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Quem ganhou?

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, discursa em Wilmington, Delaware, em 7 de novembro. (Foto: Andrew Harnik/Pool/AFP)

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Donald Trump diz que ganhou a eleição. Ele também acha que o motivo pelo qual parece que ele não ganhou a eleição é fraude generalizada. Ao menos é o que ele diz pensar. Ele também diz que ganhou o voto popular em 2016, e a única razão pela qual parece que ele não venceu o voto popular em 2016 foi fraude generalizada. Donald Trump iria surtar se tentasse falar a verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade durante 22 minutos seguidos, então ninguém sensato o leva a sério quando fala de fraude. Isso não quer dizer que não houve fraude; quer dizer que você não pode esperar que o presidente dos Estados Unidos diga a verdade. Trump certamente não vai dizer a verdade sobre ter perdido a eleição para um homem que, segundo ele, era metade mafioso, metade berinjela.

Joe Biden acha que ganhou a eleição. A Associated Press também acha. Mas a lavada que alguns de seus amigos (incluindo os de ocasião) estavam prevendo não veio. Seu desempenho contra o homem que, segundo ele, era obviamente e inegavelmente o pior presidente da história dos Estados Unidos não foi o desempenho que se esperaria de quem estivesse concorrendo contra alguém que fosse obviamente e inegavelmente o pior presidente da história dos Estados Unidos. Talvez ele tenha conquistado uma vitória apertada apenas para passar tempo na Casa Branca tendo suas ideias (na medida em que ele tem ideias) destruídas sem piedade por Mitch McConnell e os republicanos no Senado.

Não é que Biden tenha exatamente vendido sua alma imortal à esquerda para unificar os democratas. Mas ele a alugou por um bom tempo a Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders, num excelente contrato que pode acabar tendo sido um mau negócio: ele foi para a cama com um punhado de autodeclarados socialistas e perdeu feio na Flórida, onde latinos que experimentaram em primeira mão essa ideologia nefasta disseram “¡socialismo no!”. Agora, Biden terá de escolher entre deixar de lado sua própria agenda para ceder aos maluquinhos de Berkeley, ou se livrar da esquerda e tentar descobrir onde Kamala Harris está escondendo o picador de gelo.

Depois de quatro anos sendo tratado como supremacista branco, Trump teve a melhor votação entre não brancos para qualquer candidato republicano desde Richard Nixon

Mitch McConnell acha que talvez tenha ganho a eleição. Os democratas colocaram muita esperança na desafiante regada a dinheiro que “Cocaine Mitch” despachou. Mas isso não era surpresa. E, com David Perdue e Kelly Loeffler no segundo turno das disputas pelo Senado, o astuto McConnell tem uma ótima chance de infligir aos democratas da Geórgia o pior espancamento que eles já sofreram desde o general Sherman.

Chuck Schumer não acha que ganhou a eleição.

Nancy Pelosi acha que ganhou a eleição. Seu partido perdeu cadeiras na Câmara dos Representantes em um ano no qual seus membros esperavam destroçar a oposição, mas pelo menos os democratas não perderam cadeiras suficientes para tirar dela a presidência da Câmara. Se o martelinho de presidente e sua esplêndida coleção de cachecóis Hermès são a única coisa que importa para a octogenária Pelosi, então ela tem todos os motivos para estar satisfeita.

Mas os seus correligionários não acham que ganharam a eleição. Eles acham que muitos deles levaram surras em disputas que deveriam ter vencido. A deputada Abigail Spanberger, democrata do estado da Virgínia, falou por muitos colegas quando usou um palavrão para ridicularizar as ideias de cortar dinheiro da polícia e esse papinho de socialismo. “Nunca mais digam ‘socialismo’ de novo”, ela disse. “Se continuarmos com essa história vamos nos f... bonito em 2022.” Pelosi retrucou: “Nós temos uma missão!”, insistiu. Certamente não é o que parece para os democratas no Congresso. Talvez Pelosi esteja pronta para uma missão com tapioca e bingo em algum lugar tranquilo e ensolarado.

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Os aliados de Trump acham que ganharam a eleição. O presidente pode não ter cruzado a linha de chegada em primeiro (eles ainda não estão prontos para admitir isso), mas melhorou seu desempenho de 2016 em vários aspectos, mostrando que é competitivo em estados e condados que algumas das melhores mentes republicanas já tinham dado como perdidos. Depois de quatro anos sendo tratado como supremacista branco, Trump teve a melhor votação entre não brancos para qualquer candidato republicano desde Richard Nixon – o Nixon de 1960, na esteira dos avanços dos direitos civis da era Eisenhower, não o Nixon pilantra de 1972. Trump ganhou em condados no Texas que têm 96% de latinos, mas também aumentou sua votação no condado de Los Angeles, aumentou sua participação no voto dos negros e dos gays.

Consultores políticos republicanos bitolados passaram décadas obcecados em ampliar sua coalizão para além do homem branco raivoso, e Trump entregou: trouxe mais homens negros, mais mulheres negras, mais latinos – da Flórida até o Texas e a Califórnia – etc. E conseguiu isso durante uma pandemia horrível e depois de uma recessão econômica feia. Eles não dirão isso às claras porque ainda não querem se livrar já do grande líder, mas muitos aliados de Trump estão imaginando o que o trumpismo conseguiria sob a liderança de alguém mais disciplinado e que não use as mídias sociais como um adolescente.

Os críticos conservadores de Trump não achamos que ganhamos a eleição. Talvez essa seja a única coisa sobre a qual estejamos certos nesse novembro.

Kevin D. Williamson é correspondente da National Review e autor de The smallest minority: independent thinking in an age of mob politics.

© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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