O pior desastre nuclear da história levou mais de 100 mil pessoas a abandonar suas casas na pacata cidade ucraniana de Pripyat para nunca mais voltar. Com níveis de radiação cerca de 20 vezes maior do que o emitido pela bomba de Hiroshima, a explosão da usina de Chernobyl, em 1986, tornou uma área de 4.200 quilômetros (dividida entre a Ucrânia e a Bielorrússia) relativamente fantasma.
E o termo “relativamente” nunca fez tanto sentido. Apesar dos imensos riscos que levaram à evacuação quase completa dos humanos, a vida selvagem curiosamente reina mais rica e variada do que nunca, segundo estudo publicado no jornal “Current Biology” nesta segunda-feira (5).
Tal avaliação indica que as mãos humanas eram muito mais perigosas para a natureza do que a absurda radiação emitida no desastre.
Para chegar à conclusão, um grupo internacional sobrevoou diversas vezes a chamada de zona de exclusão Chernobyl, de onde foram evacuados os moradores, para saber como a radiação afetou a população de animais. A análise tinha como base três hipóteses: de que haveria menos animais nas zonas mais contaminadas; de que haveria menos grandes mamíferos na reserva ecológica da Polésia (o ponto tido como mais crítico) do que em reservas próximas não tão contaminadas; e que depois do acidente se notaria um declínio da densidade de mamíferos ao longo do tempo.
Porém, os resultados apontaram que as três hipóteses estavam erradas. Embora tenha havido um declínio no desenvolvimento dos animais nos seis meses que se seguiram à explosão -- provavelmente por problemas reprodutivos causados pelo desastre --, no longo prazo isto se reverteu.
“Nosso trabalho mostra que, apesar dos possíveis efeitos da radiação em animais individuais, não se pode detectar um efeito sobre as populações de mamíferos’, explicou Jim Smith, líder do estudo, ao jornal “El País”. “Este é um exemplo notável dos efeitos da presença humana e o uso do entorno: seu desaparecimento na zona de Chernobyl permitiu que os animais prosperassem.”
Segundo o estudo, o número de lobos é sete vezes maior na reserva contaminada pela radiação que em outras regiões semelhantes. A “zona morta” tem mais fauna que nunca, destaca a análise. “É simplesmente por não haver presença humana”, destaca Smith.
Na reserva de Polésia viviam cerca de 22 mil pessoas. Para os cientistas, hoje o número de animais na região é mais elevado do que na época do acidente. Até uma espécie de urso, o pardo, que havia sido extinto do local voltou.
Como os métodos de avaliação são restritos, já que não se pode explorar a área de forma prolongada pelos riscos da radiação ainda hoje, não se sabe quais são as condições de fato destes “animais radioativos”. Os pesquisadores querem agora descobrir quais foram os efeitos reprodutivos e genéticos que sofreram espécies como peixes. “Embora acreditemos que a radiação não afeta as populações de animais, estamos interessados em efeitos mais sutis sobre os indivíduos”, concluiu Smith ao “El País”.