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Sahra Wagenknecht, nascida em 16 de julho de 1969 na cidade de Jena, ainda na antiga Alemanha Oriental, é atualmente uma das figuras mais controversas da política europeia.
Com uma trajetória marcada por sua militância à extrema-esquerda e, mais recentemente, pela criação de seu próprio partido, Wagenknecht tem se consolidado nos últimos meses como uma voz crítica dentro do espectro político da Alemanha, especialmente nas discussões sobre imigração, economia e a guerra na Ucrânia.
Filha de mãe alemã e pai iraniano, Wagenknecht, de 55 anos, cresceu sob o regime socialista da República Democrática da Alemanha (RDA). Desde muito jovem, mostrou inclinação para o pensamento filosófico e político de esquerda, matriculando-se em 1990 nos cursos de Filosofia e Literatura Alemã Moderna. Ela passou por três universidades diferentes (das cidades de Jena, Berlim e Groningen) até concluir sua graduação. Após este período, em 1996, concluiu um mestrado na Alemanha, com uma tese sobre a interpretação de Hegel por Karl Marx, passando a se destacar como uma estudiosa do marxismo. Anos depois, em 2012, ela terminou um doutorado em economia.
Desde 2009 Wagenknecht é membro do Bundestag, o Parlamento alemão. Sua carreira política, contudo, começou em 1989, poucos meses antes da queda do Muro de Berlim, quando ingressou no Partido Socialista Unificado, a legenda comunista que comandava o então regime do país europeu. Após a reunificação da Alemanha, Wagenknecht passou a fazer parte do novo Partido do Socialismo Democrático (PDS), que logo depois se fundiu com outras legendas para formar o partido de extrema-esquerda A Esquerda, em 2000. Durante sua atuação no A Esquerda, Wagenknecht ocupou diversos cargos de liderança, incluindo a vice-presidência da legenda e a chefia da bancada no Bundestag.
No A Esquerda, Wagenknecht foi uma defensora ferrenha de políticas mais radicais, sempre posicionando-se contra as tendências consideradas mais “moderadas” da legenda. No entanto, a partir de 2015, suas críticas à política migratória alemã, especialmente com relação à entrada de refugiados sírios, começaram a afastá-la da linha dominante de seu partido. Seu discurso contra a imigração irrestrita, a defesa de um maior controle fronteiriço e mais recentemente suas críticas às sanções impostas à Rússia pela invasão à Ucrânia em 2022 colocaram-na em oposição direta à liderança do A Esquerda. Tais divergências culminaram em sua saída do partido em 2023, um movimento observado como o prelúdio para a criação de seu próprio grupo político.
Em 8 de janeiro deste ano, Sahra Wagenknecht fundou seu próprio partido: a Aliança Sahra Wagenknecht (Bündnis Sahra Wagenknecht, ou BSW), legenda da extrema-esquerda populista que vem se destacando de forma bastante rápida no cenário político da Alemanha. Com uma agenda que combina políticas econômicas de esquerda, como a defesa irrestrita do controle do Estado, com uma retórica mais “conservadora”, segundo disse a própria Wagenknecht, em questões culturais e de imigração, a BSW tem tentado desafiar a tradicional divisão entre esquerda e direita.
Os primeiros resultados do novo partido foram surpreendentes. Nas eleições regionais deste ano, o BSW alcançou o terceiro lugar em estados do leste alemão, como na Turíngia (estado onde fica Jena, a cidade natal de Wagenknecht), Saxônia e Brandemburgo - locais onde o partido da direita nacionalista Alternativa para Alemanha (AfD) também obteve excelentes resultados, ficando à frente do BSW.
As eleições regionais confirmaram a habilidade de Wagenknecht em atrair os eleitores insatisfeitos com a esquerda tradicional da Alemanha. Seu sucesso foi impulsionado, em parte, por suas críticas ao que classifica como a "desconexão da elite política em relação às preocupações da classe trabalhadora", especialmente em um cenário de crise econômica e inflação elevada.
Em julho, antes das eleições nos três estados, Wagenknecht já havia falado sobre o compromisso de seu partido com uma “nova proposta política”, que buscava conquistar os eleitores insatisfeitos com os partidos tradicionais.
“Acredito que nós simplesmente representamos e incorporamos o que muitos partidos não defendem mais: um conservadorismo iluminado no sentido de preservar tradições, segurança — nas ruas e em lugares públicos, mas também empregos, saúde e aposentadorias. A necessidade de segurança, paz e justiça encontrou um novo lar político conosco”, disse a líder esquerdista, segundo veiculou a emissora estatal Deutsche Welle (DW).
Wagenknecht acusa a esquerda tradicional da Alemanha e ter se “afastado” das preocupações reais da classe trabalhadora, focando em questões identitárias e culturais em vez de priorizar o “bem-estar social e a justiça econômica”.
Tanto Wagenknecht quanto a BSW são contra a atual política migratória da Alemanha. A legenda da líder esquerdista incluiu em seu discurso a defesa do aumento das deportações de imigrantes que tiveram seu requerimento de asilo rejeitado no país e a criação de mais controles nas fronteiras do país europeu. Wagenknecht e seus apoiadores afirmam que a atual politica migratória alemã prejudica os trabalhadores nascidos no país.
Em entrevista ao jornal alemão Der Tagesspiegel, Wagenknecht comentou que a imigração descontrolada na Alemanha tem exacerbado os problemas de moradia no país e em diversos outros setores.
“A situação em muitas escolas é catastrófica, faltam professores e, especialmente em áreas de habitação mais pobres, muitas crianças não estão aprendendo o alemão. Além disso, estão surgindo problemas culturais, de radicalização e islamismo”, disse ela.
Conflito no leste europeu e relação com o Ocidente
Além das questões sobre imigração, Wagenknecht também manifesta com certa frequência sua oposição às sanções do Ocidente contra a Rússia. Seu discurso mais brando em relação ao regime de Vladimir Putin, que ela afirma ser apenas em defesa da paz e da diplomacia, tem atraído duras críticas de seus opositores, especialmente após a invasão da Ucrânia por Moscou em 2022. Políticos da Alemanha afirmam que sua postura em relação ao conflito tem enfraquecido a posição do país dentro da União Europeia (UE) e a alinha, de maneira perigosa, aos interesses dos russos.
Enquanto muitos políticos da Alemanha apoiam as sanções contra a Rússia e o envio de armas à Ucrânia, Wagenknecht tem criticado essas medidas, argumentando que elas apenas prolongam o conflito no leste europeu e prejudicam a economia do continente. Para a líder esquerdista, a solução deve ser diplomática, e a Alemanha deve adotar uma postura mais neutra em vez de seguir o que ela considera como uma “agenda militarista” da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), da qual a Alemanha faz parte, e dos Estados Unidos.
Ao Der Tagesspiegel, Wagenknecht expressou sua visão sobre como negociaria o fim do conflito no leste europeu. Na entrevista, ela afirmou que, se pudesse negociar com Putin, ofereceria um fim imediato às entregas de armas da Alemanha e do Ocidente à Ucrânia, em troca de um cessar-fogo.
“Um fim às entregas de armas, se ele concordasse com um cessar-fogo imediato na linha de frente atual. E, em seguida, teria que ser negociado o que acontecerá nos territórios onde os russos estão no momento. O certo seria perguntar às pessoas no Donbass e na Crimeia, por meio de um referendo sob supervisão da ONU, a qual país elas querem pertencer”, disse a líder esquerdista.
De olho nas eleições federais que devem ocorrer daqui a um ano, Wagenknecht é uma das principais vozes dentro da Alemanha contrárias à OTAN. Ela acredita que a aliança desempenha um papel “desestabilizador” no cenário global, exacerbando tensões em vez de promover a paz. Wagenknecht tem criticado o que classifica como "expansão da OTAN para o leste europeu", argumentando que isso foi um “erro estratégico” que alienou a Rússia e contribuiu para o aumento das tensões entre o Ocidente e Moscou. Ela também é fortemente contra a entrada da Ucrânia na aliança militar.