Iniciada pela Rússia há mais de dez dias, a ofensiva militar na Ucrânia só deve ser interrompida - se depender do Kremlin - caso Kiev cumpra uma séria de exigências que têm sido impostas pelo presidente Vladimir Putin. O presidente russo já disse estar disposto a alcançar todos os objetivos do Kremlin seja por meio de "negociação ou guerra".
Entre as principais reivindicações de Putin para o fim da ofensiva militar na Ucrânia estão a desmilitarização e "desnazificação" de Kiev, a renúncia de entrada da Ucrânia na Otan e o reconhecimento da soberania da Rússia sobre a região da Crimeia e de Donbas.
"Foi sublinhado que a suspensão da operação especial só é possível se Kiev interromper as operações militares e cumprir as conhecidas exigências russas", disse Putin em telefonema com o presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, neste domingo (6). O presidente russo foi taxativo e afirmou que a guerra contra a Ucrânia só deve acabar quando o governo de Volodymyr Zelensky se render.
"Esperamos que durante a próxima rodada de negociações planejada, os representantes da Ucrânia mostrem uma abordagem mais construtiva, levando plenamente em conta as realidades emergentes", informou o Kremlin em nota sobre a conversa entre os dois presidentes. A Rússia ainda alertou para a "futilidade de qualquer tentativa de prolongar o processo de negociação, que está sendo usado pelas forças de segurança ucranianas para reagrupar suas forças e recursos".
Em conversa com o presidente da França, Emmanuel Macron, também neste domingo, Putin se mostrou inflexível e disse não ter intenção de renunciar aos objetivos impostos à Kiev.
1) Desmilitarização e "desnazificação" da Ucrânia
Uma das metas declaradas do Kremlin desde o início da ofensiva é desmilitarizar o país vizinho, de modo que a Rússia tenha "garantias de que não haverá ameaças por parte da Ucrânia". Para Putin, isso implicaria, necessariamente, em anular as Forças Armadas ucranianas, especialmente seu poder aéreo. Pelas exigências russas, ainda, a Ucrânia não poderia mais receber armas de seus aliados ocidentais.
Putin exige, além disso, o que tem chamado de "desnazificação" da Ucrânia, em referência a milícias neonazistas que ascenderam no país desde 2014. A declaração tem sido amplamente criticada por interlocutores, dado o fato de que Zelensky, que comanda o país, é judeu.
"Tomei a decisão de realizar uma operação militar especial. Seu objetivo será defender as pessoas que há oito anos sofrem perseguição e genocídio pelo regime de Kiev. Para isso, visaremos a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia", afirmou o presidente russo em discurso televisionado.
Zelensky, por sua vez, rebateu acusações de que seu governo é nazista. "Dizem a vocês [russos] que somos nazistas. Mas pode um povo que deu mais de oito milhões de vidas pela vitória sobre o nazismo apoiar os nazistas? Como posso ser nazista? Explique isso ao meu avô, que passou por toda a guerra na infantaria do exército soviético e morreu como coronel na Ucrânia independente", afirmou ele, também em discurso televisionado.
2) Ucrânia fora da Otan
A Rússia também requer, por meio de "guerra ou acordo", obter uma garantia formal de não adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O compromisso formal deveria contar com o aval do parlamento ucraniano e a realização de um referendo sobre a questão. Atualmente, a Ucrânia é classificada como um "país-associado" à Otan - isso significa que a nação pode se unir à organização no futuro.
Para a Rússia, trata-se de uma "questão de vida ou morte", já que a entrada do país vizinho na aliança militar fortaleceria a expansão da Otan no leste europeu. Na prática, isso poderia se transformar numa ameaça à Rússia na medida em que possibilitasse a entrada de armas nucleares e a instalação de bases militares de outros países - em especial dos EUA - em suas proximidades. Obrigatoriamente, países membros da Otan têm o compromisso de se defender mutuamente em caso de ataque armado contra qualquer um deles.
"Para os EUA e seus aliados, é a chamada política de detenção da Rússia, com óbvios dividendos políticos. E para nosso país, é uma questão de vida ou morte, é uma questão do nosso futuro histórico como povo. Não é exagero. É uma ameaça real não só aos nossos interesses, mas à própria existência do nosso Estado e sua soberania", disse Putin no último dia 24 de fevereiro. "Imagine que a Ucrânia seja membro da Otan, totalmente equipada com armas, com meios avançados de ataque como os da Polônia e da Romênia, e inicia uma operação na Crimeia".
3) Reconhecimento da Crimeia e Donbas como territórios russos
A Rússia também tem estabelecido como condição para interromper a guerra contra a Ucrânia que Kiev aceite a soberania de Moscou sobre o território da Crimeia e de Donbas, além de entregá-los a rebeldes apoiados pelo Kremlin no leste do país.
A península da Crimeia foi anexada pela Rússia no ano de 2014, apesar de parte da comunidade internacional não ter reconhecido a ação. "Países europeus, incluindo a França, acreditam que a Crimeia faz parte da Ucrânia, mas nós achamos que ela faz parte da Federação Russa", disse Putin em fevereiro. "E o que acontece se você tentar mudar essa situação por meios militares? [...] tenham em mente que as doutrinas da Ucrânia declaram a Rússia como adversária e estabelecem a possibilidade de ela retomar a Crimeia, inclusive usando força militar".
Quanto à Donbas, a Rússia tenta anexar a região desde 2014, ano em que rebeldes apoiados pelo Kremlin tomaram prédios do governo e outras instalações em Luhansk e Donetsk. As áreas controladas pelos separatistas ficaram conhecidas como República Popular de Luhansk (RPL) e a República Popular de Donetsk (RPD).
Putin afirma que o objetivo da medida é defender um povo submetido a anos de "genocídio pelo regime de Kiev". "As circunstâncias nos obrigam a tomar medidas decisivas e imediatas. As repúblicas populares de Donbass pediram ajuda à Rússia", disse o presidente ao iniciar a ofensiva contra a Ucrânia.
"A este respeito, de acordo com o artigo 51, parte sete da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), com a sanção do Conselho da Federação e em cumprimento de tratados de amizade e assistência mútua com a RPD e a RPL, ratificados pela Assembleia Federal, decidi realizar uma operação militar especial", afirmou ele.