Ouça este conteúdo
Nesta terça-feira (21), Israel e o grupo terrorista Hamas chegaram a um acordo para viabilizar a libertação de 50 reféns capturados pelos terroristas durante os ataques realizados contra o Estado judeu no dia 7 de outubro. O acordo, mediado pelo Catar e costurado pelos Estados Unidos e Egito, foi considerado "doloroso" pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que apesar de aceitá-lo, deixou claro após sua cúpula de ministros que continuará sua ofensiva em Gaza até "destruir completamente o Hamas".
Nesta quinta-feira (23), durante uma reunião com David Cameron, ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Netanyahu reafirmou que após a trégua Israel continuará em busca de seu principal objetivo neste conflito, que é o de “erradicar o Hamas”.
"Não há esperança de paz entre Israel e os palestinos, entre Israel e os Estados árabes, se não erradicarmos esse movimento assassino que ameaça o futuro de todos nós", disse o primeiro-ministro.
Segundo informações veiculadas pelo jornal britânico The Guardian nesta quarta-feira (22), o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, afirmou que o exército israelense retomará os combates contra o Hamas "com intensidade" por pelo “menos mais dois meses” após o fim da trégua.
Gallant teria dito aos soldados de seu país para "se organizarem, se prepararem, investigarem, reabastecerem suas armas e se prepararem para continuar" a guerra no enclave palestino.
Em um comunicado divulgado pelo Gabinete do Primeiro-Ministro ainda na terça-feira, autoridades israelenses afirmaram que o acordo de trégua era o "primeiro passo" para se alcançar a libertação dos cerca de 240 reféns que estão nas mãos dos terroristas palestinos.
Informações da mídia israelense davam conta de que os primeiros reféns seriam libertados nesta quinta-feira, no entanto, o governo israelense anunciou nesta quarta-feira que os primeiros reféns não sairiam de Gaza "antes de sexta-feira (24)”. Nesta quinta, segundo uma informação da Associated Press (AP), o Catar também disse que o acordo e a libertação dos reféns seriam colocados em prática a partir desta sexta-feira.
O passo final para o acordo entrar de fato em vigor passa pela decisão do Hamas de libertar os 50 reféns como foi proposto. Israel inclusive já confirmou nesta quinta-feira que recebeu a lista com os nomes dos reféns que serão libertados pelos terroristas palestinos. O acordo impõe uma trégua de quatro dias na ofensiva israelense que está ocorrendo em Gaza desde o dia 7 de outubro, para que os reféns sejam entregues à Cruz Vermelha, que será a entidade responsável por transferi-los para as Forças de Defesa de Israel (FDI), que os levarão novamente para suas casas.
Israel ainda se comprometeu a permitir a entrada de ajuda humanitária em Gaza e não sobrevoar o enclave palestino durante seis horas nos quatro dias em que a trégua estiver em vigor. No comunicado emitido pelo Gabinete do Primeiro-Ministro na terça, o governo israelense ainda se comprometeu a fornecer mais um dia extra de trégua por cada grupo de outros reféns que forem libertados e libertar cerca de 150 prisioneiros palestinos.
O acordo firmado entre as duas partes viabilizou, portanto, a primeira pausa contínua no conflito que ocorre no Oriente Médio. No entanto, saber o que pode ocorrer de fato após essa pausa ainda é um mistério, já que os terroristas do Hamas ainda poderão estar com outros reféns sob seu controle no enclave palestino ao final da trégua acordada.
Nelson Ricardo Fernandes Silva, analista de riscos e major da reserva do Exército Brasileiro, disse em entrevista à Gazeta do Povo que o futuro do conflito após a trégua dependerá de como a opinião pública israelense reagirá ao retorno dos seus cidadãos e às concessões feitas pelo governo de Israel. Se os israelenses se sentirem "satisfeitos" com o resultado da negociação e com a volta dos cidadãos que estão como reféns em Gaza, o clima de hostilidade pode se "acalmar" na região por um tempo. Por outro lado, se houver insatisfação ou frustração da população com o acordo, Israel pode retomar sua ofensiva militar contra o grupo terrorista após a trégua.
Fernandes também afirmou que o Hamas não vai desistir do seu objetivo de destruir o Estado de Israel após essa pausa. Para ele, o grupo terrorista pode, inclusive, aproveitar a trégua para se rearmar e planejar novos ataques.
O analista explicou que há uma “questão religiosa e uma série de questões históricas que impedem a convivência pacífica entre o Hamas e Israel”. Ele pontuou que os interesses dos dois lados “são antagônicos” e que o “Hamas é radical”.
A opinião sobre o Hamas se rearmar durante a pausa também foi compartilhada por Christopher Mendonça, doutor em Ciência Política e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) de Minas Gerais. À Gazeta do Povo, Mendonça disse que o “ Hamas pode sim utilizar a trégua para reagrupar os seus ataques”. Para ele, o grupo terrorista poderia inclusive “se fortalecer com uma pausa nas hostilidades”.
O professor também disse que a mesma “lógica serve para o Hezbollah, que amplia a frequência de seus ataques contra o norte de Israel”. Segundo Mendonça, o período de trégua na ofensiva israelense em Gaza “pode sim ser uma vantagem para os grupos opositores a Israel” e, por isso, “a assinatura do acordo encontrou resistências internas”.
Para Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais do Ibmec Brasília, tudo indica que o conflito continuará após a trégua.
“Não há nenhum elemento que nos faça acreditar que após essa trégua para a libertação dos reféns poderão acontecer negociações para um cessar-fogo definitivo. O que se espera, na verdade, é que após a libertação dos reféns, ambos os lados voltem a lutar. Não há, no curto prazo, qualquer sinalização de diminuição na violência, na escalada de violência, já ocorrida ao longo dessas últimas semanas”, disse o professor em entrevista concedida à Gazeta do Povo. Ele também apontou que existe a possibilidade do conflito se agravar ainda mais após a pausa acordada.
Caichiolo também disse que não acredita que o Hamas possa desistir do acordo enquanto ele estiver em vigor, já que também concorda que os terroristas provavelmente irão utilizar essa pausa para se rearmar e preparar novos esconderijos.
“[Esse período] também é um momento importante para a recuperação e para a reorganização do Hamas internamente, tendo em vista que desde o ingresso das tropas israelenses na região de Gaza eles vêm sofrendo com bastante baixas”, disse Caichiolo.
Segundo explicou o analista Nelson Fernandes, o Hamas tinha “uma agenda clara” ao provocar o conflito contra Israel. Ele pontua que o grupo terrorista queria gerar um “impacto global com suas ações” e atrair a “atenção da mídia”. Para ele, o Hamas “não tinha a intenção de derrotar Israel”, mas sim de “fazer barulho”, e conseguiu atingir esse objetivo com seus ataques.
Fernandes afirmou que o Hamas “sabia que um confronto urbano em Gaza causaria muitas vítimas civis e que isso seria usado para ganhar simpatia internacional”. Ele também explicou que o grupo terrorista palestino conseguiu “desestabilizar o acordo de paz entre a Arábia Saudita e Israel”, que era um objetivo do Irã, seu principal financiador.
O analista ainda pontuou que, se após a trégua não ocorrer um acordo de paz entre Israel e o Hamas, “o que vai acontecer é que eles [o Hamas] vão atacar o Estado judeu de novo”.
Fernandes acredita que o Hamas pode condicionar a libertação dos demais reféns após a trégua à retirada das tropas israelenses de Gaza.
“Outra tática que o Hamas pode ter é a de libertar os reféns aos poucos, o que poderia ampliar a trégua”, lembrou também o analista.
Fernandes afirmou que Israel pode usar os reféns que serão libertados por meio deste acordo para obter informações sobre os que ainda estão em poder do Hamas em Gaza. No entanto, ele explica que isso “não seria suficiente para garantir o sucesso de uma operação de resgate”, que seria, na sua visão, “muito arriscada e custosa” para o Estado judeu.
O analista explicou que “não vê Israel prolongando muito o conflito” contra os terroristas palestinos, pois “poderão enfrentar novas dificuldades” após a trégua para "combater o grupo terrorista em uma área urbana como Gaza".
Segundo o analista, o melhor cenário seria “negociar a libertação de todos os demais reféns” após a pausa, pois uma ofensiva em uma área urbana e cheia de túneis como Gaza “aumentaria as chances de fracasso [da operação israelense] e de perdas de mais vidas” – essa visão também foi compartilhada pelo professor Caichiolo. Além disso, o Hamas também poderia matar todos os outros reféns, o que, na visão de Fernandes, poderia criar um “efeito negativo” sobre a ofensiva israelense em Gaza na opinião pública de Israel.
Para Christopher Mendonça, o acordo de trégua foi uma “boa notícia” e tem grandes chances de ser posto em prática “uma vez que as retaliações decorrentes do não cumprimento podem ser bastante severas”.
“Ainda assim um cessar-fogo provisório não é suficiente para o momento. As organizações internacionais e os países do Oriente Médio precisam continuar as negociações para que as questões humanitárias sejam sanadas com a máxima celeridade”, disse ele.
Mendonça acha difícil confiar na “lealdade de um grupo terrorista” como é o Hamas, apesar de pontuar que a trégua foi um “passo inédito”.
Assim como apontou Caichiolo, Mendonça também disse que mesmo com este acordo, há um risco de que o conflito se torne “ainda mais violento” depois da trégua. Na visão de Mendonça, os dois lados “não estão dispostos a negociar uma solução definitiva” e que essa trégua é “apenas um rearranjo tático para que o combate continue”. O professor disse que as chances de uma negociação “mais efetiva” entre Israel e os terroristas após a trégua “são baixas”.
Processo de libertação dos reféns será longo
O professor Caichiolo falou também à Gazeta do Povo sobre o processo de libertação dos 50 reféns que estão em poder dos terroristas do Hamas. Segundo ele, esse processo será bastante “complexo” e pode levar “dias ou até semanas para ser concluído”.
Caichiolo explicou que a liberação dos reféns “não acontece de forma generalizada, mas sim a conta gotas”, e que é preciso haver “provas de vida e negociações com os países que têm seus nacionais entre os reféns”.
Caichiolo afirmou que esse período de pausa pode acabar se tornando bastante longo, o que poderia “ampliar o período de trégua” no conflito.
Ele disse que não imagina que o Hamas vai tentar avançar e se posicionar no sentido de estabelecer um acordo mais prolongado para libertar todos os reféns. No entanto, aponta “que isso vai acontecer naturalmente” conforme os dias de trégua forem se ampliando.