A noite decepcionante para Donald Trump em Iowa foi apenas o mais recente revés para pesquisadores de todo o mundo.
Os resultados nos caucuses presidenciais no Estado, na segunda-feira (1º.), mostram vitória do senador do Texas Ted Cruz contra Trump na disputa republicana por 28% a 24% -- um resultado contrário às várias pesquisas que indicavam o bilionário como vencedor.
Na disputa democrata, o empate virtual entre Hillary Clinton e Bernie Sanders foi um encerramento desconfortável tanto para a ex-secretária de Estado quanto para os pesquisadores que a mostravam com uma pequena, mas sólida vantagem nas prévias.
Os resultados ressaltam a vulnerabilidade da indústria das pesquisas, que tem sido marcada nos últimos meses por leituras imprecisas do sentimento público em eleições em Israel, Grécia, Espanha e Reino Unido -- muitas vezes subestimando os eleitorado conservador.
Na segunda-feira à noite, os habitantes de Iowa desafiaram as expectativas, participando de convenções partidárias em números sem precedentes para dar a Cruz seu grande momento -- uma vitória revigorante.
Esses erros têm levantado dúvidas sobre a validade das pesquisas justamente em um momento de mudanças tecnológicas e sociais -- e quando os políticos e empresários parecem confiar cada vez mais nas pesquisas e dados coletados.
A maioria das pesquisas pré-caucus mostrava Cruz a uma certa distância de Trump e uma corrida apertada entre Hillary e Sanders. Na pesquisa final da Bloomberg Politics para Iowa, realizada entre 26 e 29 de janeiro, Hillary tinha uma vantagem de 3 pontos percentuais sobre Sanders, enquanto Trump vencia Cruz por 5 pontos. Ambos os resultados na segunda à noite estavam dentro da margem de erro.
A vitória de Cruz também fez com que, apenas pela segunda vez desde 1988, a Pesquisa de Iowa, realizada pela Selzer & Co., errasse tanto o vencedor democratas quanto o republicano. A outra exceção foi a vitória por 34 votos do republicano Rick Santorum sobre Mitt Romney, em 2012 . A Selzer & Co. não fez a pesquisa em 1992.
Então o que aconteceu?
Por um lado, a estratégia de Cruz parece ter dado certo. J. Ann Selzer, presidente da Selzer & Co., disse que enquanto sua pesquisa projetava a vitória de Trump, todas as variáveis que favoreciam Cruz convergiram.
“Sabíamos que era preciso olhar para os evangélicos, e nós entrevistamos 60% de eleitores com este perfil entre os republicanos”, disse Selzer. No fim, 64% dos participantes do caucus eram evangélicos ou convertidos, de acordo com uma pesquisa da CNN, dando impulso a Cruz.
“Outro fator é que você pode apoiar Trump, mas se não aparece para votar, de nada importa”, disse J. Ann.
A Bloomberg Politics se alinhou com a média de oito sondagens compiladas pela RealClearPolitics, que indicava Trump com uma vantagem de 4,7% pontos perto do dia do caucus, e Hillary com uma vantagem de 4 pontos. As pesquisas usadas nesta média compilada mostravam, no entanto, uma certa volatilidade e a incerteza sobre as intenções de voto. Os resultados variavam de uma vantagem de 11 pontos para Hillary (na pesquisa Gravis Marketing) para uma vantagem de 3 pontos para Sanders (em uma pesquisa da Universidade Quinnipiac), por exemplo.
Mudanças
De muitas maneiras, Iowa simboliza a batalha árdua que os pesquisadores enfrentam com as velozes mudanças sociais e tecnológicas.
Essas mudanças -- do abandono dos telefones fixos às mudanças demográficas -- afetam os institutos de pesquisa a nível mundial, fazendo com que deixem passar tendências ou clima para as votações. O grau de dificuldade só aumentou em Iowa, onde as estruturas complicadas das convenções partidárias, o histórico de baixa adesão e candidados pouco ortodoxos contribuíram com a imprevisibilidade.
Nas salas das convenções, os eleitores ouviam seus vizinhos e amigos, possibilitando mudanças de última hora na relação de lealdade ao um candidato.
“São pessoas que você conhece da vizinhança, pessoas que você deve respeitar, e que podem influenciar o seu voto”, disse Timothy Hagle, professor de Ciências Políticas na Universidade de Iowa. “Essas mudanças de última hora fazem a diferença, especialmente se você tiver uma corrida muito apertada.”
Para complicar, participação em Iowa é baixa se comparada com uma primária ou com eleições gerais, aumentando as chances de um resultado divergente das pesquisas.
Em 2012, 121.503 republicanos -- 19,7% dos 614.913 eleitores registrados do Partido Republicano do estado -- votaram. Em 2008, um ano de excepcional participação graças ao entusiasmo pelo então senador Barack Obama, apenas 23,3% dos democratas registrados participaram. Os republicanos do Iowa surpreenderam batendo recorde de participação na segunda-feira - mas não para votar em Trump, o candidato de destaque.
Nate Silver, o especialista em pesquisas no FiveThirtyEight, um site de análises estatísticas, disse que o erro da Bloomberg Politics reflete o erro das pesquisas primária ou de caucus, que são “muito difíceis”. “Parece que houve algum movimento de última hora para Rubio e Cruz que a pesquisa não conseguiu captar por não estar em campo até tarde o suficiente”, escreveu Silver em um post de blog.
Os esforços para rastrear adequadamente potenciais eleitores são maiores agora que não se pode contar com as respostas via telefone fixo, por muitas pessoas não terem mais um. A taxa de resposta em celulares é notoriamente baixa, o que eleva os custos para criar uma metodologia apropriada.
Essas tendências têm forçado os institutos de pesquisas eleitorais a alterarem a maneira como eles reúnem os dados, disse Mike Traugott, um cientista político da Universidade de Michigan que advertiu a Gallup sobre os seus métodos de enquete.
O Pew Research Center, por exemplo, conseguiu um quarto de suas respostas nas eleições de 2004 de usuários de telefones móveis. Mas, em 2016, a empresa espera fazer 75% das entrevistas via celulares, apesar de custar o dobro este tipo de pesquisa.
Os institutos como o Selzer cruzam as informações dos pesquisados com as dos eleitores registrados em um esforço para melhorar a qualidade das previsões. Mas isso é demorado e custa mais dinheiro, e nem todas as organizações de mídia estão dispostas a arcar com esse fardo financeiro.
Melhores métodos “exigem mais tempo e mais dinheiro”, disse Traugott, que atua como presidente da Associação Mundial de Pesquisa de Opinião Pública. “As companhias de mídia não estão dispostas a pagar por isso.”
Histórico
Na Grécia, os eleitores reelegeram o líder do Syriza Alexis Tsipras por uma margem muito maior do que as pesquisas previam. Isso depois de um referendo, em julho, sobre se a Grécia deveria aceitar as condições de resgate econômico impostas por parte da Europa e do Fundo Monetário Internacional. Pesquisas sugeriram que os eleitores iriam rejeita-lo por pouco, mas o referendo foi finalmente derrotado por 22 pontos.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o premiê britânico, David Cameron, venceram as eleições no ano passado apesar de as pesquisas finais sugerirem que eles estavam em apuros. E em 2012, o candidato republicano à presidência Mitt Romney não elaborou um discurso de derrota em parte porque as pesquisas mostravam vitória sobre Obama.
Os pesquisadores estavam nervosos nesta segunda-feira em Iowa porque entre os republicanos haviam elementos complicadores de pesquisas passadas: um grande grupo de candidatos e um primeiro colocado pouco ortodoxo cujo apoio foi largamente enraizado na eleitores que não tinham participado de convenções anteriores.
A vitória surpresa de Cruz se alinhou com os erros de pesquisas eleitorais passadas. Pesquisas realizadas pela Register em 1988, 1996 e 2012 subestimaram os candidatos que poderiam ganhar o apoio de eleitores evangélicos - o mesmo grupo que parece ter empurrado o senador Texas para a vitória.
Pesquisas também são frequentemente lentas para reconhecer candidaturas emergentes - como Santorum, que vindo da escuridão conseguiu a vitória nos dias finais do caucus de 2012. Há uma semana, a média de Marco Rubio no RealClearPolitics era de apenas 12,2 pontos percentuais, antes de chegar em 16,9% a algumas horas da convenção partidária, sugerindo que o senador da Flórida poderia ser uma surpresa. Ele terminou a segunda com 23% - atrás de Trump por 1 ponto percentual, embora pesquisas anteriores tivessem o colocado a dois dígitos do magnata do ramo imobiliário.
O lado democrata contou com um campo menor, mas igualmente difícil de se prever. Jovens eleitores deram apoio a Sanders, mas o eleitorado de 18 a 34 anos de idade é historicamente inconstante quando se trata de aparecer nas votações.
Os resultados de segunda-feira mostram que os pesquisadores tendem para uma nova rodada de críticas sobre a confiabilidade das pesquisas, o que poderia corroer ainda mais a confiança em seus métodos. “Os institutos de pesquisa precisam de modelos e, às vezes, os modelos que utilizamos não funciona mais”, disse Traugott.
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