Depois de 11 semanas sem governo, os partidos que conquistaram a maioria do parlamento italiano nas eleições de março, Liga e Movimento 5 Estrelas (M5S), chegaram a um consenso sobre o nome que assumirá a posição de primeiro-ministro do país: Giuseppe Conte, um ilustre desconhecido na política italiana - até agora.
Com 54 anos, o advogado e professor de direito administrativo na Universidade de Florença, sem dúvida, possui um currículo invejável: se formou na Universidade La Sapienza, em Roma, e mais tarde estudou em Yale, Sorbonne e Cambridge.
À parte disso, pouco se sabe sobre suas ideias políticas. A chefe de Conte na Universidade de Florença, Patrizia Giunti, disse ao Washington Post que o futuro premiê conquistou o status de professor efetivo há dez anos e dedicou atenção ao comportamento corporativo e à responsabilidade social. Ela alegou também que Conte é amistoso e generoso, mas disse que nunca havia falado com ele sobre suas opiniões políticas.
Há não muito tempo, em 2013, Conte havia sido convidado pelo M5S para ser membro do órgão de Justiça Administrativa — o que ele recusou “por honestidade intelectual”, já que não era simpatizante do movimento, segundo lembrou o jornal Il Fatto Quotidiano. Na campanha eleitoral, ele explicou que acabou mudando de ideia e se filiando ao partido por causa da “lógica do espírito de serviço”, segundo noticiou o diário online português Observador. “Estou particularmente empenhado em objetivos ambiciosos: simplificar as relações entre a administração pública e os cidadãos e disseminar a cultura da legalidade. E respeitar o artigo 54 da Constituição, onde se afirma que os responsáveis pelas funções públicas têm a obrigação de cumpri-los com disciplina e honra”, disse Conte, apelidado por Luigi Di Maio, líder do M5S, como “o desburocrata”.
"Estou muito orgulhoso desse nome", disse Di Maio à imprensa ao anunciar Conte como o escolhido para o cargo de primeiro-ministro. Para ele, Conte é um "empreendedor" que representa uma "síntese" do partido antissistema M5S e da Liga, de extrema-direita.
Para o professor de Política da Universidade de Salford e diretor do Consórcio Europeu de Pesquisa Política, Martin J. Bull, a escolha de Conte para primeiro-ministro se deu, provavelmente, pelo fato de ele não ter experiência política alguma. “Em outras palavras, [essa escolha] evita que uma das partes [Liga e M5S] tenha vantagem sobre a outra, e isso significa que é provável que ele seja fraco em relação aos líderes partidários”, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo.
Bull explicou também que é tradição na Itália que os primeiros-ministros não estejam subordinados a seus partidos e sejam capazes de estabelecer bases de poder independentes. “É claro que a Liga e a M5S não querem isso”, apontou, afirmando ainda que o novo primeiro-ministro provavelmente será, em grande parte, um tecnocrata que implementa os desejos de uma coalizão política. “É difícil imaginar como ele poderia estabelecer qualquer tipo de base de poder independente dos seus dois mestres políticos”.
Vice-diretor da Escola de Governo da Universidade Internacional Livre de Estudos Sociais em Roma, Giovanni Orsina, segue a mesma linha de Bull. "Acho que [a escolha dele] é o resultado final de circunstâncias absolutamente bizarras: dois líderes fortes e muito visíveis vetando um ao outro", disse Orsina ao Post.
A seleção do primeiro-ministro ainda enfrentará várias etapas antes que se torne definitiva. O novo governo e seu líder devem receber a aprovação do presidente italiano, Sergio Mattarella. Conte também deve ganhar um voto de confiança do parlamento.
O novo plano de governo da Itália
Além do nome do futuro premiê da Itália, Liga e M5S divulgaram recentemente o plano de governo da base. A plataforma, segundo Matteo Salvini, líder da Liga, "coloca a Itália no centro — os italianos primeiro lugar".
Os principais pontos do documento, chamado de “Contrato por um Governo de Mudança”, são: uma política de imigração muito mais rígida, que, segundo Bull, é especialmente orientada contra imigrantes ilegais, refugiados e comunidade muçulmana; uma política fiscal e econômica expansionista, não devidamente especificada, mas há rumores de um estímulo fiscal de 100 bilhões de euros; uma mudança na política tributária e de renda, com renda básica universal e imposto fixo para indivíduos e empresas; uma reversão de mudanças anteriores na política previdenciária; a diminuição da burocracia e extinção de leis "desnecessárias"; e uma abordagem eurocética.
A plataforma inclui também uma pedido para suspender as sanções contra a Rússia e lançar uma série de programas de gastos e cortes de impostos destinados a impulsionar o crescimento lento da Itália.
“Deve-se salientar que os principais pontos do documento provavelmente não definirão o que será o governo italiano nos próximos cinco anos. Raramente os acordos políticos são realmente colocados em prática (pelo menos, da maneira que prometem) e raramente os governos italianos duram cinco anos”, declarou Bull.
Preocupações da UE
Não houve, no momento, declaração de intenção de deixar a União Europeia. Mas as propostas apresentadas pelos dois grupos na sexta-feira (18) preocupam a União Europeia, especialmente na área econômica. A dívida interna da Itália, segundo a Comissão Europeia, é 132% do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, ultrapassa o dobro do limite de 60% originalmente estabelecido no Tratado de Maastricht, assinado em 1992 pelos membros da União Europeia. As políticas expansionistas do governo ameaçam aumentar ainda mais esse número.
“A dívida pública da Itália tem sido subsidiada pelo Banco Central Europeu, que compra seus títulos, mas uma vez que o programa de compra de títulos termine, os custos de reembolso de novos créditos para a Itália no mercado de títulos podem subir significativamente”, explicou Bull.
Para muitos na União Europeia, o novo governo italiano tem propostas que vão de encontro às reformas que estão sendo consideradas no bloco para tornar o setor bancário mais robusto, estabelecendo limites para a quantidade de dívida de uma única nação que um banco poderia deter.
Políticos franceses e alemães já estavam alertando que a estabilidade financeira da zona do euro poderia ser ameaçada se um governo populista violasse os compromissos de déficit da Itália. "Se o novo governo correr o risco de não respeitar seus compromissos de dívida e de consolidação bancária, toda a estabilidade financeira da zona do euro será ameaçada", disse o ministro de Finanças da França, Bruno Le Maire.
No entanto, Salvini, da Liga, rejeitou as preocupações. "Eles não têm com o que se preocupar. O governo que queremos formar quer fazer com que a Itália cresça e crie empregos, para trazer empresas que invistam no nosso país, para tornar o trabalho mais estável", disse.
No longo prazo, há uma preocupação, segundo Bull, de que o governo italiano proponha a saída da zona do Euro, o que estava previsto no acordo original entre os dois partidos, mas que posteriormente foi retirado do plano de governo.
"A classe política tradicional está basicamente dividida completamente na Itália", disse Josef Janning, chefe do escritório de Berlim do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "O país está em estado de confusão e agora passou para as mãos daqueles que têm pouco respeito pelas normas”.