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Rolando José Álvarez Lagos, 55 anos, já era um símbolo da resistência da Igreja Católica e da sociedade da Nicarágua contra a ditadura sandinista.
Nesta sexta-feira (19), essa simbologia ganhou ainda mais força: após muitas hostilidades por parte do regime do ditador Daniel Ortega, Álvarez e outras sete pessoas foram presos pelas autoridades nicaraguenses na sede episcopal de Matagalpa, no centro-oeste do país.
Ortega considera que bispos e padres apoiaram manifestações que pediram sua saída em 2018, protestos que foram reprimidos com extrema violência, resultando em mais de 300 mortes.
Neste ano, o ritmo da perseguição contra a Igreja aumentou: antes da prisão de Álvarez, o regime sandinista havia expulsado do país o núncio apostólico Waldemar Stanislaw Sommertag, prendido três padres, fechado oito emissoras de rádio católicas, retirado três canais católicos da programação da televisão por assinatura e invadido uma paróquia, de onde foram expulsas 16 freiras missionárias da ordem Madre Teresa de Calcutá.
A irmã mais velha de Álvarez, Vilma, relatou à revista Magazine, do jornal La Prensa, que seu irmão, nascido na capital Manágua, mostrou vocação para o sacerdócio desde cedo: criança, ele reunia a família em casa para celebrar a missa e chamava a si mesmo de padre Miguel.
Ainda de acordo com o relato de Vilma, Álvarez se recusou a cumprir o serviço militar obrigatório da ditadura sandinista na década de 1980. Chegou a ser preso “duas ou três vezes” e a casa da família foi revistada. Para fugir da perseguição, viveu um tempo como refugiado na Guatemala.
Álvarez teve uma namorada e chegou a cogitar casamento, mas o chamado da Igreja foi mais forte: em dezembro de 1994, aos 28 anos, foi ordenado sacerdote na Catedral de Manágua. Em 2011, assumiu a Diocese de Matagalpa.
O bispo entrou na mira da ditadura sandinista em 2018, quando a Igreja tentou intermediar o diálogo entre Ortega e oposicionistas. À época, Álvarez afirmou que não havia “outro caminho” a não ser “a democratização da República da Nicarágua”.
Sua posição como liderança social contra a repressão ganhou força este ano: em maio, Álvarez denunciou a perseguição contra a Igreja e anunciou que faria um jejum por tempo indeterminado em protesto.
No início de agosto, quando o bispo denunciou que havia sido retido na sua cúria por forças policiais sem saber o motivo, juntamente com seis sacerdotes e seis leigos, uma cena emblemática: após policiais impedirem a entrada de paroquianos e dos assistentes de Álvarez na diocese para receber a eucaristia, o monsenhor se ajoelhou na calçada e levantou as mãos para o céu, uma imagem que viralizou nas redes sociais.
Quando o chefe da polícia departamental de Matagalpa, Sergio Gutiérrez, pediu ao bispo para cooperar, Álvarez respondeu: “Quem não coopera é você”.
“A polícia diz que somos nós que causamos tumulto. Mas foram eles que cercaram a rua da cúria, são eles que estão à porta da minha casa e não deixam as pessoas entrar”, declarou.
Nesta sexta-feira, ocorreram a prisão de fato e a transferência para Manágua, sob a acusação de que Álvarez teria tentado “organizar grupos violentos”, alegadamente “com o objetivo de desestabilizar o Estado nicaraguense e atacar as autoridades constitucionais”, sem que nenhuma prova fosse apresentada.
Quando foi retido na cúria, o bispo já havia manifestado que o seu protesto não admitia ódio contra os opressores: ele rezou “também por aqueles que nos mantêm retidos, continuamos pedindo ao Senhor que abençoe suas vidas, seus casamentos, suas famílias, seus empregos, que o Senhor abençoe sua comida, seus passos”.
Porém, também pediu aos fiéis católicos que “mantenham viva a esperança, permaneçam fortes no amor e vivam na liberdade dos filhos de Deus, sabendo que o Senhor cumprirá sua palavra: o Senhor restaurará a Nicarágua”.