso provavelmente resulta da alta concentração per capita de bases militares tanto na Buriácia quanto na região de Zabaikalsky [vizinha da Buriácia] e como a liderança militar da Rússia considerou as unidades da Buriácia descartáveis”, disparou Vyushkova.
Em um podcast do think tank Wilson Center no início deste ano, Vyushkova apontou que no começo da guerra, em março de 2022, os buriates representavam 3,5% do total de baixas russas, enquanto representam apenas 0,3% da população da Rússia.
Desde então, os números caíram, destacou a ativista, porque o Kremlin não conseguiu manter o mesmo patamar de recrutamento na Buriácia.
“Isso significa que os buriates na verdade não querem participar desta guerra, a menos que sejam forçados, a menos que sejam mobilizados à força”, afirmou.
Na semana passada, Lee Seong-kweun, membro do Comitê de Inteligência do Parlamento da Coreia do Sul, citou em entrevista coletiva dados do Serviço Nacional de Inteligência, que apontam que cerca de 10,9 mil tropas norte-coreanas foram enviadas para a região de Kursk para lutar contra a Ucrânia como parte de unidades aerotransportadas e de fuzileiros navais da Rússia.
A presença norte-coreana no sudoeste da Rússia, na fronteira com o território ucraniano, foi a justificativa do presidente americano, Joe Biden, para autorizar no início da semana passada que as forças de Kiev utilizassem armas de longo alcance dos Estados Unidos para atingir alvos mais distantes dentro da Rússia.
A tréplica russa veio com um ataque com um novo míssil balístico hipersônico de médio alcance, capaz de transportar ogivas nucleares, contra uma instalação militar da Ucrânia, assombrando o mundo e tornando a guerra ainda mais imprevisível.
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