Uma série de circunstâncias levou o deputado Juan Guaidó, que acaba de se declara presidente interino da Venezuela, a assumir o papel de principal opositor de Nicolás Maduro dentro da Venezuela em um momento em que o ditador começa um segundo mandato, o qual não foi reconhecido por grande parte da comunidade internacional - incluindo Brasil, Estados Unidos e União Europeia.
Em 5 de janeiro, Guaidó, aos 35 anos, foi empossado como presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, se tornando um dos mais jovens a ocupar esta posição. Em seu primeiro discurso, chamou Maduro de “usurpador”, declarou que o legislativo não reconhecerá a legitimidade de um segundo mandato e afirmou que será criado um órgão de transição para “restituir a ordem constitucional, renovar e designar” o que ele chamou de “poderes usurpados”.
Naquele momento, Guaidó não tinha dado detalhes de como isso seria feito, e era até difícil especular, porque desde 2016 a Assembleia Nacional não tem poder algum, tendo sido suprimida pelo judiciário do país, dominado por chavistas. Mas o fato é que, com o novo líder, o parlamento vê uma oportunidade para restaurar a democracia na Venezuela - uma esperança que também provém de pressão internacional ao regime. Guaidó, um nome pouco conhecido até então, parece estar no lugar certo e na hora certa para liderar esta empreitada e, quem sabe, entrar para história.
As circunstâncias
Assim que a oposição conquistou a maioria das cadeiras da Assembleia Nacional, nas eleições legislativas de dezembro de 2015, os partidos do bloco firmaram um acordo de alternância, o qual garantia a representação de todas as siglas na direção da Casa durante os cinco anos do mandato. Para 2019, o quarto ano portanto, já estava acertado que a presidência seria ocupada pelo partido Voluntad Popular, do qual Guaidó faz parte. Mas essa foi apenas uma das circunstâncias que o alçaram ao cargo.
Soma-se a isso o fato de que os principais líderes do Voluntad Popular estão impossibilitados de exercer a política em seu país. Leopoldo López, fundador do partido e um dos principais opositores de Maduro, está em prisão domiciliar desde 2014, acusado de incitar violência nos protestos daquele ano, quando morreram 43 pessoas. Carlos Vecchio, outro nome conhecido no partido, foi acusado dos mesmos crimes, mas conseguiu fugir e hoje vive em exílio nos Estados Unidos.
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Por fim, Freddy Guevara, que já foi vice-presidente da Assembleia Nacional, está refugiado na residência do embaixador chileno em Caracas desde novembro de 2017, perseguido pelos chavistas por ter sido um dos líderes nos protestos contra Maduro naquele ano.
Quem é Guaidó, afinal?
A liderança, então, caiu nas mãos de Juan Guaidó, um engenheiro industrial com mestrado em administração pública que em 2015 foi eleito deputado pelo estado de Vargas (próximo a Caracas). Antes, em 2010, havia sido eleito como deputado suplente.
Na Casa legislativa, Guaidó foi vice-presidente da Comissão Permanente de Política Interior, em 2016, e no ano seguinte assumiu a presidência da Comissão Permanente de Controladoria. Nesta última posição, segundo relatou o jornal argentino La Nacion, Gauidó foi um dos principais investigadores e expositores do escândalo de corrupção envolvendo o governo Maduro e a construtora brasileira Odebrecht. Seus colegas de partido o definem como um centrista. Para Maduro, ele está à direita do espectro político.
Sua carreira política teve início em 2007, quando se tornou um dos principais líderes do movimento estudantil que protestava contra um referendo proposto pelo então presidente Hugo Chávez, que visava alterar 69 artigos da Constituição de 1999. Dois anos depois, ele se juntou a Leopoldo López e outros jovens para fundar o Voluntad Popular.
Em 1999, quando ainda era adolescente, Guaidó sobreviveu a um episódio que ficou conhecido como “tragédia de Vargas”. Naquele ano, chuvas e inundações que atingiram o estado deixaram milhares de mortos e desaparecidos, um dos piores desastres naturais na história da Venezuela. Hoje ele é casado com Fabiana Rosales, com quem tem uma filha de um ano chamada Miranda.
Apoio internacional
Logo após Guaidó se declarar presidente interino da Venezuela, Bolsonaro o reconheceu como líder da Venezuela. No Twiter, Bolsonaro afirmou que o Brasil “apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à Venezuela”.
O presidente dos EUA, Donald Trump, também reconheceu oficialmente Juan Guaidó como presidente interino. Em comunicado, Trump afirma que, fazendo uso de seu posto "legítimo" eleito pelo povo venezuelano, a Assembleia Nacional invocou a Constituição local para declarar o presidente Nicolás Maduro como "ilegítimo", o que deixaria a presidência vaga. "O povo da Venezuela tem se pronunciado de modo corajoso contra Maduro e seu regime e exigido liberdade e o Estado de Direito", afirma a nota da Casa Branca.
O governo do Canadá também anunciou que reconhece o líder Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.
Mas antes, desde que assumiu a presidência da Assembleia Nacional, Guaidó já tinha recebido mensagens de apoio de lideranças regionais, como o presidente da Colômbia, Iván Duque, o presidente da Argentina, Maurício Macri, o governo canadense, o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
“Hoje mantive um diálogo com o @jguaido (Juan Guaidó), o novo presidente da Assembleia Nacional da Venezuela. Expressei nosso apoio à restauração da democracia no país vizinho. Colômbia e o Grupo Lima acompanham nossos irmãos venezuelanos para sair da opressão da ditadura”, tuitou Duque.
Na época, os Estados Unidos também comemoram a posse do novo Conselho Executivo da Assembleia Nacional da Venezuela, liderado por Guaidó, e afirmaram que a Assembleia Nacional é a única e última instituição legítima, democraticamente eleita, que realmente representa a vontade do povo venezuelano.
“Essa transição democrática é uma confirmação poderosa da unidade e compromisso da Assembleia Nacional com o povo venezuelano, acima de todas as preocupações pessoais e políticas”, declarou o Departamento de Estado dos EUA.
O que Maduro está achando disso tudo? Que “o tal Guaidó é um fantoche, um agente dos gringos”. Em 6 de janeiro, o ditador disse, em cadeia nacional de televisão, que a Assembleia Nacional é completamente inútil e que “pretende mais uma vez fazer um show de destituição do presidente legítimo, usurpando a soberania popular”, referindo-se à decisão da Casa em nao reconhecer o seu novo mandato.
O discurso do ditador dá o tom do que Guaidó e toda a oposição terão de enfrentar (ou, melhor dizendo, continuar enfrentando). “Ser dirigente da oposição na Venezuela pode levar à morte”, disse Guaidó em entrevista ao La Nacion, citando o vereador Fernando Albán, morto sob a custódia do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) - um caso de suicídio segundo o regime chavista
Ainda em entrevista ao diário argentino, Guaidó afirmou que em 10 de janeiro, dia da posse de Nicolás Maduro, se iniciava um novo período constitucional em que a Venezuela não terá um presidente eleito. “Estamos em uma situação de força e não de direito. Não há Estado de Direito no meu país, o desfizeram paulatinamente”, disse. “Acredito que o trabalho do Parlamento é construir forças e condições para lograr uma transição na Venezuela”.
Fonte: agências internacionais