Quarenta dias se passaram desde o acirrado segundo turno presidencial no Peru entre Pedro Castillo e Keiko Fujimori, sem que um vencedor tenha sido oficialmente declarado. As urnas apontam vitória do candidato da extrema-esquerda por 44.058 votos, mas o fujimorista Fuerza Popular e outros partidos de direita estão contestando milhares de votos, alegando que houve fraude no pleito.
A expectativa, segundo o Jurado Nacional Electoral (JNE, o principal órgão de justiça eleitoral do Peru), é de que a proclamação do vencedor ocorra na próxima semana.
Por que se fala em fraude?
A Gazeta do Povo conversou com Daniel Córdova, ex-ministro peruano que tem liderado esforços para que a Organização dos Estados Americanos (OEA) solicite uma auditoria das eleições presidenciais peruanas.
Segundo ele, que também é presidente do Invertir Libertad, as fraudes eleitorais teriam ocorrido em cerca de duas mil mesas eleitorais em zonas rurais do Peru, onde observadores internacionais não estavam presentes, tampouco representantes do Fuerza Popular. Cada uma dessas mesas teria cerca de 200 votos, portanto, eles defendem que 400 mil votos foram registrados de maneira inválida.
“Nestas mesas estavam apenas partidários do Perú Libre por causa de ameaças violentas aos membros do Fuerza Popular nestas regiões”, disse Córdova, falando que há uma relação entre o partido de Castillo com o Sendero Luminoso, grupo terrorista que matou milhares no país durante os anos 1980, por meio do Movadef (Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais) e do Conare, um sindicato radical de professores do qual Castillo fazia parte. “Essas organizações políticas são violentas, ameaçam, intimidam. E isso ocorreu em vários povoados do Peru, onde não se atreveram a colocar pessoal do Fuerza Popular porque estavam ameaçados”.
Com a ausência de opositores e observadores nestes locais, Córdova disse que as atas puderam ser manipuladas.
“São atas que têm assinaturas falsas, atas com falsificação de identidades, atas que foram preenchidas no computador, sendo que isso, na área rural, é impossível, é feito à mão”, continuou. “Isto é algo que não foi visto por observadores internacionais, nem sequer nacionais. As eleições foram pacíficas, mas fraudulentas”, concluiu.
Justiça eleitoral rejeita acusações
As alegações de fraude tem sido rechaçadas pela justiça eleitoral do país. Sobre as atas preenchidas com computador, por exemplo, o JNE afirmou que em algumas mesas eleitorais foi aplicado o Sistema de Contagem Automatizada (SEA), uma ferramenta de preenchimento digital de atas de escrutínio.
Os Jurados Eleitorais Especiais (JEE), que funcionam como tribunais de primeira instância, rejeitaram os recursos apresentados pelo Fuerza Popular até agora. Por isso, acredita-se que o JNE deve confirmar a vitória de Castillo assim que todos os prazos de contestação terminarem. Órgãos internacionais de observação eleitoral, como a OEA, não informaram ter encontrado provas de fraude, enquanto a União Europeia e outros países, como Estados Unidos e Reino Unido, disseram acreditar que as eleições foram livres e justas.
Contudo, o Fuerza Popular e outros partidos de direita afirmam que as autoridades do país estão negando uma auditoria das atas questionadas, que poderia comprovar a suposta fraude.
“As autoridades estão negando a informação, estão negando abrir os padrões para contrastar as assinaturas dos eleitores com as atas de votação, e instalaram uma narrativa em nível global dizendo que não há fraude. E negam uma auditoria, que simplesmente é uma revisão detalhada dessas duas mil mesas”, disse Córdova à Gazeta do Povo.
O ex-ministro também citou a renúncia de um dos jurados do JNE, no meio do processo de proclamação, como um indício de um suposto conluio entre as autoridades e o partido Perú Libre. Luis Arce Córdova pediu destituição do cargo logo depois que o JNE, por maioria, negou o pedido do partido de Keiko para que se comparassem as assinaturas das atas questionadas com as listas de eleitores da Onpe (Escritório Nacional de Processos Eleitorais) e do registro nacional de identificação.
“A minha recusa irrevogável ao cargo de representante do Ministério Público perante o Jurado Nacional Electoral (JNE) tem o fim de evitar que a representação que exerço e os meus votos minoritários sejam utilizados para validar falsas deliberações constitucionais que, na realidade, são decisões com clara parcialidade política no Plenário do Jurado Nacional Electoral que até hoje tive a honra de integrar de forma honesta”, disse Luis Arce em sua carta de renúncia.
Daniel Córdova também acusou o governo de Francisco Sagasti de ser aliado de Castillo, porque está observando “que o JNE está prevaricando, que está fazendo mal seu trabalho” e que, por isso, teria que pedir a auditoria internacional. “Mas [o governo] não tem vontade, eles não querem fazer [auditoria], porque sabem que se pedem, a OEA vem [auditar] e diria se ocorre a fraude. Estão se negando a fazer isso. São cúmplices”.
O que vem agora?
De acordo com o JNE, os 60 tribunais eleitorais da primeira instância (JEE), já proclamaram os resultados eleitorais das jurisdições em que atuam. Agora, há um prazo de três dias úteis para que se apresentem recursos. Contudo, as denúncias só poderão ser feitas com base em diferenças no número de votos registrados pelas autoridades eleitorais, não sendo possível invocar anulação de mesas eleitorais alegando fraude, intimidação, violência.
O advogado Julio César Castiglioni, membro da equipe jurídica do Força Popular, declarou ao jornal peruano El Comercio que o grupo fujimorista recorrerá contra ao menos 15 atas dos JEE que não favorecem a sua candidata. Contudo, o total de votos que devem ser contestados chega a apenas 5.400, o que não é o suficiente para reverter o resultado da eleição, segundo a Reuters, que também conversou com o advogado.
Keiko, por sua vez, diz que não vai aceitar a proclamação de Castillo como presidente peruano. Seus aliados estão organizando mais protestos para denunciar que houve fraude eleitoral. Uma marcha anticomunista deve ocorrer nesta quinta-feira, a partir das 15h (16 no horário de Brasília).
Na quarta-feira, seguidores de Keiko foram para o centro de Lima e tentaram chegar ao palácio de governo. Alguns deles, segundo o El Comercio, atacaram carros oficiais em que estavam os ministros de Saúde e de Moradia. A líder do partido condenou as agressões.
- A duas semanas da posse, recursos de Keiko podem prolongar impasse eleitoral no Peru
- Juiz nega prisão contra Keiko Fujimori, mas ela não poderá se reunir com colaboradores
- Ruptura ou acomodação? O provável governo de Pedro Castillo ainda é uma incógnita
- Marxista e conservador: conheça Pedro Castillo, que lidera a corrida presidencial no Peru
PT se une a socialistas americanos para criticar eleições nos EUA: “É um teatro”
Os efeitos de uma possível vitória de Trump sobre o Judiciário brasileiro
Ódio do bem: como o novo livro de Felipe Neto combate, mas prega o ódio. Acompanhe o Sem Rodeios
Brasil na contramão: juros sobem aqui e caem no resto da América Latina
Deixe sua opinião