Quem costuma acompanhar as notícias internacionais não se surpreende mais com os números cada vez mais hostis na Venezuela. Inflação de mais de 1.300.000% para este ano, 5 mil pessoas deixando o país diariamente, 3,7 milhões de pessoas passando fome, a mortalidade infantil retrocedeu ao nível de 40 anos atrás, número de presos políticos cada vez mais aumentando. Mas, mesmo com todas estas notícias ruins, o ditador Nicolás Maduro parece ter conseguido melhorar a imagem de seu governo perante os próprios venezuelanos.
Uma pesquisa da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), da Venezuela, realizada em meados de setembro, mostrou que a confiança em Maduro surpreendentemente aumentou naquele mês, ultrapassando os 30% - há três meses estava em 17% - e sinalizando para o melhor momento do governo Maduro.
A explicação: confiança dos venezuelanos no plano econômico de Maduro, embora tenha sido muito criticado pela oposição e por especialistas internacionais, e o fato de que muitos não culpam o governo pela escassez de alimentos, mas sim os próprios comerciantes por “manipularem o mercado para conseguir altos lucros” - uma narrativa adotada pelo regime.
Neste cenário, as forças políticas passaram a dividir a população igualmente em três blocos, conforme apontou o jornal La Nación, citando a mesma pesquisa: 33% a favor de Maduro, 33% a favor da oposição e o restante da população que não se identifica com nenhum dos dois grupos.
Segundo Luis España, diretor da Ucab Ratio, empresa de pesquisa de opinião da Ucab, Maduro se recupera graças ao vazio da oposição. “Diante da retirada da oposição, a narrativa que se sobressai é a do governo. As pessoas compram a explicação do governo porque não escutam outras coisas”, disse España ao jornal argentino no início de outubro.
A ausência da oposição pode ser parcialmente explicada pela repressão do regime. Há dezenas de presos políticos e líderes de partidos da oposição que estão exilados e com um mandado de prisão contra si. Mais recentemente, a morte do vereador Fernando Albán na sede do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) tornou ainda mais perceptível a força repressiva de Maduro e seus militares contra qualquer um que ouse passar por seu caminho.
Mas o enfraquecimento da oposição no país não se resume a isso: segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a oposição está abatida e dividida, o que resulta na falta de uma liderança forte que poderia ser uma real ameaça para Maduro.
Em meados de outubro, um dos nomes mais conhecidos da oposição venezuelana, Henrique Capriles, um dos fundadores do partido Primero Justicia, disse que “existem opositores que só se dedicam a criticar internamente”, segundo reportagem do jornal venezuelano El Nacional. O presidente do Chile, Sebastián Píñera, falou em entrevista ao jornalista Andrés Oppenheimer, do Nuevo Herald (jornal diário em espanhol publicado na Flórida, Estados Unidos, pela mesma editora do Miami Herald), que há uma frustração entre os líderes latinoamericanos em relação à oposição.
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Isso ocorre, segundo Miguel Angel Latouche, doutor em Ciências Políticas e professor na Universidade Central de Venezuela, porque dentro da oposição há uma multiplicidade de vozes que apresentam ao país visões e posturas que se contradizem: alguns querem negar a existência do chavismo como fenômeno social, enquanto outros acreditam que o chavismo é mais fraco do que realmente é.
Professor de Negócios Globais na Faculdade Saint Mary's da Califórnia (EUA) e pesquisador da política venezuelana, Marco Aponte-Moreno explica que houve um momento, entre o fim de 2017 e início de 2018, em que essas diferenças se acentuaram. “Um setor da oposição foi a favor de se encontrar com o governo para tentar obter uma solução prática para o conflito. Outro setor disse que não valia a pena. No final houve divisões, as pessoas ficaram desapontadas e ficou claro que o governo só pediu o diálogo para ganhar tempo”.
O professor da Ucab e analista político, Benigno Alarcón, lembra também que um dos fatores determinantes para o enfraquecimento da oposição no país se deu logo após a realização de uma consulta popular, convocada pela Assembleia Nacional (de maioria opositora) em 16 de julho de 2017. Mais de 7 milhões de venezuelanos participaram e votaram para rechaçar a proposta de uma constituinte, para aprovar a renovação dos poderes públicos de acordo com a constituição e para que ocorressem eleições livres e transparentes. Porém, a esperança de tantas pessoas foi por água abaixo depois que a Assembleia Nacional Constituinte foi instaurada. Havia sinais claros de que a situação política, a partir de então só pioraria. Foi isso, segundo Alarcón, que fez com que a população perdesse a confiança na oposição. “A oposição levou para a consulta uma série de questões, mas ela não conseguiu implementar o que queria, mesmo com o apoio popular. Isso fez com que as pessoas, já castigadas pela crise, retirassem apoio à oposição”, conclui.
Como está organizada a oposição da Venezuela?
A oposição ao regime Maduro, hoje, é fragmentada.
Existem quatro partidos principais: o Primero Justicia, de centro-direita, o Acción Democrática e Un Nuevo Tempo, de centro-esquerda, e o Voluntad Popular, de centro. Também há opositores chavistas que até então eram associados com o governo, como o ex-prefeito de Caracas Juan Barreto e a ex-procuradora-geral da República Luisa Ortega Díaz, que está exilada na Colômbia.
“Esta diversidade de grupos não tem uma identidade ideológica comum, nem compartilham um projeto de país. Na realidade, seu único ponto de encontro gira em torno da retirada de Maduro do poder”, explica Latouche.
Alguns deles tentaram criar uma base de ações comum com a extinta MUD (Mesa da União Democrática) e mais recentemente com a Frente Ampla, que tentou incorporar setores da sociedade civil, mídia, universidades e setores da igreja. Mas os esforços parecem não ter dado certo. Segundo os especialistas, a oposição carece de estratégia. “Se apresentam respostas parciais [ para combater a ditadura de Maduro] que não conseguem causar dano suficiente ao chavismo”.
Também não há um líder popular forte, o que em crises anteriores no país foi essencial para resolvê-las. Alguns nomes se destacam, como Leopoldo López, que está em prisão domiciliar; Antonio Ledezma e Julio Borges, ambos no exílio; Henrique Capriles; Henry Falcón, que disputou as eleições presidenciais contra Maduro em maio; e a ex-deputada Maria Corina Machado, líder do partido de centro-direita Vente Venezuela que foi agredida na semana passada com pedras e paus enquanto realizava uma caminhada na cidade de Upata, no estado de Bolívar. Porém eles não possuem grande apoio popular que os qualifique a bater de frente com Maduro.
“Durante anos, a saída do governo, a ausência do presidente ou sua ilegitimidade foram profetizadas. O problema é que, na política, as declarações não são suficientes, é necessário que elas sejam acompanhadas de ideias que se concretizem em fatos específicos”, afirma Latouche.
Aparelhamento e repressão
Mas nem sempre foi assim. Prova disso foram as eleições legislativas de 2015, quando os partidos de oposição, sob a coligação MUD, conquistaram boa parte dos assentos da Assembleia Nacional (o poder legislativo na Venezuela segue o modelo unicameral): 112 dos 167 cargos em disputa.
Quando as eleições regionais de 2016 se aproximavam, temendo uma nova derrota, Maduro resolveu adiá-las para o segundo semestre do ano seguinte, sob protestos da oposição. A votação acabou acontecendo depois que o regime havia anulado os poderes da Assembleia Nacional, ao convocar uma Constituinte, e reprimido violentamente protestos contra o governo, resultando em dezenas de mortes. O resultado: dos 23 governos estaduais em disputa, os aliados de Maduro conquistaram 18. A MUD apresentou uma nota denunciando diversas irregularidades durante o processo.
“[Desta maneira] se acabou a pouca confiança que havia no sistema”, afirmou Aponte-Moreno.
Posteriormente isso acabou dividindo os opositores de Maduro quanto às eleições presidenciais de 2018. Quando o ditador anunciou que iria adiantar a votação de dezembro para abril, parte deles optou por não concorrer ao pleito para não legitimar a já antecipada reeleição, enquanto outros estavam impedidos pela Comissão Nacional Eleitoral de participar. Henri Falcón, ex-chavista, contrariou a orientação da MUD e lançou sua candidatura. As eleições ocorreram em 20 de Maio e ele acabou com apenas 21% dos votos, enquanto Maduro obteve 67,7% dos votos válidos em um processo não reconhecido pelo próprio Falcón e por organizações internacionais, como o Grupo de Lima e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
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“Vale ressaltar que na Venezuela a oposição política está terminando porque o regime de Maduro decidiu acabar com a oposição. É uma política de Estado, da ditadura”, afirma Aponte-Moreno.
Hoje em dia, esta fragmentação está refletida nos protestos. Na metade do ano passado, o mundo acompanhou manifestações massivas contra Maduro. Em maio, mais de 200 mil pessoas saíram às ruas em todo o país contra o regime em uma tentativa de demonstração de força da oposição a Maduro. Só em Caracas foram 160 mil. Grandes protestos continuaram pelo menos até julho, mas a reação violenta do regime, que causou mais de 100 mortes, junto de uma forte crise econômica que tornou a busca por comida uma prioridade dos venezuelanos, foram minguando o movimento geral.
O que se vê agora são pequenos protestos com demandas diferentes. Para se ter uma ideia da estratificação, apenas em setembro foram registradas 983 manifestações no país, segundo o Observatório Venezuelano de Conflito Social (OVCS), o que equivale a 33 por dia. O foco dos protestos não é mais a retirada de Maduro do poder, mas sim assuntos locais que têm grande impacto no cotidiano dos venezuelanos, como a falta de água, de energia elétrica e de gás, ou reivindicações de classes, como aposentados, médicos e professores.
“Agora, tanto a repressão como o uso dos tribunais para criminalizar o protesto desencorajaram as manifestações de massa”, lembra Letuche.
A oposição tem uma parcela de culpa no caos que se tornou a Venezuela?
A resposta a esta pergunta pode ter duas respostas diferentes, dependendo da maneira como ela é analisada. Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que de maneira alguma a oposição tem culpa pela crise econômica e social do país. “Não acho que a oposição seja a culpada pelo caos que a Venezuela se tornou. A culpa reside principalmente nas más políticas econômicas, corrupção e autoritarismo do regime Nicolás Maduro”, diz Aponte-Moreno.
Alarcón concorda, mas lembra que a oposição tem, sim, responsabilidade por não ter sido capaz de articular seus esforços para levar adiante uma estratégia eficiente de redemocratização do país. “Tem culpa em não ter sido eficiente em sua estratégia de oposição e de fazer o país voltar a ser uma democracia, uma responsabilidade imensa que basicamente se explica pela própria composição da oposição. Mas ela não tem nenhuma culpa quanto às decisões em matérias de políticas públicas tomadas pelo governo”, diz Alarcón.
Os três analistas convergem para uma possível saída: a união e o cultivo de uma liderança forte.
“Ter muitas lideranças na oposição é o equivalente a não ter nenhuma. Enquanto se mantenha um conflito dentro da oposição vai ser praticamente impossível que se tenha a redemocratização. Algo fundamental em qualquer processo de transição democrática é a presença de um líder claramente identificado que possa levar adiante esse processo”, diz Alaracón.
Latuche conclui que “é essencial redefinir ideologicamente o conteúdo da estrutura partidária da oposição e a partir daí reinventar o conteúdo da mensagem política. Acredito que na Venezuela somos todos culpados por ação ou omissão, muito poucos estão livres de pecado”.