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Think tank americano aponta que a Rússia de Putin, que invadiu a Ucrânia, já se beneficia com o desvio do foco para outra guerra
Think tank americano aponta que a Rússia de Putin, que invadiu a Ucrânia, já se beneficia com o desvio do foco para outra guerra| Foto: EFE/EPA/SERGEY GUNEEV/SPUTNIK/KREMLIN

A guerra entre Israel e Hamas, desencadeada a partir dos ataques terroristas sem precedentes ao território israelense no último sábado (7), ainda tem desfecho incerto. Entretanto, os movimentos políticos que esse conflito traz consigo já indicam quem pode ser mais beneficiado e prejudicado por ele.

O Irã, inimigo de Israel e que teria ajudado o Hamas no ataque (acusação negada por Teerã), tem sido apontado por analistas como um dos beneficiados pelo aumento da instabilidade que o conflito já traz à região.

Em setembro, durante discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que o mundo tem a perspectiva de um “novo Oriente Médio” com a possível normalização das relações diplomáticas entre seu país e a Arábia Saudita, que está em discussão.

Os sauditas condicionam o acordo à assinatura de um pacto de defesa com os Estados Unidos, ajuda no desenvolvimento do seu programa nuclear civil e avanços para a criação de um Estado palestino.

Netanyahu citou na ONU que os Acordos de Abraão, assinados em 2020 com os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein e depois estendidos a Marrocos e Sudão, “anunciaram o início de uma nova era de paz”, mas que um acordo entre Israel e a Arábia Saudita seria ainda mais importante.

Entretanto, analistas projetam que a escalada no conflito pode minar essa aproximação. “Em primeiro lugar, uma resposta dura de Israel pode afastar a Arábia Saudita e outros Estados árabes dos esforços de normalização israelenses apoiados pelos Estados Unidos”, afirmou Aaron Pilkington, especialista da Universidade de Denver, em artigo para o site The Conversation.

“Em segundo lugar, se Israel considerar necessário avançar ainda mais na Faixa de Gaza para erradicar a ameaça, isso poderá provocar outra revolta palestina em Jerusalém Oriental ou na Cisjordânia, levando a uma resposta israelense mais ampla e a uma maior instabilidade”, disse Pilkington.

“Haverá apenas um vencedor na guerra entre Israel e o Hamas. E não será nenhum dos dois”, acrescentou o analista, citando o Irã.

O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) apontou em comunicado que a Rússia também pode ser beneficiada pelo conflito, ao tirar o foco da guerra de Moscou contra a Ucrânia.

O think tank americano destacou que “o Kremlin já está e provavelmente continuará explorando os ataques do Hamas em Israel para promover diversas operações de informação destinadas a reduzir o apoio e a atenção dos Estados Unidos e do Ocidente à Ucrânia”.

“Várias fontes importantes dentro do espaço de informação russo mudaram o foco da sua cobertura diária para a situação em Israel em 7 de outubro, o que poderá ter impacto no ambiente de informação em torno da guerra na Ucrânia nos próximos dias ou semanas”, apontou o ISW.

Isso num momento em que países que ajudam Kiev na guerra contra a Rússia estão retirando ou questionando esse apoio.

Com essa preocupação em mente, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse nesta segunda-feira (9) que o Hamas e a Rússia representam “o mesmo mal” e que a ajuda do Ocidente e aliados a Israel e à Ucrânia não pode cessar.

“Este não é o momento de nos retirarmos da arena internacional devido a disputas internas. Este não é o momento de nos isolarmos. Este não é o momento de permanecermos em silêncio ou fingirmos que o terror num continente não afeta os assuntos globais”, disse o presidente ucraniano.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Rubens de Siqueira Duarte, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), concordou que a Rússia e o Irã se beneficiam com o conflito, ainda que discorde do que chamou de “ligação automática Irã-Hamas” feita por grande parte da imprensa e por muitos analistas.

“Eles tiveram rixas, o Irã é persa, o Hamas é árabe. Nessa região do planeta, muitas vezes o inimigo do meu inimigo também é meu inimigo. Há muitos tons de cinza ali”, disse Duarte.

O analista destacou um terceiro beneficiado: Netanyahu, que vinha acuado pelos protestos contra a reforma judicial que tenta implantar em Israel, ganha fôlego político com a resposta ao Hamas.

“Ele pode ser prejudicado em caso de grandes baixas, mas, de qualquer forma, ainda que ocorram, um inimigo externo sempre cria uma comoção nacional, em torno de valores, patriotismo. O inimigo externo tende a fortalecer a coesão nacional, na figura do governo eleito do Netanyahu”, disse Duarte.

População civil, diálogo e Brics, os perdedores

Quanto aos que mais perdem com o conflito, o professor da Eceme afirmou que, obviamente, além da população civil de Israel e da Faixa de Gaza, as iniciativas de diálogo ficarão enfraquecidas – como a que promoveu o restabelecimento das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita, após sete anos de laços rompidos entre os dois países, anunciado em março.

“A primeira a perder é a posição que pede o diálogo, não só em Israel e na Palestina, mas em todo o mundo. Todos os movimentos que estão buscando fazer um apaziguamento da situação internacional, não vai ser o fim deles, mas obviamente vai ser uma barreira a mais”, afirmou.

Duarte também destacou que os Brics podem sofrer danos. No final de agosto, o grupo de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul surpreendeu ao anunciar que, a partir do início de 2024, vai ganhar mais seis membros, Arábia Saudita e Irã entre eles.

“Existe um transbordamento para os Brics. Ainda que nenhum país do bloco esteja diretamente envolvido ou com algum envolvimento provado, é claro que uma guerra árabe-israelense dificulta o diálogo”, afirmou o especialista.

“Se os Brics estavam fazendo um movimento de ampliação e incluindo nesse grupo rivais históricos, árabes e persas, e vem uma guerra, é claro que esse processo vai sofrer um abalo. O grau dele, ainda é incerto”, apontou.

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