O mulá Abdul Ghani Baradar, um dos fundadores do Talibã que foi libertado de uma prisão no Paquistão há três anos a pedido dos EUA, voltou ao Afeganistão após o colapso de Cabul e declarou vitória do grupo fundamentalista islâmico após duas décadas de conflito.
Baradar é a face mais pública do Talibã e provavelmente será anunciado como o próximo presidente do Afeganistão. Chefe do gabinete político do grupo em Doha, no Qatar, Baradar está logo abaixo de Mawlawi Akhundzada, o comandante supremo do Talibã desde 2016 e sua principal autoridade política, religiosa e militar.
Ele nasceu em 1968, na província afegã de Uruzgan e cresceu em Kandahar, a terra natal do Talibã. Nos anos 1980, foi parte dos mujahideen que lutaram contra a invasão soviética no Afeganistão.
Em meio à guerra civil que seguiu a retirada soviética, Baradar fundou o Talibã ao lado de seu cunhado Mohammed Omar, em 1994. Ele fazia parte do governo afegão durante o regime talibã, e se tornou um importante estrategista militar do grupo, que comandou o Afeganistão até 2001, quando o regime foi derrubado por tropas comandadas pelos EUA. Baradar ocupava o cargo de vice-ministro da Defesa quando foi removido do poder.
Liberado da prisão a pedido dos EUA
Após a queda do Talibã, Baradar viveu escondido, e diz-se que ele se manteve ativo na liderança do grupo no exílio. A sua reputação era a de um líder militar poderoso e operador político discreto.
Baradar foi preso em 2010 em uma operação conjunta entre Estados Unidos e Paquistão. No entanto, foi libertado em 2018, a pedido do governo do presidente americano Donald Trump, deixando a prisão no Paquistão e se transferindo para o Qatar. O enviado de Trump ao Afeganistão, Zalmay Khalilzad, pediu que Baradar fosse solto para que pudesse liderar as negociações de paz.
Em seguida, foi apontado chefe do gabinete político do Talibã no Qatar – que havia sido instalado em 2013, a pedido dos EUA para facilitar negociações de paz – e supervisionou a assinatura do acordo com os EUA, em Doha, em fevereiro de 2020, que previa a retirada das tropas americanas do Afeganistão. Em troca, o Talibã prometeu não usar o país asiático como base para ataques contra os EUA ou os seus aliados.
Volta ao Afeganistão
Abdul Ghani Baradar chegou ao Afeganistão nesta terça-feira (17), após declarar o fim da guerra e a vitória do grupo, o que representa a primeira viagem oficial de um líder talibã ao país desde a queda do regime insurgente em 2001.
Depois de deixar Doha com uma delegação dos talibãs, Abdul Ghani Baradar "chegou no final da tarde ao aeroporto de Kandahar, no Afeganistão", informou o porta-voz político do grupo, Naeem Wardak, no Twitter.
O líder político foi recebido em Kandahar por "unidades especiais de protocolo", segundo antecipou um integrante do setor da imprensa talibã, Muhammad Jalal.
Esta é, aparentemente, a primeira vez desde a queda do regime talibã com a invasão americana, em 2001, que uma delegação de alto nível do grupo viaja ao Afeganistão. Também é significativo que o primeiro destino não seja Cabul, mas Kandahar, o berço do movimento.
Vitória dos talibãs
A viagem ocorre um dia após o próprio mulá Baradar ter declarado o fim da guerra afegã com a vitória dos rebeldes, um feito inesperadamente rápido que foi concluído no domingo, com a fuga do presidente afegão, Ashraf Ghani, e a tomada do poder sem derramamento de sangue em Cabul.
"Conseguimos uma vitória que não era esperada. Devemos mostrar humildade perante Alá", disse o ex-número dois do movimento rebelde em mensagem de vídeo, a primeira declaração pública de um líder talibã após a conquista do país.
Baradar se referiu a este momento histórico após a vitória insurgente como "o momento da prova". "Agora trata-se de como servimos e protegemos o nosso povo, e como asseguramos o seu futuro, para proporcionarmos uma boa vida da melhor forma possível", acrescentou.
Tomada de Cabul
Os talibãs tomaram o controle de Cabul no domingo, depois de os seus combatentes terem entrado na capital sem encontrar resistência, com quase todas as províncias sob controle.
Desde então, os talibãs têm procurado mostrar que ninguém precisa temer a sua ascensão ao poder, e têm insistido no discurso de que vão perdoar todos os afegãos que trabalharam ao lado dos "invasores" ou do governo afegão durante os 20 anos de guerra.
No segundo dia de Cabul sob controle insurgente, a cidade começou a acordar timidamente, com o trânsito a voltando na capital e algumas lojas abertas, enquanto a população continua a temer a intenção final dos talibãs.