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Mohammed Khalifa, a Canadian citizen who says he is the narrator of multiple English-language Islamic State videos, at an office near the detention facility where he is being held by American-backed militia in northern Syria, Feb. 5, 2019. For years, an anonymous narrator extolled the Islamic State’s brutality in videos seen around the world. “I don’t regret it,” Khalifa says. (Ivor Prickett/The New York Times)
Mohammed Khalifa, a Canadian citizen who says he is the narrator of multiple English-language Islamic State videos, at an office near the detention facility where he is being held by American-backed militia in northern Syria, Feb. 5, 2019. For years, an anonymous narrator extolled the Islamic State’s brutality in videos seen around the world. “I don’t regret it,” Khalifa says. (Ivor Prickett/The New York Times)| Foto: NYT

Mais de quatro anos atrás, o FBI pediu ajuda ao público para identificar o narrador de um dos vídeos mais conhecidos do Estado Islâmico, aquele que mostra soldados sírios cavando as próprias sepulturas e depois sendo alvejados na cabeça.

Falando inglês fluente com sotaque norte-americano, o homem emprestou a voz para inúmeros clipes e transmissões de rádio, servindo como o "catequizador" sem rosto do grupo terrorista para norte-americanos e outros anglófonos interessados em assimilar sua ideologia tóxica.

Pois agora um cidadão canadense de 35 anos, que estudou em Toronto e já trabalhou em uma companhia contratada pela IBM, alega ser o narrador anônimo.

Mohammed Khalifa, capturado na Síria em janeiro por uma milícia com o apoio dos EUA, confessou, em sua primeira entrevista, ser a voz do vídeo de 2014, conhecido como "Chamas da Guerra". Ele se descreve como um simples integrante do Ministério de Imprensa do EI, a unidade responsável pela divulgação de imagens brutais, como a decapitação do jornalista norte-americano James Foley e a incineração de um piloto jordaniano.

"Não, não me arrependo. Meus interrogadores me perguntaram a mesma coisa e respondi da mesma forma", afirmou Khalifa, preso no nordeste da Síria.

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Magro e pequenino, sorrindo de vez em quando durante a conversa de mais de uma hora com o "The New York Times", Khalifa contou que imigrou ainda menino da Arábia Saudita para Toronto, no Canadá, onde aprendeu a falar praticamente como o pessoal local. E também que estudou computação e trabalhou para uma empresa terceirizada antes de ir para a Síria, atraído para o campo de batalha graças aos vídeos que viu no YouTube.

  • Mohammed Khalifa, a Canadian citizen who says he is the narrator of multiple English-language Islamic State videos, at an office near the detention facility where he is being held by American-backed militia in northern Syria, Feb. 5, 2019. For years, an anonymous narrator extolled the Islamic State’s brutality in videos seen around the world. “I don’t regret it,” Khalifa says. (Ivor Prickett/The New York Times)
  • Mohammed Khalifa, a Canadian citizen who says he is the narrator of multiple English-language Islamic State videos, at an office near the detention facility where he is being held by American-backed militia in northern Syria, Feb. 5, 2019. For years, an anonymous narrator extolled the Islamic State’s brutality in videos seen around the world. “I don’t regret it,” Khalifa says. (Ivor Prickett/The New York Times)
  • Muhammed Ali, a captured fighter for the Islamic State who helped identify the English-speaking narrator of some of the group's films, at an office near the detention facility where he is being held by American-backed militia in northern Syria, Jan. 31, 2019. For years, an anonymous narrator extolled the Islamic State’s brutality in videos seen around the world. “I don’t regret it,” the Canadian captured in Syria says. (Ivor Prickett/The New York Times)
  • Mohammed Khalifa, a Canadian citizen who says he is the narrator of multiple English-language Islamic State videos, at an office near the detention facility where he is being held by American-backed militia in northern Syria, Feb. 5, 2019. For years, an anonymous narrator extolled the Islamic State’s brutality in videos seen around the world. “I don’t regret it,” Khalifa says. (Ivor Prickett/The New York Times)
  • The road leading to the village of Baghuz, Syria, where fighters from the Islamic State were holding on to their last sliver of territory, Feb. 11, 2019. For years, an anonymous narrator extolled the Islamic State’s brutality in videos seen around the world. “I don’t regret it,” the Canadian captured in Syria says. (Ivor Prickett/The New York Times)

Para os especialistas em terrorismo, é difícil não exagerar o papel que sua narração em inglês, feita de forma tão natural, desempenhou na propagação da ideologia aos angloparlantes, inclusive atraindo gente para a causa.

"A voz dele é simplesmente a mais reconhecível no material em inglês do EI", afirma Charlie Winter, pesquisador e membro do Centro Internacional para Estudo da Radicalização do King's College de Londres.

Um funcionário do governo dos EUA confirmou ao "The Times" que Khalifa era, de fato, o narrador.

Cartilha para recrutas

A divulgação do vídeo "Chamas da Guerra", em 19 de setembro de 2014, foi um marco na história do grupo, ocorrendo menos de três meses após a fundação do califado. Até então, haviam sido publicados vídeos mais curtos e menos ambiciosos.

Filmado em parte por um dos integrantes do grupo com uma câmera GoPro, o clipe de 55 minutos foi o primeiro a criar uma experiência imersiva, mostrando um soldado cavando a trincheira antes de uma operação, fazendo a vigilância e depois se engajando e vencendo o inimigo. E, por ter sido narrado em inglês, tornou-se cartilha básica para recrutas na Austrália, Grã-Bretanha e América do Norte, segundo Winter.

Para Khalifa, foi o início de uma carreira prolífica. O conjunto de seu trabalho de narração – que, acredita-se, inclui dezenas de clipes de áudio e vídeo – serve de amostragem da propaganda mais influente feita pelo EI em inglês.

"Ele é um símbolo, a voz do EI, falando diretamente ao mundo anglófono, há pelo menos quatro ou cinco anos", comenta Amarnath Amarasingam, pesquisador de destaque de Toronto que estuda a radicalização no Canadá.

Khalifa é hoje mais um entre centenas de integrantes do EI, de aproximadamente 50 países, presos no norte da Síria, cujas mulheres e filhos estão em acampamentos, livres para ir e vir dentro de seus domínios, mas impossibilitados de sair. Ele diz que se casou no califado e tem dois filhos, mas não diz onde estão atualmente.

O Canadá é uma das muitas nações relutantes em receber seus cidadãos de volta, pois teme que as evidências do campo de batalha sejam consideradas inadmissíveis em tribunal, dificultando assim que sejam julgados.

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Um mês após sua captura, o futuro de Khalifa permanece incerto. Ele diz que ainda não recebeu a visita das autoridades canadenses nem assistência consular. A Real Polícia Montada do Canadá se recusou a comentar a prisão, como também o Ministério das Relações Exteriores e o FBI.

Em declaração televisionada após sua captura pelas Forças Democráticas Sírias, Khalifa se identificou como combatente do EI, cujo nome seria Mohammed Abdullah Mohammed, seguindo a convenção árabe de colocar o primeiro nome seguido pelos do pai e do avô. E admitiu atacar a milícia curda local, mas não comentou seu papel de narrador.

O breve depoimento foi suficiente para que os analistas reconhecessem sua voz, embora alguns oficiais dentro do grupo tenham dito que, a princípio, ele negou a função.

Formação no Canadá

Na conversa que teve com o "The Times", Khalifa falou na presença de dois agentes carcerários curdos, que registraram o diálogo, mas não interferiram. E esclareceu que seu nome oficial é Mohammed Khalifa, detalhe confirmado por Amarasingam, que mantém contato com um de seus amigos de infância no Canadá. Khalifa minimizou sua importância no grupo e insiste no fato de não ter aparecido fisicamente em nenhum dos vídeos de execução, tendo feito apenas a narração posterior – alegação que não pôde ser confirmada imediatamente, uma vez que todos os algozes aparecem de máscara.

Disse ter nascido em Jidá, na Arábia Saudita, de pais descendentes de etíopes, ser formado em computação pelo Seneca College, em Toronto, e ter tido uma carreira de pouco destaque como técnico de TI para várias empresas, incluindo a Kelly Services, que trabalha para a IBM. A multinacional não respondeu imediatamente ao nosso pedido de comentário.

Por telefone, a Kelly Services confirmou que contou com os serviços de Mohammed Khalifa de maio de 2009 a abril de 2010, em Markham, Ontário. A faculdade também não quis comentar.

Em 2013, Khalifa já assistia às palestras online do propagandista da al-Qaeda, Anwar al-Awlaki, que o convenceu da necessidade de um jihad – mas foi um vídeo no YouTube, semelhante aos que mais tarde ele próprio narraria, que o ajudou a se decidir de vez. Nele, aparecia um grupo de militantes britânicos falando inglês na frente de batalha na Síria, o que lhe deu a certeza de que se encaixaria ali.

Ele disse ter chegado à Síria em 2013, a princípio como parte da Brigada Muhajireen wal Ansar, liderada por Omar al-Shishani, militante georgiano que se tornaria o ministro da Guerra do EI. A unidade jurou fidelidade ao Estado Islâmico nesse mesmo ano. Antes da instauração do califado, em 2014, Khalifa afirma que já tinha começado a trabalhar no ministério de Comunicações da organização, um de seus órgãos mais importantes.

O início foi como tradutor, ajudando a verter o material em árabe para o inglês, antes de ser convidado para a narração. Quando perguntei em quais vídeos atuou, de cara se recusou a responder, mas depois disse, em voz baixa, que eram basicamente todos como "Chamas da Guerra".

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Khalifa revela que quando foi preso, em janeiro, já tinha deixado a unidade de imprensa e usava um fuzil Kalashnikov para defender o EI; autoridades das Forças Democráticas Sírias afirmam que ele tentou atacar suas posições. Ele descreve a ação, afirmando que se aproximou de um casarão e entrou quando os soldados estavam no andar superior.

Após a troca de tiros, foi deixado sozinho, ferido. Os vídeos que narrara, cheios de bravata, representam um grupo que jurou nunca desistir – mas, depois de mais de seis anos na zona de guerra, Khalifa confessa ter feito algo que jamais achou possível.

"Eu estava exausto, minha munição tinha acabado. Ficaram pedindo que eu me rendesse, então joguei minha arma no chão", conclui.

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