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Guerra no Oriente Médio

Qual seria a melhor alternativa moral para a reação de Israel ao ataque do Hamas

Soldados israelenses fazem patrulha em ponto não identificado perto da fronteira com a Faixa de Gaza, nesta quarta-feira (18) (Foto: EFE/EPA/HANNIBAL HANSCHKE)

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No último dia 7, Israel sofreu um ataque do grupo terrorista Hamas que foi a agressão mais letal contra civis israelenses desde o Holocausto, com 1,4 mil mortes. Imediatamente, o país anunciou estado de guerra e iniciou uma contraofensiva na Faixa de Gaza, dominada pelo Hamas, que por enquanto tem ocorrido por meio de bombardeios, mas uma incursão por terra já foi anunciada e deve ocorrer nos próximos dias.

Israel também adotou algumas medidas, como dar um ultimato aos residentes do norte da Faixa de Gaza para se deslocarem ao sul e cortar o fornecimento de eletricidade, combustíveis, água e alimentos para a região.

Na quarta-feira (18), Tel Aviv autorizou a entrega de ajuda humanitária para o enclave a partir do Egito, mas manteve o bloqueio a partir do território israelense – que só será suspenso quando o Hamas entregar os reféns que estão sob seu poder.

Toda guerra traz consigo questões éticas dos pontos de vista militar e humanitário, e por isso a Gazeta do Povo consultou especialistas sobre qual deveria ser a resposta de Israel aos ataques terroristas que sofreu.

O coronel Carlos Cinelli, professor de Direito Internacional Humanitário da PUC Minas e da Escola Superior de Defesa, afirmou que a regra para o uso da força que Israel invocou está baseada no direito inerente de legítima defesa, constante no artigo 51 da Carta da ONU, e que já se passou da fase de verificar quais seriam as regras para esse uso da força.

“Essa fase já passou, porque a opção israelense não foi por negociar, tentar uma via diplomática, foi pelo uso da força, a estratégia direta, de uso coercitivo da força. Uma vez que a força já está sendo utilizada, nós passamos para a vertente do Direito Humanitário que cuida do Direito dentro da guerra, o chamado jus in bello, do latim”, disse Cinelli.

Nessa área, o especialista destacou os princípios fundamentais da necessidade militar e da proporcionalidade. O primeiro determina que podem ser desencadeadas ações de uso da força desde que sejam indispensáveis para atingir os objetivos de enfraquecimento das forças militares oponentes e desde que não sejam proibidas pelo Direito Humanitário.

Já o princípio da proporcionalidade se materializa em uma balança entre os danos colaterais, ou seja, a destruição de bens civis, as baixas acidentais e mortes de pessoas inocentes, e a vantagem militar concreta e direta com cada ação militar.

“Exemplo: se for selecionado um objetivo militar para ser atacado, é necessário que isso esteja justificado do ponto de vista da proporcionalidade, no sentido de que trará uma vantagem concreta e direta para o atacante e os danos colaterais resultantes sejam menores que essa vantagem”, disse Cinelli.

“Se essa proporção for invertida, o ataque deverá ser interrompido ou um outro método de combate terá que ser empregado para mitigar aqueles danos colaterais”, acrescentou.

Cinelli citou outros princípios norteadores que regulam as condutas na guerra: o da distinção, ou seja, a necessidade de distinguir civis de combatentes e bens civis de objetivos militares; o da humanidade, que preconiza que devem ser evitados o sofrimento supérfluo e o dano desnecessário e proíbe tratamento desumano e degradante de prisioneiros de guerra, por exemplo; e o da limitação, que veta determinados armamentos e técnicas de combate.

“Por exemplo, fazer uso de reféns como escudo é considerado um método proibido. Atos de terror são técnicas expressamente proibidas. Sitiar uma cidade, impedindo que ajuda humanitária chegue ou que os civis sejam evacuados, também é um método proibido, porque induz à fome e à inanição”, disse Cinelli.

Uma ofensiva terrestre em Gaza exigirá grandes cuidados, já que é uma das localidades de maior densidade populacional do planeta, afirmou o especialista.

“Qualquer ataque em área urbanizada é particularmente difícil para as tropas, porque você não tem campos de tiro abertos, você muitas vezes não pode utilizar blindados, porque as vias impedem que isso aconteça. Você tem um acúmulo de escombros que se aglomeram e impedem a passagem das tropas. Em cada telhado, cada sótão pode ter alguém escondido para cometer alguma ação. Então, você acaba nivelando, do ponto de vista tecnológico e operacional, as partes”, explicou Cinelli.

“Num conflito assimétrico como esse, ou seja, um exército poderoso, com armamento de alta letalidade e desenvolvimento tecnológico, combatendo um grupo armado não-estatal que tem restrições severas nesse campo dos meios militares, é muito comum que o grupo que está combatendo em desvantagem tente trazer o combate para dentro da localidade. Porque aí ele acaba nivelando as chances de causar baixas no oponente”, disse o especialista.

Também pode ocorrer um dilema porque as normas humanitárias determinam a emissão de alertas antecipadamente para que civis saibam que vão acontecer ataques e possam sair das áreas que foram elencadas como objetivos militares.

“Ao que parece, Israel tem tomado essas providências, mas aí entra a complexidade desse conflito. Porque, para atender à norma de emitir um alerta antecipado, a surpresa do ataque também é quebrada e, no caso do Hamas, que se mistura intencionalmente à população, não somente os civis sairão da área a ser atacada, mas também eventualmente os próprios terroristas. Em consequência, se o objetivo a ser atacado eram membros do grupo, o ataque acaba tendo um resultado de pouca efetividade. Essa balança é bem instável”, afirmou Cinelli.

Um avanço terrestre em Gaza que siga os princípios do Direito Internacional Humanitário também exigirá que seja dada preferência a métodos que exigirão um custo pessoal muito grande, disse o analista, pela necessidade de colocar muitas tropas de infantaria para inspecionar casa a casa, quarteirão a quarteirão, ao invés de utilizar recursos como bombardeamentos massivos, o que configuraria ataque indiscriminado e violação das normas.

Sem “resposta coletiva”

Rubens de Siqueira Duarte, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), também mencionou o artigo 51 da Carta da ONU, que indica o direito inerente de todos os Estados, indivíduos e grupos à autodefesa. Porém, numa região de “troca de hostilidades endêmica”, Duarte destacou a especificidade da atitude de Tel Aviv.

“A doutrina de Israel é muito clara em dizer que a resposta sempre será superior ao ataque. A proporcionalidade que a gente tem no Direito Internacional é uma questão que você não responde com uma força maior do que aquela com que foi atacado. Na doutrina de Israel, não tem isso: a doutrina militar israelense fala sempre em responder de um jeito muito mais forte e inequívoco para dissuadir futuros ataques”, afirmou o professor.

Nesse sentido, Duarte elencou o ponto principal a ser observado por Israel. “Não se pode responder a hostilidades como uma resposta para todos, uma resposta coletiva. Você está querendo punir um grupo dentro da Faixa de Gaza, então você não pode desumanizar aquela população civil, atacá-la como um todo e causar o sofrimento humano de não combatentes”, disse, apontando que estes têm que ser protegidos, como preconizam todas as convenções internacionais, assim como templos religiosos, hospitais e escolas.

Duarte também apontou a necessidade da criação de um corredor humanitário para saída das pessoas em áreas de conflito e entrada de água, medicamentos e alimentos, e, assim como Cinelli, destacou os desafios que Israel enfrentará na ofensiva terrestre em Gaza.

“Quando há um combate urbano, a dificuldade que você tem é que precisa avançar em terreno que está sob controle do inimigo e ele tem a capacidade de se esconder, montar armadilhas e fazer ataques-surpresa quando ele quiser. A tropa que está entrando, mesmo com toda a tecnologia e armamentos, tem uma possibilidade de baixas muito alta”, afirmou o especialista.

“E você estará enfrentando uma força irregular, que não estará necessariamente fardada e identificada e que pode usar alguns subterfúgios, como usar reféns como escudo. Então, será um desafio muito grande”, disse Duarte.

Grupo terrorista que prega a destruição de Israel, o Hamas não levou em conta qualquer regra de guerra no conflito: estuprou e matou civis, não emitiu avisos, empregou métodos cruéis, mantém reféns e usa palestinos e bens civis como escudos.

Guerra de narrativas

Toda guerra traz consigo um conflito de narrativas, e os atentados sem precedentes do Hamas não podem servir de justificativa para a adoção de quaisquer meios por Israel para destruir o grupo terrorista, afirmou o filósofo Francisco Razzo, colunista da Gazeta do Povo.

Em entrevista à reportagem, ele alertou para as armadilhas éticas com as quais Israel pode se deparar na sua resposta ao ataque.

Sabemos que um grupo terrorista, pela sua natureza criminosa e cruel, não tem limites, mas a atuação de um Estado, pelas leis e convenções internacionais, tem. Do ponto de vista ético, até onde Israel pode ir na resposta aos ataques terroristas do Hamas? Qual seria a resposta “ideal”?

Simplesmente não há uma resposta ideal a este tema. É preciso olhar a realidade em seus aspectos mais concretos e reduzir ao máximo os danos. Procuro ler a guerra numa perspectiva mais realista e menos idealista. Ou seja, não há resposta ética ou ideal possível a esta situação. A tragédia da guerra é inevitável e a guerra deve ser conduzida nos limites da própria regra de guerra.

De qualquer forma, um atentado terrorista monstruoso como o que ocorreu em Israel não pode ser adotado como justificativa para a adoção de todos os meios necessários por parte de Israel para destruir o Hamas. Guerra contra o terrorismo tem suas complicações aí.

O mais próximo possível seria uma ação militar “cirúrgica”, precisa ao extremo, atacando os pontos centrais da infraestrutura militar do Hamas, mas sabemos que isso, no campo de batalha de Gaza, densamente povoada, é impossível. Esta é a lógica perversa do terrorismo: ele cria a armadilha da violência na qual os Estados, mesmos os mais democráticos, caem.

Mas se formos pensar de um ponto de vista ético, todos os Estados, incluindo Israel, estão vinculados ao Direito Internacional, que estabelece regras para proteger pessoas que não estão envolvidas diretamente nas hostilidades, como civis, bem como para limitar os meios e métodos de guerra. Como fazer quando um Estado não combate outro Estado?

Uma resposta possível seria aquela que efetivamente neutraliza a ameaça sem causar danos desproporcionais aos civis ou à infraestrutura civil. A proporcionalidade é um princípio-chave aqui: a resposta de um Estado a uma ameaça não deve ser mais prejudicial do que o dano que está tentando prevenir.

Israel corre o risco de perder apoio conforme sua resposta ao ataque?

Sim. Claro. Fontes de informação dão conta de manifestações contra Israel, não só no mundo árabe, mas no “mundo ocidental”. Além do conflito bélico, há uma outra guerra: a de narrativa e informação. Veja o apoio que o Hamas tem recebido entre uma certa elite progressista internacional. A pressão contra Israel é grande. E há o problema agravado do passivo ético e geopolítico da Faixa de Gaza e da situação já anterior ao ataque, que era e ainda é fortemente criticada.

Portanto, mesmo após um ataque terrorista agressivo e covarde, Israel corre o sério risco de perder apoio internacional em sua ação militar em Gaza, mesmo entre os países democráticos que lhe dão suporte. Sem dúvida, a maneira como Israel responde aos ataques pode influenciar a percepção internacional sobre o conflito.

Respostas vistas como desproporcionais levam a críticas internacionais e a uma potencial perda de apoio de aliados e da opinião pública global. Tudo o que o terrorista mais deseja, nesse caso, é se servir dessa “desproporcionalidade”.

Israel corre o risco de cair em “armadilhas”, como o uso de escudos humanos pelo Hamas?

É exatamente isso que o Hamas mais deseja, o que, aliás, quebra a narrativa muito usada de que o Hamas “representa” a luta palestina ou o povo palestino. A lógica do Hamas é a do terrorismo: e para esta lógica perversa, mortes, principalmente a de civis inocentes, são “boas” (claro que não o são em nenhuma hipótese), servem de “ativos políticos”, seja no lado israelense e até mesmo no lado palestino.

Em tempos de redes sociais, fotos de crianças palestinas mortas é tudo o que o Hamas mais deseja, perversamente. O uso de escudos humanos é uma tática que visa proteger alvos militares da ação inimiga, colocando civis em risco. Se Israel atacar esses alvos e causar baixas civis, pode ser acusado de atingir civis, mesmo que a intenção fosse atingir alvos militares. Portanto, sim, Israel corre o risco de cair em “armadilhas” como essa, o que torna a situação no terreno extremamente desafiadora.

Como escrevi no meu artigo na semana passada, o maior trunfo do terrorismo é a capacidade de direcionar a opinião pública para a causa colocada em pauta. Existe uma perversa estratégia midiática por trás do terror, e os terroristas são verdadeiros especialistas em mobilizar a opinião pública. Por mais absurdo que possa parecer, o ato terrorista só tem relevância quando provoca uma onda de pânico.

No passado, Israel já foi acusado de “reação desproporcional”, e agora tem se falado muito no bloqueio de água, alimentos e combustíveis a Gaza e em advertências para que civis não sejam vitimados. O senhor concorda com essas críticas?

Como disse na resposta à sua primeira pergunta, “reação proporcional e desproporcional” são princípios que regem a ação da guerra de Estado contra Estado. No caso contra o Hamas, é quase impossível de serem dados idealmente. No campo da ética, não há saída para este dilema. Na guerra, inocentes de todos os lados perecem. Este fato é brutal e não pode ser analisado pelo prisma da ética.

Não estou dizendo que eu não tenho uma concepção ética a respeito da guerra, o que estou afirmando é a impossibilidade de compreender tal realidade nestes termos. E, claro, vale ressaltar que compreender não significa endossar. Inocentes morreram na Alemanha nazista quando os bombardeiros americanos devastaram Dresden. Mas a Alemanha nazista então deveria ser poupada da guerra? Como resolver este dilema? Impossível.

Aliás, este tema acompanha a cultura ocidental: na “Ilíada”, o tema central é a ira de Aquiles que, sendo o melhor guerreiro grego, humilhou o corpo do seu opositor, Heitor. Estamos diante do dilema mais profundo da humanidade: o dilema do estado de violência, o dilema do horror que é a guerra. E o que é pior, de uma guerra que jamais poderá ser travada entre dois Estados, mas entre um grupo terrorista e um Estado.

O que pode ser uma saída para este dilema é o campo da estratégia; a pergunta então ficaria a seguinte, do ponto de vista da estratégia de defesa de Israel: quais os objetivos da ação militar? O que Israel quer quando faz um bloqueio à Faixa de Gaza? Esse bloqueio consegue efetivamente enfraquecer o Hamas ou só o fortalece?

O “até quando ou onde” uma ação militar deve ir deveria estar obrigatoriamente associado ao objetivo estratégico, político e militar desta ação. No meu ver, a lógica da vingança na guerra não faz sentido porque fortalece o oponente.

A lógica que deve prevalecer é a da ação com vista a um objetivo, o que, claro, não é uma tarefa fácil em uma sociedade tão machucada quando a israelense hoje, mas não há outra saída possível. Somente o planejamento estratégico pode minimizar os custos humanos de uma guerra, dos dois lados, aliás. Mas o Hamas obedece a uma outra lógica, a da destruição completa de Israel.

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