O presidente Jair Bolsonaro insultou nesta semana o brigadeiro-general da Força Aérea do Chile Alberto Bachelet, morto em 1974 durante a ditadura militar chilena em decorrências de torturas sofridas na prisão. O general também era pai da ex-presidente chilena Michelle Bachelet, que hoje é alta comissária ONU para os Direitos Humanos.
Bolsonaro falou sobre Alberto Bachelet em reação ao comentário de Michelle Bachelet de que há uma "redução do espaço democrático no Brasil". "Nos últimos meses, observamos (no Brasil) uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições impostas ao trabalho da sociedade civil", disse Bachelet em entrevista coletiva em Genebra na quarta-feira (4).
Bolsonaro rebateu afirmando que Bachelet "diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época".
Políticos chilenos de diferentes posições ideológicas se manifestaram contra a fala de Bolsonaro. O presidente de direita Sebástian Piñera, um dos principais aliados de Bolsonaro na região, condenou os comentários do presidente brasileiro. "Não compartilho, em absoluto, a alusão feita pelo presidente Bolsonaro a respeito de uma ex-presidente do Chile, especialmente em um tema tão doloroso, como a morte do seu pai", disse Piñera na quarta-feira.
Prisão, tortura e morte
Alberto Bachelet se opôs ao golpe de 1973 do general Augusto Pinochet, que derrubou o presidente eleito Salvador Allende, apesar de usar a mesma farda de seus colegas que planejaram a tomada de poder. Por isso, teria sido perseguido pelo novo regime. Ele foi condenado pelos militares da ditadura de Pinochet por traição. Preso e submetido a tortura por vários meses, morreu aos 51 anos em 12 de março de 1974, no Cárcere Público de Santiago, segundo o projeto Memória Viva, que documenta as vítimas do regime de Pinochet.
Casado e com dois filhos, Bachelet foi secretário da Direção Nacional de Abastecimento e Comercialização e, uma posição política no governo socialista de Allende, com status de ministério, cuja função era lutar contra o mercado negro e a acumulação de produtos em meio a uma crise de desabastecimento sofrida pelo país. Em paralelo, era diretor de finanças na Força Aérea do Chile (FACH).
Bachelet foi detido em seu gabinete no Ministério da Defesa em 11 de setembro de 1973, a data que marca o início do golpe militar no Chile. Ele foi liberado naquela noite, mas a sua casa foi invadida nos dias seguintes e ele foi detido novamente no dia 14 de setembro. A partir desta data, ele esteve na Academia de Guerra da Força Aérea e no hospital da FACH.
Durante esse período, ele foi submetido a tortura, infligida a ele por aqueles que até então eram seus subordinados. De acordo com o Memória Viva, ele ficou encapuzado por um longo tempo, foi espancado e objetos afiados foram enterrados em suas unhas. Em meados de outubro, ele foi colocado em prisão domiciliar, voltando para casa em péssimas condições físicas, com um agravamento de doenças coronarianas com as quais já sofria por algum tempo. Em 18 de dezembro, ele foi preso novamente e levado ao Cárcere Público, sendo processado por um Conselho de Guerra (o chamado "Processo FACH").
Bachelet passou por mais torturas e humilhações, e faleceu em sua cela após um ataque cardíaco em 12 de março. Segundo o projeto Memória Viva, a condição de saúde do general era conhecida pelos seus captores, que se recusaram a permitir que ele fosse tratado.
"Eles me quebraram por dentro, em um momento, eles me quebraram moralmente - eu nunca soube odiar alguém - sempre pensei que o ser humano é a coisa mais maravilhosa desta criação e deve ser respeitado como tal, mas encontrei com camaradas das FACH que eu conhecia há 20 anos, meus alunos, que me trataram como um delinquente ou um cachorro."
Trecho de carta escrita pelo general Alberto Bachelet da prisão a seus familiares
Caminhos diferentes
Em 2013, quando concorria à presidência, Michelle Bachelet tinha entre seus adversários Evelyn Matthei, filha do ex-coronel da FACH Fernando Matthei, que era amigo de Alberto Bachelet. A BBC contou a história da amizade entre os dois militares e do convívio entre as duas famílias antes da morte de Bachelet.
Segundo a reportagem, o general Bachelet recebia o amigo em seu gabinete para conversar sobre cultura, filosofia e política. Ao final dos anos 1950, ambos consideravam que o Estado deveria cumprir um papel crucial e nenhum dos dois se considerava direitista. Matthei admirava o modelo sueco, enquanto Bachelet, a revolução cubana.
Com a eleição de 1970 começaram as diferenças entre eles; Matthei votou em Jorge Alessandri, e Bachelet em Salvador Allende. As divergências não afetaram a amizade, no entanto, e ambos se consideravam constitucionalistas.
Matthei estava com sua família trabalhando em Londres no dia 11 de setembro de 1973 e não participou do golpe ou do seu planejamento.
Em Santiago, Bachelet havia aceitado o pedido do comandante-chefe Gustavo Leigh para renunciar a direção de Finanças na FACH. Ele aceita, sem se dar conta de que, dessa maneira, estaria à margem das reuniões do alto comando em que os planos para a derrubada de Allende eram traçados.
Após o golpe, Matthei foi nomeado por Leigh como diretor da Academia de Guerra, um local de detenção de opositores ao regime, e voltou para Santiago. Ele sabia sobre a prisão do seu amigo. Quando perguntado sobre medidas para evitar a morte do seu amigo Alberto, em entrevista para um livro em 2014, o militar disse: "Eu não podia fazer nada. Nada. Se eu tivesse tratado de fazer alguma coisa, me pegariam imediatamente. E quem ganharia com isso? Ninguém ganha nada se alguém fizer gestos que não levam a nada. Não me orgulho disso".
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