Abu Mustafa já recebeu ameaças de morte de extremistas islâmicos, mas diz não ter alternativa para sobreviver em meio ao caos da Bagdá de hoje em dia. Esse vendedor de vídeos pornográficos está entre os muitos comerciantes apanhados na encruzilhada do Iraque atual: livre da censura estatal de Saddam Hussein, mas acuado pelos valores religiosos.
- Estou assustado, mas o que posso fazer? Tentei vários outros empregos. Trabalhei em uma fábrica, mas não dá para ganhar dinheiro no Iraque. Esta aqui é a única forma de manter meu filho - disse ele nesta quarta-feira. - De jeito nenhum vou entrar para a polícia ou para o Exército, porque os insurgentes estão matando muitos soldados a cada dia - acrescentou.
Mas vender pornografia também é um negócio especialmente arriscado no Iraque, que é governado desde janeiro por uma coalizão liderada por xiitas religiosos, o que leva alguns setores a preverem a criação de um regime islâmico, inspirado no Irã.
O papel do Islã no Estado é um dos temas mais polêmicos na Constituição que está sendo debatida neste mês, para desespero de grupos liberais e feministas. Enquanto isso, Abu Mustafa e outros se queixam do medo constante. Ele acusa as Brigadas Badr, uma milícia xiita treinada no Irã, de atacar colegas seus e ameaçar outros.
- Eles atiraram no meu amigo Haider e depois o queimaram - contou Abu Mustafa, um nome fictício que ele escolheu para evitar represálias. - Eles me mandaram ameaças de morte por escrito, em bilhetes que me mandavam parar de vender filmes de sexo - emendou.
Muhammad Al Turaifi, porta-voz das Brigadas Badr, negou que a milícia tente impor sua lei:
- Não interferimos nessas questões pessoalmente. Usamos os procedimentos oficiais e levamos a questão à polícia. É absurdo insinuar que vamos lá bater nessa gente.
Após a queda de Saddam Hussein, lojas de vídeos pornográficos foram ostensivamente inauguradas no mercado de Bab Al Sharjee (portão oriental), em Bagdá, um local antes muito movimentado e hoje, segundo a população, dominado por gangues, ladrões, cafetões e informantes da guerrilha.
Os vendedores de pornografia não ousam mostrar o rosto. Discretamente, combinam por telefone a venda de vídeos americanos, europeus e árabes, que escondem em caixas de DVDs ou de cartolina no banco de trás dos carros.
- As Brigadas Badr deixaram bilhetes nos nossos quiosques dizendo: 'Vamos matá-los e queimar suas lojas' - disse o comerciante Ahmed Saad, bacharel em Belas Artes e pai de dois filhos. - A polícia nos prendeu e exigiu dinheiro das nossas famílias para nos libertar - completou.
O governo diz estar combatendo a corrupção policial. Na terça-feira, comerciantes de vídeos eróticos compareceram à cerimônia de 40º dia da morte de seu colega Amir, de 21 anos, assassinado em plena luz do dia quando voltava para casa.
Mas o comércio prosseguiu normalmente nesta quarta-feira no Bab Al Sharjee, onde Abu Mustafa diz ter 30 colegas no mesmo ramo, apesar dos riscos. Ele vende cerca de 50 DVDs por dia, faturando cerca de US$ 10. Mas o produto só é oferecido a amigos ou clientes antigos.
- Os filmes eróticos do Líbano e de outros países árabes são os mais populares. Mas temos todo tipo de filme. Só temos que trabalhar secretamente - contou Mustafa.
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