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Os mercados acordaram de susto nesta segunda-feira (9), quando uma medida adotada pela Arábia Saudita fez o preço do barril de petróleo despencar de US$ 45 para cerca de US$ 30 - a maior desvalorização desde a Guerra do Golfo, em 1991. O preço já vinha em queda por causa do novo coronavírus: estava em torno de U$S 60 na metade de fevereiro. Mas muito mais do que questões econômicas, analistas afirmam que essa nova guerra de preços do petróleo tem um fundo político que envolve, além do reino saudita, Rússia e Estados Unidos. Entenda os motivos por trás desta crise.
Controle do preço de petróleo
Com o preço do barril em queda livre por causa da propagação do novo coronavírus, a Arábia Saudita tentou cortar a produção de petróleo para forçar os valores para cima. A medida foi anunciada após um encontro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo em 4 de março, que produziu uma recomendação pedindo um corte adicional de 1,5 milhão de barris por dia para a Aliança Opep+ (que inclui Opep, Rússia e outros países) até 30 de junho e a continuação dos cortes previamente acordados até o final do ano.
A Rússia - que é uma parceira da Opep desde 2016, embora não faça parte do grupo - disse que não entraria no jogo desta vez.
Uma briga entre EUA e Rússia
As empresas de energia russas, na verdade, já eram reticentes quanto a esta tática. Segundo analistas, elas não queriam perder espaço para a indústria de xisto americana, que vê sua demanda aumentar todas as vezes que os grandes produtores de petróleo cortam sua produção. Os russos também querem ver como o mercado americano reage aos baixos preços do barril de petróleo, já que a extração de gás de xisto é mais cara e, portanto, menos viável quando o preço fica muito baixo.
Em 2018, os Estados Unidos se tornou o maior produtor energético do mundo, superando a Arábia Saudita. Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial, lembra que enquanto a Rússia vinha cumprindo com os cortes de produção estipulados pela Opep, os EUA vinham incentivando a produção da cadeia de óleo de xisto. Apesar de abocanhar parte do mercado energético mundial, Netto afirma que esses investimentos apresentam alguns componentes de risco para a economia americana, como o risco para o mercado de crédito americano, devido ao excesso de crédito concedido à cadeia de exploração do gás de xisto.
As rusgas entre Estados Unidos e Rússia no mercado de petróleo também envolvem uma série de sanções americanas contra Irã e Venezuela, que já começaram a afetar diretamente as empresas russas. Em fevereiro, por exemplo, os EUA colocaram uma subsidiária da Rosneft, estatal russa e uma das maiores petrolíferas do mundo, na lista negra das empresas com as quais os americanos não podem fazer negócios por causa da sua ligação com o regime chavista da Venezuela.
O presidente Donald Trump, também usou do poder de veto dos EUA para bloquear a conclusão do oleoduto Nord Stream 2, entre os campos de petróleo da Sibéria e a Alemanha. "A demanda de energia do mercado alemão já é uma briga que vem sendo travada entre Rússia e EUA há algum tempo", pontua Netto.
Resposta da Arábia Saudita
A Arábia Saudita não gostou de ser desafiada pela Rússia e respondeu com o que pode ser considerada uma reversão de seu plano original: aumentou a produção e diminuiu os preços oficiais de venda de seu petróleo. Analistas acreditam que, com isso, a Arábia Saudita mostra a sua força no mercado petroleiro ao tentar fazer com que a Rússia se curve às suas vontades. Ela pode fazer isso sendo a menos prejudicada, porque seus custos de produção são os menores do mundo. Porém o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que, para manter os balanços das empresas sauditas em dia, o ideal é que o preço esteja em torno de US$ 80.
Impactos
Urquhart-Stewart, gerente de investimentos britânico e comentarista de negócios, disse no Twitter que os recentes acontecimentos no mercado de petróleo passaram a ser mais uma questão de jogo geopolítico entre Arábia Saudita e Rússia do que propriamente um assunto econômico.
Dois aliados da Rússia seriam os principais afetados por esta queda brusca nos preços de petróleo: Irã e Venezuela. Isso porque as economias desses países, baseadas na produção de petróleo e gás, já estão sob imensa pressão das sanções impostas pelos Estados Unidos aos seus mercados energéticos.
Na Venezuela, segundo o economista da Econalítica Luis Arturo Bárcenas, esta queda nos preços do petróleo não somente afeta diretamente a entrada de divisas na Venezuela, como também a capacidade de importação do país. “Um preço menor requer mais barris para pagamento da taxa de juro e menos para bens que não o petróleo” escreveu Bárcenas, referindo-se às dívidas que o governo venezuelano tem especialmente com a China, pagas com petróleo.
Analistas concordam que, muito em breve, Arábia Saudita e Rússia cheguem a um acordo e os preços do petróleo voltem a se estabilizar. Até lá, porém, esta briga, que também envolve os EUA, promete trazer efeitos devastadores para a economia mundial, que já está sofrendo com a redução da atividade diante da propagação do coronavírus pelo mundo.